Heinz Jost, sargento do Exército alemão, serviu na capital polonesa durante à ocupação alemã na Segunda Guerra Mundial

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Um dia no gueto

Heinz Jost

Jost retratou os judeus aprisionados em Varsóvia (Foto: Um dia no gueto – PapodeHomem/ Divulgação)

Heinz Jost, sargento do Exército alemão, serviu na capital polonesa durante à ocupação alemã na Segunda Guerra Mundial. Jost aproveitou um dia de folga para retratar os judeus aprisionados em Varsóvia. Jost foi responsável pela unidade de espionagem no Reichssicherheitshauptamt.

Jost era dono de um hotelzinho no interior da Alemanha convocado a servir ao regime nazista. Aproveitou um dia de folga para retratar os judeus aprisionados em Varsóvia.

O dia 19 de setembro de 1941 amanheceu claro em Varsóvia então ocupada pelas tropas nazistas. Era o aniversário do sargento alemão, que servia na capital polonesa e estava de folga até a noite. Naquela manhã de verão, a luminosidade era perfeita para que Jost se dedicasse à fotografia, sua ocupação preferida nas horas vagas. Jost apontou suas lentes para o palco de uma das maiores atrocidades da história: o gueto judeu da cidade, uma área com pouco mais 4 quilômetros quadrados onde cerca de 500 000 pessoas viviam confinadas.

Infestado por piolhos e pelo tifo, o lugar havia sido declarado zona de epidemia e estava proibido aos não judeus. Mesmo para Jost, um oficial germânico, a entrada no gueto era vedada e qualquer tentativa de invasão poderia ser punida com a morte. O risco não o intimidou. Intrigado pelos cadáveres empilhados diariamente atrás dos muros do gueto, o sargento foi apurar o que se passava lá dentro. Seguindo em frente, atravessou a porteira principal, permanentemente vigiada.

“Ninguém me parou e eu prossegui”, diria mais tarde o fotógrafo à revista alemã Stern. As imagens que documentou lhe embrulharam o estômago: “fiz 129 fotos e não aguentei mais. Tinha convidado alguns amigos para jantar. Perdi o apetite.” 

Doloroso, aterrador, desconcertante, o trabalho de Jost registra a luta e a convivência desigual entre a vida e a morte naqueles tempos sombrios na Polônia. Situações corriqueiras, como donas de casa bem vestidas levando os bebês em carrinhos para um banho de sol, se misturam à tragédia de mendigos doentes definhando e chorando pelas calçadas. Da morte, há dezenas de flagrantes com pilhas de cadáveres nus e esquálidos, vítimas da peste e da fome.

Frequentes em qualquer reportagem sobre nazismo, tais cenas horrorizam quem as vê raramente. Mas na época em que foram produzidas, os relatos do terror acabaram provocando um entorpecimento na opinião pública alemã. Tal fenômeno foi descrito pela pensadora Hannah Arendt como a “banalização do mal”. Jost percebeu o fenômeno detectado por Arendt andando pelas ruas do gueto. “Ninguém parecia dar atenção aos mortos. Durante o dia esses cadáveres, às centenas, eram recolhidos em carretas”, contou.

 

Nessa fotografia, a dignidade humana insiste em transparecer até nas condições de vida mais miseráveis.

 

A porção mais preciosa do trabalho de Jost não se refere à morte no gueto, mas trata do cotidiano das pessoas no lugar. Umas de suas belas fotos mostra um rapaz vestido com terno e chapéu que passa o tempo tocando violino na calçada. O violinista é um sujeito triste e abalado pela fome, mas ainda mantém a altivez necessária para encarar o fotógrafo de frente. “A visão da dor desse violinista é uma das imagens mais trágicas que nos chegaram do nazismo”, afirmam especialistas em imagens produzidas sobre judeus ao longo da II Guerra Mundial.

 

Um violinista toca na calçada: dor e roupas dignas

 

ESTRELA DE DAVI – Outro grande momento captado por Jost mostra uma velha vendedora de braçadeiras, com vários de seus produtos pregados no vestido. Brancas, feitas de papel ou tecido, com uma estrela de Davi bordada em amarelo, as braçadeiras eram um item exigido pelos nazistas no vestuário dos judeus. De olho fechados, a velha das braçadeiras é um fantasma vagando pelas ruas do gueto.

 

estrela de Davi

Velha vendedora de braçadeiras: estrela de Davi de vários tipos

 

Não há nos registros de Jost a dramaticidade ou a agilidade presente nas fotos que o americano Eugene Smith (1918-1978), um mestre da fotografia de guerra, fez durante o conflito enquanto cobria os bombardeios às ilhas vulcânicas do Pacífico. Por outro lado, em seus melhores momentos, o ensaio de Jost se aproximou das imagens que o brasileiro Sebastião Salgado realizou sobre a população etíope durante a guerra civil naquele país nos anos 70. Nos flagrantes de Jost, assim com nos de Salgado, a dignidade humana insiste em transparecer até nas condições de vida mais aviltantes.

Depois daquele verão polonês de 1941, a vida no gueto de Varsóvia perderia cada vez mais terreno para a morte. Em meados de 1942, começariam as deportações de judeus para o campo de extermínio de Treblinka, nos arredores de Varsóvia, onde 300 000 pessoas antes vindas do gueto iriam para a câmara de gás. A princípio os judeus seguiram pacificamente, mas a resistência eclodiria em 19 de abril de 1943. Precariamente armados, os judeus conseguiram matar pelo menos doze soldados nazistas destacados para arrasar e incendiar o gueto. Foram esmagados, mas para o bem das gerações futuras descobriu-se, mais tarde, que cidadãos como Heinz Jost tinham tido a coragem de registrar o que acontecia com eles.

Todas as fotografias do gueto de Varsóvia feitas por Jost, permaneceu 46 anos inédito em todo o mundo.

Ao final da guerra, ele preferiu manter-se calado sobre o assunto, guardando os negativos em casa. Apenas no final dos anos 70, pouco antes de morrer, resolveu doá-los à revista alemã Stern. A revista, por sua vez, encarregou-se de copiar e publicar parte do material em 1988, cedendo a seguir os negativos para o Instituto de Preservação da Memória dos Mártires e Heróis do Holocausto, de Israel.

(Fonte: Veja, 10 de junho, 1992 – ANO 25 – Nº 24 – Edição 1238 – FOTOGRAFIA/ Por Angela Pimenta – Pág: 94/95)

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