Jorge Luis Borges (1899-1986), escritor e poeta. Brilhante, irônico, irreverente e reacionário.

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Jorge Luis Borges (1899-1986), escritor e poeta nascido em Buenos Aires, em 1899, Georgie – como o chamavam seus pais – escreveu seu primeiro conto aos 8 anos de idade: “Eu tratava de imitar os clássicos espanhóis, como Cervantes”, revelou. Aos 9 anos ele traduziu do inglês – na verdade o seu primeiro idioma – O Príncipe Feliz, de Oscar Wilde. Homem tímido, esquivo, Borges trabalhou como auxiliar numa biblioteca municipal, chegou a diretor da Biblioteca Nacional e professor de Literatura Inglesa na Universidade de Buenos Aires.

JAPONÊS E ISLANDÊS – Brilhante, irônico, irreverente, reacionário, contraditório – foram os adjetivos que acompanharam seu nome nos últimos anos. Anti-peronista, ele costumava repetir aos quatro ventos que Evita Perón – um símbolo tão intocável como Carlos Gardel – não passava de uma prostituta. Quando veio o golpe militar de 1976, ele saudou-o como “um mal necessário”. Antes já havia classificado o ditador chileno, general Augusto Pinochet, de “cavalheiro”. A direita, então, o aplaudiu com fervor. Mas chegaria a sua vez. Depois que um grupo das madres de La Plaza de Mayo o visitou e contou-lhe os horrores da ditadura – o desaparecimento de milhares de argentinos -, Borges passou a criticar e, mesmo, ridicularizar o governo militar.

Na verdade, ele foi sempre implacável com os argentinos em geral. Duas de suas frases típicas: “O argentino, individualmente, não é inferior a ninguém, mas, coletivamente, é como se não existisse”, disse em 1983. Pouco antes já havia dito: “O esnobismo é a mais sincera das paixões argentinas”. Ex-comunista, ex-anarquista, ex-conservador, ele se dizia ultimamente um “pacifista-anarquista-individualista” e acreditava não ter mais inimigos: “Com 86 anos eu já sou um pouco aceito. Talvez já seja algo irreparável”.

A cegueira – que se abatera sobre ele há trinta anos – jamais foi um empecilho para o seu trabalho. Ultimamente, ao mesmo tempo em que escrevia – ditando a Maria Kodama, sua fiel secretária de duas décadas que se tornara sua esposa em abril passado – o roteiro de um filme sobre Veneza, estudava com ela japonês e islandês. Dono de uma memória fantástica, ele criava seus poemas e contos memorizando-os até sentir chegar o momento de ditá-los. Sua receita para um bom poema era simples – e poética: “Um verso deve comunicar-nos algo certo e tocar-nos fisicamente, como a proximidade do mar”.

O autor de obras como O Aleph e O Livro de Areia – o seu preferido – foi sepultado dia 18 de junho de 1986 em Genebra, depois de um ato ecumênico celebrado por um pastor protestante e um sacerdote católico. Sua mulher, Maria Kodama, disse que dali ele só sairá se ela decidir voltar a viver em Buenos Aires ou, então, se resolver morar em Tóquio. Solitária, ela dizia-se contente por ter conseguido, nas últimas semanas, fazer o grande poeta contradizer um dos versos mais amargos que escrevera anos atrás, dizendo: “Cometi o pior pecado que o homem pode cometer: não fui feliz”.

“Quando era jovem, eu alimentava a ilusão de, um dia, chegar a ser imortal. Agora começo a convencer-me disso. Estou achando que não vou morrer nunca mais, e essa ideia me assusta”, disse o escritor argentino Jorge Luis Borges, em Buenos Aires, pouco depois de completar 86 anos de idade, em agosto de 1985. Semanas mais tarde, ao consultar seu médico, soube que a morte era inevitável. O câncer ocupara seu fígado e sobrava-lhe pouco tempo. Em novembro de 1985 Borges disse aos amigos que partia para uma longa viagem à Europa – embora soubesse que esta seria a última. Foi por isso que escolheu a Suíça, onde passara a adolescência: “De todas as cidades do planeta, Genebra me parece a mais propícia à felicidade”, disse. Foi ali que, tendo ao lado Maria Kodama, a fiel secretária de duas décadas que se tornara sua esposa em abril, dia 14 de junho, a sua história chegou ao fim.

A notícia comoveu o mundo, reafirmando tanto a sua fama quanto a sua popularidade. Emocionado, o presidente da Argentina, Raúl Alfonsín, declarou em Buenos Aires: “Nossa maior homenagem a Borges talvez seja exercer a sentença que ele cunhou em fins de 1983 – quando a democracia voltou ao país – ao recordar-nos a todos os argentinos que tínhamos não apenas o direito à esperança, mas – mais importante – o dever da esperança”.

Pela televisão, no sábado, dia 17, os argentinos viram um favelado da Grande Buenos Aires opinar sobre o eterno candidato ao Prêmio Nobel de Literatura: “Borges foi o Maradona da poesia argentina”. O poeta enfim, acabou se transformando no que mais detestava: um monumento nacional.

Quando soube que carregava um câncer no fígado, Jorge Luis Borges tomou outras duas decisões –além de escolher Genebra para morrer. Primeiro, chamou seu advogado e procurador, Osvaldo Vidaurre, e, diante de um escrivão e duas testemunhas, ditou seu testamento. Nele, Maria Kodama – a secretária que o acompanhava há vinte anos – surgia como “herdeira única e universal” de todos os seus bens. Depois, o velho poeta faria uma nova surpresa: pediu em casamento sua ex-aluna e companheira de todas as viagens. Maria sabia que Borges escrevia seus atos finais.

A primeira mulher do escritor, Elsa Astete – com quem viveu entre 1967 e 1970 – ao separa-se dela, Borges lhe deixou todos os seus bens. O poeta conservou para si apenas a Enciclopédia Britânica. O poeta Borges foi presenteado com 84 libras esterlinas de ouro – uma por cada ano de vida, em 1983 pelo editor italiano Franco Maria Ricci. Publicou suas obras em 24 idiomas. Borges morreu dia 14 de junho de 1986, aos 86 anos, de câncer, em Genebra.

(Fonte: Veja, 25 de junho, 1986 – Edição 929 – Datas – Pág; 99 – Memória – Pág; 96/97)

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