Pela primeira vez um eletrodoméstico destacava-se dos concorrentes em função da estética

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Raymond Loewy, o mestre do desenho industrial. O mais renomado desenhista industrial americano. Considerado o inventor da profissão de desenhista industrial, Loewy nascido na França e naturalizado americano. Depois de ter servido no Exército francês na I Guerra Mundial, resolveu fazer a América e desembarcou em Nova York, em 1919, vestindo seu uniforme de capitão – o traje mais apresentável que possuía – e com 50 dólares no bolso. Sua vida extraordinária cobre um arco que vai das experiências de Santos Dumont, nos primórdios da aviação, ao supersônico Concorde. Em Santos Dumont, a quem viu em Paris, ele se inspirou para forjar sua primeira criação, um aviãozinho de brinquedo impulsionado por um elástico. Loewy tinha apenas 15 anos, e o sucesso de vendas da engenhoca foi tão grande que lhe permitiu custear os estudos até a formação como engenheiro. Já multimilionário e célebre, na década de 70, ele foi convocado para conceber vários detalhes do interior do Concorde. É dele, por exemplo, o design dos talheres de bordo, mais tarde adotados pela companhia Air France para outros de seus aviões.

CRIAÇÃO ECUMÊNICA – Há inúmeras outras concepções de Loewy espalhadas pelo mundo, mas principalmente nos Estados Unidos, para cujos ares futuristas ele contribuiu decisivamente, em sintonia com uma indústria que não conhecia limites para seus horizontes. Encomendado a ele pela cadeia de lojas Sears, o desenho da geladeira Coldspot, lançada em 1934, representou um marco na história da indústria. Pela primeira vez um eletrodoméstico destacava-se dos concorrentes em função da estética. “Entre dois produtos de igual qualidade, venderá mais o que for mais bonito”, era uma das lições de Loewy. Hoje ela parece banal. Mas no começo, quando ele abriu seu escritório de desenho industrial, em 1929, tratava-se de um conceito em geral visto como fútil e sem muito sentido prático pelos industriais. Sucessos como o da Coldspot – ou do desenho que ele concebeu para os maços do cigarro Lucky Strike – impuseram o ponto de vista de Loewy de tal forma que ele se orgulhava de não precisar sair em busca de clientes. Os clientes é que o procuravam.

Ecumênico, Loewy serviu tanto à Shell – para quem melhorou o símbolo da concha e desenhou os uniformes dos empregados dos postos, no começo da década de 70 – quanto à Standard Oil, que na mesma época o encarregou de encontrar um nome que substituísse a marca Esso. Loewy inventou a marca Exxon e o símbolo que a acompanha, com os dois x bem destacados. Outra proeza sua foi ter desenhado o interior da nave Skylab. Sua preocupação principal foi com o bem-estar dos astronautas, providenciando cadeiras confortáveis e, até, que fizessem as refeições sentados uns de frente para os outros.

“Ele tem um olho na estética e outro na caixa registradora”, dizia-se frequentemente de Loewy. Era uma verdade que ele próprio confirmava. “A coisa mais bonita que conheço é a curva ascendente num gráfico de vendas”, disse, certa vez. Na realidade, Loewy não criou sozinho o design, algo que na Europa, por exemplo, principalmente por meio da escola alemã da Bauhaus, teve uma evolução diferente – mais utópica, menos utilitária e frequentemente atacada de má consciência em sua associação com a indústria. Loewy não teve má consciência alguma em relação a vender e fazer dinheiro – sem dúvida, o motivo básico pelo qual sua obra se confundiu tanto com o cotidiano da vida do século XX.

Entre a atual garrafa da Coca-Cola e o interior da estação orbital americana Skylab, passando pela concha da Shell e as formas revolucionárias do automóvel Studebaker de 1953, o que há de comum é que todos são símbolos do século XX – tanto quanto um quadro de Picasso, a televisão ou a divisão do mundo entre comunismo e capitalismo. Há outra coisa em comum. Tanto a concha da Shell, o Studebaker, a Skylab quanto centenas de outros objetos e marcas da vida contemporânea – as geladeiras Frigidaire, por exemplo, ou os logotipos do Correio americano, da Armour e da Formica, com a ponta do “F” cobrindo o resto da palavra – saíram da mesma mente: a de Raymond Loewy, o inventor da profissão de desenhista industrial. Ao morrer, dia 14 de julho de 1986, em Mônaco, na respeitável idade de 92 anos, Loewy deixou atrás de si uma obra que se confunde com a paisagem do século. “A feiúra não vende”, dizia Loewy. Até hoje, essa é a frase mais citada de um aventureiro.

(Fonte: Veja, 23 de julho, 1986 – Edição 933 – Datas – Pág; 99 – CULTURA/Marca do século – Pág; 93)

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