Michal Kalecki em 1990 (Foto: Alchetron/Divulgação)
Kalecki deu importantes contribuições para a teoria econômica do desenvolvimento, que o colocam entre os fundadores dessa área de nossa disciplina.
Michal Kalecki (Lodz, 22 de junho de 1899 – Varsóvia, 18 de abril de 1970), economista marxista polonês, especializado em macroeconomia, foi um pioneiro da teoria econômica do desenvolvimento. Também foi um pioneiro na análise matemática da dinâmica econômica.
O primeiro modelo matemático construído para explicar o ciclo dos negócios de Michal Kalecki fora publicado primeiramente numa revista polonesa, em 1933, o que causa, segundo teóricos contemporâneos atuais, seu tardio aparecimento na comunidade científico-econômica internacional, sendo muitas vezes então considerado,erroneamente, como sucessor de Keynes.
Contudo, ao utilizar também a teoria do multiplicador, o autor polonês expõe que os lucros dependem dos investimentos, porque a poupança dos capitalistas deve ser igual ao investimento, e que é necessário um volume determinado de lucros para que seja originada uma poupança determinada.
Kalecki negava explicitamente que uma maior parcela de lucros necessariamente aumentasse a taxa de crescimento do investimento e do produto final e acarretasse uma absorção mais rápida do excedente de mão de obra, já que havia muitas razões justificadas para tanto.
Uma delas é que, mesmo se obtiverem lucros elevados, as empresas podem relutar em investir. A outra está relacionada ao efeito das maiores parcelas de lucros sobre a demanda agregada, os lucros totais e o produto final; pois,segundo ele, os lucros totais não aumentam necessariamente com uma maior parcela de lucros.
Por outro lado, este também considerava que um aumento no padrão de vida dos camponeses pobres teria influência benéfica sobre a demanda efetiva e o emprego, sob dois aspectos. Por um lado, ampliaria o mercado agrícola para os bens de consumo industriais. Além disso, estimularia um aumento dos salários reais, o que ampliaria a demanda por bens de consumo nas áreas urbanas.
A determinação do consumo diretamente pela distribuição de renda é a primeira diferença importante de Kalecki em relação ao Keynes dominante na Teoria Geral. Isso ocorre não porque há sua presença no multiplicador (que, conforme visto acima,também faz parte do multiplicador keynesiano), mas porque tem-se a mesma figura como uma variável independente da propensão a consumir, e também porque essa propensão, no lugar de consubstanciar uma série complexa de fatores objetivos e subjetivos, é simplesmente tomada como sendo próxima a um (ou mesmo igual a um para fins práticos), mostrando-se assim uma variável secundária – em benefício da distribuição – para a análise. Em síntese, são essas razões que justificam a alternância de ênfases entre os autores, no tocante à função consumo.
Apesar de Kalecki ser mais enfático na questão distributiva e nos efeitos das variações sobre a produção, ele – em sua análise de ciclos e de crescimento – faz avariabilidade da demanda atender quase exclusivamente pelo comportamento dos investimentos. Para esse autor, os gastos dos capitalistas – isto é, a realização de seus lucros – constitui a principal fonte de demanda, de ampliação dos patamares globais do consumo e de emprego. Em termos do longo prazo, Kalecki não assiste ao desenvolvimento de uma “tradição” ao estilo de Keynes, sendo que suas ideias permanecem no campo da teoria pura, praticamente restrita a seus escritos.
Nesse sentido, no longo prazo itens como salários de funcionários alocados nos postos mais elevados da hierarquia produtiva e consumo dos capitalistas resultam desse processo de realização de lucros e, em virtude do desenvolvimento econômico implícito, tenderia ma um crescimento contínuo. Em tais condições, também em Kalecki a distribuição de renda e o consumo agregado assumem papéis passivos e complementares, no lugar de variáveis determinantes dos rumos do sistema.
Os fatores psicológicos e a volatilidade da poupança têm menos peso para a tese de Kalecki no que se refere à determinação do nível de investimento. A efetivação doinvestimento ocorreria após um período de decisão. Para o autor, o investimento não sealteraria por causa de eventos de vida curta. No curto prazo, o investimento seria dado por decisões passadas. Kalecki define esse período de decisão como a análise das disposições a investir, despesas com investimento e entrega de bens de capital.
As decisões, desse modo, seriam determinadas por uma inter-relação de investimento, lucros e capacidade. No entanto, a capacidade de investimento não éilimitada, pois o aumento da produção traria em última instância o aumento do lucro eda capacidade produtiva, mas ao mesmo tempo, os rendimentos marginais tornar-se-iamdecrescentes. A síntese de seus argumentos revela que o aumento da capacidade produtiva é determinado pelo potencial de investimento, pela taxa de lucro, pela influência tecnológica e a concorrência inter capitalista.
Para Kalecki, o investimento em capital fixo privado numa economia capitalista desenvolvida é determinado pela poupança dos capitalistas, pela diferença entre investimento efetivo e necessário e pela influência direta do progresso tecnológico.
Outro destaque para a teoria kaleckiana é o que ele chama de risco crescente do qual estão submetidos todos os capitalistas. Na teoria clássica, as decisões de investimento parecem ser automáticas, basta que seu custo diminua e que os fatores de produção estejam disponíveis para que o investimento se realize, Kalecki combate essa ideia argumentando que a decisão de investir não é automática e é levada em consideração do risco crescente, que se eleva com o aporte de capital em posse dos agentes econômicos.
Em síntese, apesar do reconhecimento da relevância da distribuição de renda e do consumo para a produção e para o emprego, na essência dos pensamentos keynesianos e kaleckianos esses fatores ocupam uma posição secundária quando suas abordagens extrapolam o ambiente de curto prazo. Desse modo, deixam de lado a possibilidade teórica da interferência das transformações da estrutura produtiva e das modificações da distribuição de renda no horizonte de longo prazo sobre a trajetória da produção.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com base no referencial bibliográfico e teórico vasto existente acerca das obras de Keynes (este principalmente) e Kalecki, muitos autores chegaram a conclusões distintas sobre seus inter-relacionamentos e contribuições à formação teórica da ciência econômica, estando a abordagem de Kalecki no mainstream dos ciclos econômicos e como base, ainda que não totalmente explorada, do desenvolvimento econômico, sendo bastante influenciado por Marx.
Keynes e Kalecki estavam do outro lado da teoria de determinação da renda noque se refere ao pensamento clássico. Se para esses últimos à única barreira ao crescimento são os recursos disponíveis – já que os agentes são racionais e sempre irão maximizar seus lucros – os dois outros autores defenderão que as decisões de investimento não são automáticas e dependem de diversos fatores.
Os referidos autores defendiam que o aumento dos salários poderia provocar o aumento da produção, ao contrário da visão clássica. Apesar de em um primeiromomento, as teorias kaleckiana e keynesiana parecerem idênticas, há que se que ponderar suas diferentes formações acadêmicas. Convergiam, por exemplo, no efeito da taxa de juros sobre o investimento, mas discordavam, entre outras coisas, sobre o modo como as decisões eram tomadas, estando também, a questão do longo prazo inserido na dinâmica econômica de Kalecki, totalmente despercebido por Keynes.
Por sua vez, o equilíbrio kaleckiano mostra que a renda, antes de responder a qualquer lei psicológica, é influenciada pela distribuição de renda. Além disso, abre-se a possibilidade de se observar o volume de emprego envolvido na produção destinada aatender a certo volume de gastos. Evidentemente, o estado da técnica e suas implicaçõessobre o emprego também estão presentes no modelo de Keynes.
Contudo, não são contempladas formalmente em seu equacionamento da renda. Conceitualmente, a propensão a consumir afasta qualquer possibilidade nesse sentido, ficando apenas implícito o fato de que um aumento nos investimentos eleva a produção (e, em consequência, o emprego) neste setor e no de bens de consumo.
Em contraste com outros pioneiros da teoria econômica do desenvolvimento,Kalecki não deu destaque às forças internacionais que inibem o desenvolvimento, mas antes acentuou as instituições domésticas e os determinantes sociais e políticos. Em particular: as condições feudais e semifeudais da agricultura, o mercado reduzido resultante da concentração de renda e da monopolização generalizada da economia, e a falta de disposição dos empresários para realizar os investimentos necessários. Dessa forma, suas recomendações em termos de política econômica enfatizaram também os aspectos internos envolvidos, segundo López et al; estando intimamente ligado às diferenciações sociais internas provindas da departamentalização kaleckiana.
Nesse sentido, em suma, Michal Kalecki transparece um autor embasado fortemente pelo marxismo que, contudo, não perdera seu raciocínio lógico econômico ligado ao classicismo vigente à época, não restringindo suas teorias apenas ao combate da “burguesia predadora imperialista” dos marxistas, e sim mostrando alternativas ao desenvolvimento, ainda que incipiente, da economia departamental através de suas explicações de ciclos econômicos e da dinâmica da economia, que foram fundamentais à teorização da formação econômico-industrial brasileira por cepalinos e não-cepalinos durante o século vinte, inclusive.
Assim, Michal Kalecki torna-se, apesar de seus erros e faltas de abordagem em alguns aspectos, um grande economista que contribuíra para o estudo contemporâneo de problemas socioeconômicos de desenvolvimento e crescimento, não podendo jamais ser esquecido nas prateleiras de bibliotecas como um autor ultrapassado.
(Fonte: Revista de Economia Política – ISSN 1809-4538 – Volume 29 – no.2 – São Paulo Apr./June 2009)
(Fonte: http://www.academia.edu – Roberto Rodolfo Georg Uebel – Porto Alegre, RS, Brasil 2011)
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