Goldmann: “O pecado original do sionismo é ignorar a questão árabe”
Nahum Goldmann (Višneva, Bielorrússia, 10 de julho de 1895 – Bad Reichenhall, Alemanha, 29 de agosto de 1982), foi um dos fundadores do Congresso Judaico Mundial e seu presidente de 1951 a 1978, ingressou na história do movimento sionista e de Israel como um de seus filhos mais desconcertantes. Ele ajudou a forjar o Estado de Israel em 1948, junto com outros portentos do sionismo no século XX, como Chaim Weizmann e David Ben-Gurion. Mas ao contrário desses, que foram viver até a morte em solo israelense, Goldmann permaneceu toda sua vida na Diáspora – a comunidade de judeus que vivem fora de Israel. Um espírito que sempre buscou desafios, Goldmann foi provavelmente o primeiro sionista de renome a optar por viver na Alemanha logo após a derrota do regime que acabara de dizimar 6 milhões de judeus. Nasceu no dia 10 de julho de 1895.
Apaixonado pela causa sionista desde sua primeira visita à Palestina, em 1913, Goldmann terminou seus dias amargurado com os rumos tomados por Israel, particularmente sob o governo do atual primeiro-ministro Menahem Begin, de quem se tornou um ácido crítico. Goldmann na verdade, não se encaixa facilmente no figurino tradicional do sionista. Ele foi o único colosso histórico do sionismo a propor na década passada, com todas as letras, o reconhecimento oficial da Organização para a Libertação da Palestina, a criação de um Estado palestino na Cisjordânia ocupada e a neutralização de Israel, cuja segurança passaria a ser garantida pelos Estados Unidos e pela União Soviética.
ANIMOSIDADE – Se apenas isso já bastava para azedar as relações do líder sionista com o governo de Begin, a invasão do Líbano acabou por erguer um muro intransponível entre ambos. “Pela primeira vez em sua história, Israel conduz uma guerra em que é claramente o agressor”, disse Goldmann em setembro de 1982 – quando, apesar de sofrer os primeiros sintomas da infecção estomacal que o mataria, ainda encontrava energias para integrar-se a uma campanha internacional contra a guerra.
Goldmann não escondia sua animosidade contra Begin, a quem acusava de “fascista”, ou o ministro da Defesa, Ariel Sharon – “um selvagem que aterroriza tanto o Líbano quanto o ministério de Begin”. Ferido por estas críticas violentas, o governo israelense retrucou na mesma moeda. Após o anúncio da morte do líder sionista detectou-se nos meios oficiais de Jerusalém um esforço, afinal malsucedido para impedir que os seus restos mortais fossem sepultados no panteão dos heróis israelenses, no Monte Herzl, em Jerusalém.
NOVE PASSAPORTES – Goldmann, que era doutor em Direito e Filosofia pela Universidade de Heidelberg, participou nos anos 40, com Weizmann e Ben-Gurion, da elaboração do célebre “Programa Biltmore” – assim chamado porque os dirigentes sionistas se reuniam no Hotel Biltmore, em Nova York -, que as bases políticas do futuro Estado de Israel. Ele também arranjou e participou dos encontros secretos entre o então primeiro-ministro Ben-Gurion e o chanceler alemão ocidental Konrad Adenauer, que desembocaram, em 1952, na mais vultuosa reparação de guerra paga até hoje por um país a um povo. O acordo, pelo qual o governo alemão há anos vem indenizando judeus que sobreviveram aos campos de concentração nazistas, prevê um pagamento total de 36,3 bilhões de dólares, dos quais a Alemanha já desembolsou cerca de 24 bilhões.
Goldmann gostava de se considerar talhado para missões diplomáticas, embora suas gestões provocassem tanta ou mais discórdia do que harmonia. Nascido na cidade polonesa de Wisznewo, mas educado na Alemanha – “penso, escrevo e amo em alemão”, dizia – ele se julgava um “cidadão do mundo”. Em suas andanças (em 1968 veio ao Brasil), sempre auxiliado por sua fluência em seis idiomas, Goldmann chegou a ter nove passaportes.
Nada disso o afastou, porém, de sua paixão – quase uma obsessão – pelo destino do povo judeu. Goldmann se convencera, desde 1970, de que o pecado original do sionismo estava em ignorar a questão árabe, e por isso passou os últimos anos de vida na tentativa de jogar uma ponte para o “outro lado”, mesmo sabendo que levantaria, contra si, a ira das entidades sionistas mais tradicionais. Em 1956 ele tentou se encontrar com o presidente do Egito, Gamal Abdel Nasser, em 1974 com o dirigente da OLP, Yasser Arafat, que qualifica de “moderado”. Falhou nas duas vezes, mas queria continuar tentando. Nos seus últimos dias, ao fazer planos de uma viagem com sua esposa, Alice, pelo Oriente Médio, confidenciou: “Talvez ainda visite Arafat”. Quando morreu, sua condição oficial era a de um cidadão suíço. Ao morrer no domingo, dia 29 de agosto de 1982, de infecção estomacal num hospital de Bad Reichenhall, na Alemanha Ocidental, aos 87 anos de idade, Goldmann realmente ingressou na história de Israel, como o único sobrevivente dos articuladores da fundação do Estado de Israel.
(Fonte: Veja, 8 de setembro, 1982 – Edição 731 – Datas – Pág; 107 – SIONISMO – Pág; 35)