Ib Melchior (Copenhague, Dinamarca, 17 de setembro de 1917 – Califórnia, 14 de março de 2015), roteirista, diretor e escritor, um dos grandes nomes do gênero ficção científica.
Ele dirigiu o clássico do cinema B “Viagem ao Planeta Proibido” (1959), e roteirizou outros filmes populares como “Monstro do Planeta Perdido” (1962), “Robinson Crusoé em Marte” (1964), “O Planeta dos Vampiros” (1965) e “Corrida da Morte – Ano 2000″ (1975). Ele também afirmava ter criado os conceitos das séries “Perdidos no Espaço” e “Jornada nas Estrelas”, tendo recuperado créditos em relação à primeira. Seu trabalho também inspirou o filme “Alien – O Oitavo Passageiro” (1979) e o game “Carmageddon” (1997).
Ib Jørgen Melchior nasceu em 17 de setembro de 1917 na cidade de Copenhague, na Dinamarca. Seu pai era o tenor Lauritz Melchior, mas Ib não seguiu esses passos. “Se eu tivesse me tornado um cantor diriam que eu não era tão bom quanto o meu pai, ou que eu tinha chegado onde estava por causa do meu pai”, disse o cineasta em uma entrevista à UPI em 1972.
Ele acabou se formando na Universidade de Copenhague e se juntou à uma companhia de teatro que fazia turnês pela Europa, trabalhando primeiro como ator e depois como diretor de algumas peças. Quando o grupo seguiu para Nova York para apresentações na Broadway, Melchior viu o potencial em seguir carreira no show business. Estabilizado no país, em 1948 ele dirigiu a série “The Perry Como Show”, além do curta “Where There’s Smoke…” (1957) e a série documental “The March of Medicine” (1958).
Sua estreia como roteirista de Hollywood se deu com o famoso drama criminal adolescente “O Poço da Perdição” (Live Fast, Die Young, 1958), sobre duas irmãs que fogem de casa e se tornam ladras de joias. A produção acabou se tornando cult por retratar a delinquência como uma forma de rebeldia contra o sistema e até hoje inspira camisetas, como a usada por Slash, ex-guitarrista dos Guns N’ Roses, em um show realizado em 2007.
Seu filme seguinte foi outro clássico do cinema B, a ficção científica “Viagem ao Planeta Proibido” (The Angry Red Planet, 1959), que ele escreveu juntamente com Sidney W. Pink (“O Homem Sem Face”). A trama acompanhava uma tripulação em missão malsucedida no planeta Marte, onde se deparam com alienígenas, plantas carnívoras e um monstro que é uma mistura de morcego, rato e aranha. A estranha criatura ficou tão famosa que foi capa do disco “Walk Among Us”, da banda Misfits, e apareceu no clipe de “The Number of the Beast”, do Iron Maiden.
Quando “Viagem ao Planeta Proibido” foi lançado, o marketing em torno da produção propagandeava o efeito especial cinemagic, que criaria um visual tridimensional às cenas em Marte, ao destacar a cor do planeta vermelho. O resultado foi um filme de imagem borrada de vermelho, que só aumentou a precariedade das cenas, mas também o culto a seus defeitos.
Melchior seguiu no universo sci-fi, roteirizando dois episódios da série “Men Into Space”, que chamava a atenção pelas cenas de voos espaciais tripulados, numa época em que a União Soviética e os EUA rivalizavam na corrida espacial.
Ele voltou a se associar a Sidney W. Pink no terror “Reptilicus” (1961), reciclando um projeto diferente – “Volcano Monsters”, que Melchior desenvolvia para o mercado dinamarquês. O resultado acabou chegando aos cinemas em duas versões: uma falada em dinamarquês e outra em inglês, praticamente com os mesmos atores. A trama mostrava mineradores que descobrem o fóssil de um réptil, que se regenera, vira uma criatura gigante e termina como um clichê dos filmes da época. No final de sua carreira, Pink planejava um remake ou continuação do filme, para tentar pegar carona no sucesso de “Godzilla” (1998), mas acabou morrendo em 2002 e a produção não saiu do papel.
Pink e Melchior ainda trabalharam juntos em “Monstro do Planeta Perdido” (Journey to the Seventh Planet, 1962), que também virou cult pela história absurda. O filme girava em torno de um grupo de astronautas que partia para uma missão no planeta Urano, onde, em vez de gelo, encontram um paraíso povoado por mulheres de biquíni. Na verdade, tratava-se de artifício de um alienígena capaz de controlar as suas mentes.
A fama de escritor de filmes trash só acabou quando Melchior roteirizou “Robinson Crusoé em Marte” (Robinson Crusoe on Mars, 1964), considerada por muitos a sua obra-prima. A produção fazia uma releitura do romance clássico do século 18, escrita por Daniel Defoe, no qual Crusóe naufraga e passa quase 30 anos isolado em uma ilha. No filme, os “náufragos” são dois astronautas, interpretados por Adam West (o eterno Batman dos anos 1960) e Paul Mantee Dagger (“Caçador de Espiões”). A dupla parte em direção à Marte para fazer pesquisas científicas, mas a órbita de sua nave é alterada e um deles acaba sozinho no planeta, precisando descobrir como sobreviver, até encontrar o escravo fugitivo do espaço chamado Sexta-Feira.
“Calhou de ser uma ideia simples, mas surpreendentemente boa”, escreveu o crítico no New York Times na época. Apesar das críticas positivas, uma raridade na carreira de Melchior, o filme não fez sucesso de bilheteria. Mas o cacifou a fazer sua estreia como diretor.
