Pela primeira vez um regime comunista permite greves políticas, negocia, cede, promete mudar sua linha de atuação e algumas de suas leis
Com a queda de Edward Gierek, cala-se a euforia dos grevistas vitoriosos
Edward Gierek (1913-2001), primeiro-secretário do Partido Operário Polonês e líder do governo da Polônia. Governou a Polônia de 1970 a 1980. Considerado um líder comunista liberal, teve contribuição marcante na abertura política e econômica. Finalmente, a crise polonesa colidiu com o poder. Numa rápida sucessão de acontecimentos, no dia 5 de setembro de 1980, o Parlamento reabriu para discutir mudanças vitais na legislação; pouco depois, os debates se encerravam com notícia de que Edward Gierek, o líder o país, fora internado com problemas cardíacos. Em seguida, anunciou-se uma reunião extraordinária do Comitê Central do Partido. E por fim, às 1h30 da manhã do sábado, dia 6 de setembro, terminavam os dez anos de poder de Gierek: o novo primeiro-secretário no Partido Operário Unificado era Stanislaw Kania, 53 anos e, de modos discretos, que à sombra do próprio Gierek construiu uma longa e monótona carreira no Partido.
A queda de Gierek, em si, surpreendeu menos que a escolha do sucessor. A fraqueza política do ex-primeiro-secretário ficou evidente após duas irritadas críticas feitas por Moscou, no início de setembro de 1980, à solução das várias greves que, nos portos do norte e nas minas da Silésia, agitaram o país durante 65 dias. Mas parecia claro, então, que o novo homem forte dentro do Politburo seria Stefan Olszowski, um inimigo pessoal que Gierek teve de readmitir numa reunião do órgão, no final de agosto de 1980. Olszowski havia sido afastado, em fevereiro de 1980, justamente por denunciar graves erros na condução da economia – e em sua volta enfeixou nas mãos, em agosto, a coordenação de uma ampla reforma econômica. