Daminhão Experiença, figura folclórica da música brasileira
Músico passou a ser cultuado a partir da década de 1970 por seu rock psicodélico
Daminhão Experiença (Lauro de Freitas, na Bahia, 27 de setembro de 1935 – 10 de dezembro de 2016), cantor e compositor, figura folclórica da música brasileira, sendo reconhecido por músicos como Tony Belloto e George Israel.
Figura arredia que sempre evitou holofotes e raramente aceitava convites para shows, ele foi cultuado a partir da década de 1970 por seu rock psicodélico, mas passou os últimos anos vagando pelos quarteirões próximos à Praça General Osório, em Ipanema, na Zona Sul do Rio de Janeiro, sendo muitas vezes confundindo com um mendigo.
Nascido Damião Ferreira da Cruz, supostamente no município de Lauro de Freitas, na Bahia, Daminhão gravou mais de 30 vinis (outro número incerto) em sua carreira, vendidos pelo próprio nas calçadas de Ipanema. Nunca assinou um contrato com gravadora. Sua participação mais ilustre em discos foi nos vocais de apoio na faixa “Forró de janeiro”, do álbum “Pérola negra”, lançado por Luiz Melodia em 1973.
Sem amigos, o músico, criador do Planeta Lamma (uma nação fictícia onde gerações de músicos e outros malucos brasileiros sempre sonharam morar), vivia de uma pensão da Marinha, onde foi operador de radar, reformado em 1963, e morava em um apartamento sujo, repleto de lixo e com paredes quebradas, no famoso bairro carioca. Sua confusão mental teria origem em uma queda de um mastro de navio, mas a Marinha nunca confirmou a história.
Por seus relatos desconexos, Daminhão também teria sido cafetão no Estácio, morou com uma mulher no Recreio dos Bandeirantes (até ser traído por outra mulher) e viajou por Colômbia, México, Cuba e Trinidad e Tobago fazendo shows. Seu ‘‘Experiença’’ era uma homenagem à banda Jimi Hendrix Experience, de quem era fã.
Da lenda ao ostracismo, a história de Daminhão Experiença
Cultuado músico faz 80 anos e segue vagando pelas ruas de Ipanema
Em torno de Daminhão Experiença há um tanto de realidade e outro de fantasia. Na realidade, seu apartamento em Ipanema é sujo, repleto de lixo e com paredes quebradas. Ele não tem amigos, vive de uma pensão da Marinha e vaga pelos quarteirões próximos à Praça General Osório. Muitas vezes é confundido com um mendigo.
Já na fantasia, tudo isso faz parte do imaginário Planeta Lamma, uma nação criada na mente de Daminhão e onde gerações de músicos e outros malucos brasileiros sempre sonharam morar.
— Você tá me dizendo que as pessoas ainda se lembram de mim? É mentira. Eu sou um velho, tô morrendo — disse Daminhão, dia 16 de novembro de 2015, ostentando a mesma longa cabeleira rastafari de décadas.
Nascido Damião Ferreira da Cruz, supostamente no município de Lauro de Freitas, na Bahia, Daminhão não sabe bem distinguir a realidade da fantasia, e tampouco se esforçou para conquistar os fãs que têm. Músico e compositor, uma figura arredia que sempre evitou holofotes e raramente aceitou convites para shows, ele passou a ser cultuado a partir da década de 1970 por seu rock psicodélico.
Em sua carreira, gravou mais de 30 vinis (o número é tão incerto quanto todas suas outras histórias), vendidos pelo próprio nas calçadas de Ipanema. Nunca assinou um contrato com gravadora. Sua participação mais ilustre em discos foi com vocais de apoio na faixa “Forró de janeiro”, do álbum “Pérola negra”, lançado por Luiz Melodia em 1973.
‘Eu nunca fui para a escola, mas aprendi com o mundo. As forças armadas foram meu pai e minha mãe. E minha família é você, são todos vocês’
— Eu o conheci nos anos 70, acho que num show do Melodia — diz o guitarrista e escritor Tony Belloto. — Às vezes, cruzo com ele na rua. Ele se tornou um andarilho, é difícil manter um contato normal. Mas sempre foi uma das figuras mais interessantes da música brasileira
Hoje, Daminhão teria 80 anos, comemorados sem festa nem bolo em 27 de setembro. Ele mora num prédio colado ao Morro do Cantagalo e diz ter comprado o apartamento com o dinheiro da aposentadoria da Marinha, onde foi operador de radar. Sua confusão mental teria origem em uma queda de um mastro de navio — a Marinha diz não poder passar informações pessoais sobre seus integrantes, mas confirma que Daminhão foi reformado em 1963 e recebe pensão.
Por seus relatos desconexos, ele também foi cafetão no Estácio, morou com uma mulher no Recreio dos Bandeirantes (até ser traído por outra mulher) e já viajou por Colômbia, México, Cuba e Trinidad e Tobago fazendo shows.
— Uma das razões para ele ter se tornado cult é nunca ter querido ser cult — afirma o radialista Mauricio Valladares, que produziu um show de Daminhão na antiga Torre de Babel, em Ipanema, colocando o músico no palco ao lado de Lulu Santos. — Ele seduz por ser alguém fora do padrão. Ninguém sabe como fez os discos, ninguém nem sabe quantos discos existem.
De fato, a única certeza é que Daminhão passa os dias percorrendo Ipanema. Às vezes é reconhecido, e alguém grita seu nome. Pela avançada idade, não toca mais na rua, nem vende discos. Já seu apartamento é cheio de vinis, garrafas PET, latas, caixas de pizza, uma confusão só. Na última segunda-feira, uma nota de R$ 50 estava perdida em meio a garrafas dentro da pia da cozinha.
Esse desapego combina bem com muitas das histórias contadas sobre Daminhão. Quando vendia seus discos nas ruas, ele volta e meia os presenteava para fãs durangos. Também há relatos de Daminhão oferecendo pagar salgados e sucos para quem comprasse seus álbuns; e muitas vezes a música era mais barata do que a comida. Mauricio Valladares, por exemplo, se recorda do dia em que convidou Daminhão para participar de um disco do Professor Antena, no início dos anos 90:
— Eu tinha acabado de assumir como coordenador do selo Plug, da gravadora BMG. O primeiro disco que fiz foi o do Professor Santena, e tivemos a ideia de convidar o Daminhão para fazer um tipo de rap no disco. Ele gravou, o álbum foi para a fábrica, e o pessoal da burocracia me pediu para levar o cheque para o Daminhão e pedir para ele assinar o contrato. Só que ele se recusou. Disse que não assinava documentos. E não recebeu o dinheiro.
‘Dizem que minhas músicas estão na internet. Se estiverem, pode copiar. É tudo de graça’
No meio da bagunça do apartamento de Daminhão, fica um violão todo rabiscado com seu nome. O músico não o tira mais de casa, mas quando pega o instrumento começa a cantar, uma música atrás da outra, com letras sobre sexo, lesbianismo, amor, nazismo e outras coisas compreensíveis apenas em seu dialeto “lammês”.
— Eu gosto de tudo no mundo, do bom e do ruim. Adolf Hitler, Getúlio, Bocage, temos que respeitar todos eles porque fizeram parte da História — afirma Daminhão. — Eu gosto de ir para onde o destino me leva.
O ‘‘Experiença’’ do músico é uma homenagem à banda Jimi Hendrix Experience, de quem é fã e sobre quem fala a cada cinco minutos. Daminhão, apesar de ter gravado dúzias de canções em português, também gosta de repetir que se arrepende de ter cantado em português. Segundo ele, trata-se de um idioma emprestado, não genuinamente brasileiro.
Ainda assim, ele segue interpretando músicas como ‘‘Eu só gosto de mulher lésbica’’, ‘‘Eu gosto de apanhar de mulher’’ e ‘‘Esse tal de Damião, ele é cafetão’’. Os discos têm títulos não menos interessantes, como ‘‘Planeta Lamma’’, ‘‘Planeta Quentão’’, ‘‘Planeta Galinha’’ e ‘‘Cemitério nazismo’’.
— Eu tenho um disco dele até hoje. Ele era meio intrigante, a gente nunca entendia bem qual era a dele — conta o saxofonista e compositor George Israel. — Mas o Daminhão também era uma espécie de visionário. Ele foi um dos primeiros caras a fazer o que hoje a gente chama de crowdfunding. Antigamente era raríssimo alguém conseguir lançar um disco sem gravadora. E ele lançou vários.
A conhecia inquietude de Daminhão segue viva. Passar um tempo com ele significa ouvir palavrões, frases desconexas e uma cantoria de voz rouca que pode começar e acabar sem aviso prévio. Num minuto, ele usa um gorro preto, para logo depois trocar por um chapéu russo, com direito a estrela vermelha com foice e martelo.
Ele se esforça para se lembrar de histórias do passado, mas não consegue ir muito além de breves frases pouco críveis. Comenta rapidamente que seu pai batia nele e em seguida diz que nunca teve pai. Fala que pode ter tido filhos, mas teria os deixado para as mulheres criarem — ‘‘na zona’’, complementa.
Com toda loucura em sua mente e o caos instalado em sua volta (o tal Planeta Lamma), ainda assim Daminhão é uma figura amável e cativante. É forte para seus 80 anos. E garante que ainda vai tentar gravar mais discos.
— Eu nunca fui para a escola, mas aprendi com o mundo. As forças armadas foram meu pai e minha mãe. E minha família é você, são todos vocês — afirma o brother Daminhão, antes de concluir com uma esperada atitude libertária. — Dizem que minhas músicas estão na internet. Se estiverem, pode copiar. É tudo de graça.
Daminhão Experiença morreu em 10 de dezembro de 2016, supostamente aos 81 anos (sua idade exata era só mais um entre tantos mistérios que o cercavam).
(Fonte: http://oglobo.globo.com/rio – RIO DE JANEIRO/ POR ANDRÉ MIRANDA – 19/11/2015)
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(Fonte: http://oglobo.globo.com/cultura/musica – CULTURA – MÚSICA/ POR O GLOBO – 13/12/2016)
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