Primeiro filme dirigido por Melchior, “Passagem para o Futuro” (The Time Travelers, 1964) seguiu sua ideia de adaptar os clássicos da literatura como sci-fis futuristas. A trama era baseada em “A Máquina do Tempo”, de H.G. Wells, e acompanhava um grupo de cientistas que, ao usar um portal capaz de fazer viagens no tempo, vão parar no ano de 2071.
Ao mesmo tempo, ele resolveu investir na TV. Escreveu um episódio da série “Quinta Dimensão” (The Outer Limits) em 1965 e procurou os estúdios com o projeto de criar sua própria série. A ideia era a mesma de sempre: transformar um clássico da literatura de aventura juvenil numa trama sci-fi. No caso, a história da “Família Robinson”, de Johann David Wyss, sobre uma família suíça que tenta sobreviver em uma ilha após um naufrágio. Assim como no filme do “Robinson Crusoé”, em sua versão o naufrágio seria no espaço.
Para sua surpresa, pouco tempo depois de visitar a 20th Century Fox Television, Melchior viu o produtor Irwin Allen lançar sua versão da “Família Robinson” no espaço, intitulada “Perdidos no Espaço” (Lost In Space).
No livro “Swarm and Horror Horde: Interviews with 62 Filmmakers” (2010), de Tom Weaver, Melchior acusou Allen de roubar sua ideia e revelou até ter consultado advogados para uma possível processo. “Todos concordavam comigo que Irwin Allen roubou a minha ideia. Mas também me aconselharam a deixar para lá. Eu era um recém-chegado em Hollywood e diziam que se eu fizesse barulho não conseguiria mais trabalho.”
Mesmo assim, ele conseguiu um reconhecimento tardio, ao receber o crédito de consultor criativo na versão cinematográfica de “Perdidos no Espaço”, lançada em 1998. Só que precisou processar o estúdio New Line para receber a participação na bilheteria que haviam lhe prometido. A produção não se saiu muito bem, faturando apenas US$ 136 milhões mundialmente.
Melchior também disse ter criado a premissa de “Jornada nas Estrelas” (Star Trek). Numa reunião com o produtor Gene Roddenberry, ele esboçou todo o seu projeto sobre aventuras interplanetárias de uma nave espacial comandada por um capitão intrépido, secundado por um alienígena racional. A estreia de “Jornada nas Estrelas” em 1966 teria acabado de vez com sua vontade de fazer televisão. Tanto que Melchior nem se importou com o lançamento da série “Túnel do Tempo” no mesmo ano, outra produção de Irwin Allen que lembrava muito o seu filme “Passagem para o Futuro”.
O cineasta seguiu em frente, roteirizando “O Planeta dos Vampiros” (Terrore Nello Spazio, 1965), outro clássico sci-fi, dirigido pelo mestre do terror italiano Mario Bava (“A Maldição do Demônio”) e estrelado pela brasileira Norma Bengell (“Os Cafajestes”). A trama, em que astronautas vão parar num planeta habitado por alienígenas que buscam se apossarem de seus corpos, acabou servindo de inspiração para outra franquia famosa. Nada menos que o filme “Alien – O Oitavo Passageiro” (1979).
Melchior ainda escreveu o drama de guerra “A Baia da Emboscada” (Ambush Bay, 1966), estrelado por Mickey Rooney (“Com os Braços Abertos”), e assinou o curta “Keep off the Grass” (1970), um alerta sobre os perigos da maconha, antes de encerrar a carreira com o polêmico roteiro de “Corrida da Morte – Ano 2000″ (Death Race 2000, 1975).
Como não poderia deixar de ser, sua última história foi outra sci-fi trash que se tornou cultuada. Produzida por Roger Corman (“O Solar Maldito”), verdadeira lenda do cinema B, “Corrida da Morte – Ano 2000″ trazia David Carradine (“Kill Bill”) e Sylvester Stallone (franquia “Os Mercenários’) em começo de carreira, dirigindo carros tunados numa competição futurista, vencida por aquele que mais atropelasse pedestres. A trama altamente controversa inspirou o jogo eletrônico “Carmageddon”, lançado duas décadas depois, em 1997.
Já aposentado, Melchior viu esse derradeiro trabalho ganhar uma refilmagem, “Corrida Mortal” (Death Race, 2008), dirigida por Paul W.S. Anderson (franquia “Resident Evil”) e estrelada por Jason Statham (franquia “Os Mercenários”), mas o resultado foi uma trama totalmente diversa, em que presidiários eram obrigados a participar de uma corrida em que deveriam matar os adversários, tendo como prêmio a liberdade.
Um ano após seu último filme, ele recebeu um prêmio especial da Academia Cinematográfica de Ficção Científica, Fantasia e Terror por sua contribuição ao gênero no cinema e na televisão. O resto de sua carreira foi dedicada aos livros. Melchior escreveu diversas obras, como “Code Name: Grand Guignol”, “The Haigerloch Project” e “Lauritz Melchior: The Golden Years of Bayreuth”, biografia de seu pai tenor.
Ib Melchior faleceu no dia 13 de março, aos 97 anos, em sua casa em Los Angeles, de causas naturais.
(Fonte: http://pipocamoderna.virgula.uol.com.br/ib-melchior-1917-2015/413286 – Publicado por Chloé Monteiro – 22 mar 2015)