Licio Gelli, o temido líder da Loja Maçônica P2
A vida dele dava vários livros, assim se soubesse metade dos segredos que guardou. Era uma das figuras mais perturbantes da Itália contemporânea.
Licio Gelli (Pistoia, 21 de abril de 1919 – Arezzo, 15 de dezembro de 2015), o poderoso líder da loja maçônica P2, uma das figuras mais controversas da história recente da Itália, líder da loja maçônica Propaganda 2 (P2), “Mestre Venerável” que teve vínculos com a ditadura militar argentina
É um dos personagens mais controversos da Itália contemporânea, com o seu nome a aparecer em quase todos os escândalos que abalaram o país ao longo dos últimos 30 anos.
Foi em 1981 que os italianos descobriram este pequeno homem, de cabelos grisalhos e óculos de aro fino, depois da apreensão, na sua cidade toscana, de uma lista com 962 nomes. A existência da loja maçônica P2 (Propaganda Due), influente rede de políticos, magistrados, banqueiros e militares, de que Gelli era o grão-mestre, foi revelada com estrondo pelas autoridades, para grande estupefacção dos italianos.
No culminar de uma investigação que durou 13 anos, a loja P2 – interdita em 1981 – e o nome de Gelli vão aparecer mais ou menos em todos os escândalos dos últimos 30 anos: o crash do Banco Ambrosiano, cujo presidente, Roberto Calvi, membro da P2, foi encontrado enforcado numa ponte de Londres em 1982; o caso Tangentopoli (um esquema de subornos): a existência de uma estrutura paramilitar secreta anti-comunista, a Gladio. Isto, só para dar alguns exemplos.
Os membros da loja P2, incluindo o antigo chefe de governo Silvio Berlusconi, acabarão por ser ilibados em 1994 das acusações de conspiração política e de tentativa de desestabilização do Estado.
Em fuga
Em 1981, Gelli inicia uma fuga às autoridades que acaba em 1982, quando é preso em Genebra, para depois ser retomada um ano mais tarde quando consegue fugir da prisão suíça de Champ Dollon. Anda a monte até setembro de 1987, altura em que se entrega aos serviços prisionais na Suíça, que aceita extraditá-lo unicamente por motivos de delitos financeiros.
Em 1992, é condenado em Itália a 18 anos e seis meses de prisão por bancarrota fraudulenta no caso do Banco Ambrosiano. A sua pena é reduzida depois de apelar da sentença. Dois anos mais tarde, é inocentado das acusações de tentativa de desestabilização do Estado, mas é condenado a 17 anos de prisão por calúnia, delitos financeiros e detenção de documentos secretos. E em Abril de 1998, quando o Supremo Tribunal confirma a pena de 12 anos de prisão no “caso do Banco Ambrosiano”, Gelli, que beneficiava de um regime de prisão domiciliária na sua casa em Arezzo, na Toscana, volta a fugir às autoridades antes de voltar a ser preso em Cannes, França, quatro meses mais tarde.
Desde então viveu em prisão domiciliária na sua villa toscana, onde a polícia italiana encontrou em 1982, durante umas buscas, 179 lingotes de ouro com um peso total de 168 quilos, cuja origem nunca foi estabelecida com certeza.
Ao lado de uns e dos outros
Nascido no dia 21 de abril de 1919 em Pistoia, na Toscana, Licio Gelli deu os seus primeiros passos políticos ao lado dos fascistas. Voluntário em Espanha para combater ao lado dos franquistas, foi depois recebido por Mussolini no seu regresso a Itália.
Mas, na véspera da Libertação, Gelli, já um mestre na arte de se proteger, ajuda os resistentes italianos na Toscânia, atraindo assim a benevolência dos responsáveis locais comunistas.
Depois da guerra irá regressar aos seus primeiros amores, aderindo ao Movimento Social Italiano (MSI, neo-fascista). Quando vive exilado na Argentina, relaciona-se com o general Juan Domingos Peron, que se torna Presidente em 1946. Nada que o impeça depois de manter boas relações nos anos 1970 com os militares golpistas que derrubam em 1976 a terceira mulher de Peron, Isabel Martinez de Peron, que se tinha tornado Presidente depois da morte do marido.
Segundo a imprensa italiana, Gelli terá também trabalhado para os serviços secretos norte-americanos (CIA), nos anos que se seguiram à Segunda Guerra, mas nunca foi possível confirmar esta informação.
Iniciado na maçonaria nos anos 1960, entra para a loja P2 em 1970, que vai pouco a pouco infiltrar-se em todas as engrenagens do Estado e da sociedade, e sobre a qual nunca foi feita inteiramente luz.
Suspeito igualmente de envolvimento em casos de terrorismo e da extrema-direita, Gelli foi acusado de ter financiado certos atentados nos anos 70. Mas devido à falta de provas, nunca foi condenado. A justiça italiana abriu dezenas de investigações e processos contra ele, incluindo um em que era acusado de associação com a mafia, mas o “venerável”, absolvido inúmeras vezes, levou finalmente para o túmulo a maioria dos seus segredos.
Licio Gelli morreu em 15 de dezembro de 2015 aos 96 anos em Arezzo (centro da Itália).
(Fonte: https://www.publico.pt/2015/12/16/mundo/noticia – MUNDO – AFP – 16 de Dezembro de 2015)