Mestre André (1932-1980), ou José Pereira da Silva, a quem se atribui a invenção da paradinha.

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Mestre André (1932-1980), ou José Pereira da Silva, a quem se atribui a invenção da paradinha. Em 1959, com o carnaval “Os Três Vultos que Ficaram na História”, José Pereira da Silva, mais conhecido como Mestre André, por um erro, criou a famosa paradinha e não decepcionou: quando se fala em bateria, tem que se falar do Mestre André. Naquele dia, ele escorregou e a bateria parou. Levantou, deu um rodopio e apontou para o repique. O repique entrou no tempo certo e então foi inventada a paradinha. José Pereira da Silva o “nota 10″ da bateria da Mocidade Independente de Padre Miguel, a escola que ajudou a fundar e levou ao primeiro grupo por mais de dez anos graças ao vigor de sua bateria. Ele foi o mestre dos malabarismos, das mudanças de andamento – um virtuose dos instrumentos de percussão como poucas vezes se viu no Brasil.

Inventor da paradinha que dividia a bateria, Mestre André abriu espaço para o som sincopado e singelo do surdo de ripinique, um surdo menos escandaloso que o surdão, usado pelas outras escolas. Sempre de sapatos engraxados, camiseta branca e um discreto, diminuto chapeuzinho de palha, Mestre André gostava de exibir sua liderança na avenida: era só torcer o corpo que a bateria sabia que instrumento tocar, era só dar um toque no chapéu para o andamento todo mudar.

“Ele era sofisticado no bom sentido”, lembra Teresa Aragão, que o dirigiu em 1971, no espetáculo “A Fina Flor do Samba”. “Mestre André era seriíssimo, não gostava de brincadeira. Mesmo moço, era um sambista da antiga, exímio dançarino de partido alto e miudinho. Sua bateria era uma verdadeira orquestra e vai deixar saudade.”

DESLUMBRE NA AVENIDA – A fama do motorista aposentado da Rede ferroviária Federal, que gostava de colocar ele mesmo o couro nos instrumentos, para testar o som que queria, começou no carnaval de 1956. Já naquela época, as outras escolas tinham baterias grandes, com mais de 100 componentes: Mestre André – era assim que se chamava seus músicos, daí o apelido – desfilou com apenas 27 e deslumbrou a avenida. Daí pra frente tornou-se uma atração à parte no carnaval do Rio de Janeiro, com lugar garantido entre aquela meia dúzia de figuras ansiosamente esperadas a cada ano na avenida. Mestre André só deixou de tirar nota 10 em 1975, e o público presente à apuração dos resultados foi unânime em vaias o 9 dado pelo júri.

Além do show de virtuosismo que sabia tirar de cada grupo de instrumentos, Mestre André era um inventor. Foi ele quem introduziu na bateria o chocalho “bate nela” (com tampinhas), os sinos de Natal e o “casco de tatu” (o reco-reco), instrumentos presentes em todas as escolas. Dono de um ouvido privilegiado, a exemplo de João Gilberto, ele era capaz de distinguir um instrumento desafinado entre 300, mesmo que fosse o quase inaudível reco-reco, o que tem o som mais baixo.

No Carnaval de 1976, Mestre André realizou uma de suas proezas mais admiráveis – o enredo “Meninha do Gantois”. Ele fez todos os ritmistas pararem de tocar antes do refrão e só a voz de Elza Soares, que puxava o samba, foi ouvida na avenida: logo em seguida sem atravessar, a bateria entrou novamente a todo vapor, enlouquecendo a arquibancada. Tanto engenho e arte levaram Mestre André longe das fronteiras do humilde subúrbio de Padre Miguel. Graças a ele a Rede Globo começou a investir na escola. Nos últimos anos, Mestre André correu o mundo, esteve na Europa, na China, no Japão. Sua bateria tocou para o Balé de Stuttgart e encerrou o festival de jazz do Rio de Janeiro, no Maracanãzinho.

Mas sem dúvida os que mais entenderam Mestre André estavam no Cemitério do Morumbi, em Realengo, tomando cerveja, anotando o número de sua sepultura – 5476 – para jogar no bicho e deixando o cemitério de costas “para não dar azar”. A multidão despediu-se de Mestre André, incomparável maestro da orquestra popular que é a bateria, sem decepcionar: não houve ninguém que desafinasse e “Salve Mocidade”, o hino da escola, seguiu animado sem atravessar. Foi um enterro concorrido o de Mestre André. Despediram-se dele, no dia 4 de novembro de 1980, aos 48 anos, 6 000 pessoas, e os 250 membros da bateria, na qual mostraram a “paradinha famosa”, deixando o surdo de ripinique tocar, como ele gostava. Mansamente, como viveu, “obedecido no respeito”, Mestre André morreu no Rio de Janeiro de parada cardíaca.

(Fonte: Veja, 12 de novembro, 1980 – Edição n.º 636 – Datas – Pág; 147 – Memória/ Por Lúcia Rito – Pág; 125)

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