Fervor Burguês
Faria: pensador católico e conservador
Octávio de Faria (Rio de Janeiro, RJ, 15 de outubro de 1908 – Rio de Janeiro, RJ, 17 de outubro de 1980), escritor, crítico, ensaísta, romancista e tradutor, nasceu no Rio de Janeiro, RJ, em 15 de outubro de 1908. Fervoroso católico e torcedor do Fluminense, filho de uma aristocrática família carioca e autor do mais ambicioso romance em extensão da literatura brasileira – “A Tragédia Burguesa”, treze volumes. Filho e cunhado de acadêmicos – seu pai, Alberto de Faria, foi o biógrafo do visconde de Mauá e seus cunhados Afrânio Peixoto e Alceu Amoroso Lima, influências marcantes em seu pensamento -, Octávio de Faria teve a eleição mais rápida na história da Academia Brasileira de Letras, como candidato único em 1972. Eleito em 13 de janeiro de 1972 para a Cadeira n. 27, na sucessão de Levi Carneiro, foi recebido em 6 de junho de 1972, pelo acadêmico Adonias Filho.
Conservador excêntrico nos menores detalhes, ele foi um dos ferozes críticos do cinema falado na década de 30, defendendo a pureza artística do cinema mudo nas páginas de O Fon, jornal ligado ao cineclube Chaplin Club – homenagem a Carlitos, outro adversário do cinema falado – que ele havia ajudado a fundar em 1928. Católico ortodoxo, mais próximo da rigidez de um Pio XII que do evangelismo de João XXIII, e intelectual de direita confesso, mas avesso à prática partidária, sua obra ensaística dos primeiros anos tem as tintas do nacionalismo ardoroso e do realismo político.
INVENTÁRIO DE UMA CLÁSSE De toda sua obra, porém, foi com a “Tragédia Burguesa”, que ele se tornou muito comentado e premiado, embora pouco lido. Concebida inicialmente para abrir com títulos tão solenes como “Estudos sobre o Homem” ou “Miséria Moral Maior que a Física”, a definitiva “A Tragédia Burguesa” teve seu primeiro volume publicado em 1937, quando Octávio de Faria contava apenas 29 anos. Dos planos iniciais para uma saga em vinte volumes – depois reduzidos a quinze – ele se contentou com treze e demorou quase meio século para chegar ao último, “O Pássaro Oculto”. Neles, Octávio de Faria faz o lento inventário do declínio de uma classe, a burguesia carioca dos anos 30 e 40, pelos conflitos e pelas turbulências íntimas de seus representantes. Se”A Tragédia Burguesa” está longe de ser os “Buddenbrook” da burguesia fluminense – e Octávio de Faria sempre foi mais um leitor de Dostoiévski que de Thomas Mann -, ela não deixa de ser o mais ambicioso roman-fleuve nativo. Nele, os personagens nascidos adolescentes em um colégio católico vão-se desdobrando e bifurcando volume após volume, construindo um imenso painel do dilema religioso, um dicionário dos mistérios e dogmas do catolicismo, com suas culpas, pecados, absolvições e esperanças.
Octávio de Faria sabia que na Tragédia Burguesa” falava de uma geração já desaparecida e dizia que já podia considerar sua obra um romance histórico. O que prova que nem todo conservadorismo está incólume à irreverência, mesmo quando ela vem de um autor ensimesmado e sóbrio. Afinal, uma de suas maiores admirações, entre Visconti e De Sicca, era o incendiário apocalíptico e pouco católico Glauber Rocha.
Octávio de Faria morreu em 17 de outubro de 1980, aos 72 anos, de hemorragia cerebral, com a mesma discreta gravidade que está impregnada em sua obra. Participava de um almoço na União Brasileira de Escritores quando se sentiu mal, deixou a sala de refeições pela ante-sala, sentou-se e inclinou silenciosamente a cabeça para ser encontrado pelo escritor Fagundes de Menezes já agonizante.
(Fonte: Veja, 22 de outubro, 1980 – Edição n.º 633 – Datas – Pág; 138 Literatura/ Fervor Burguês – Pág; 108)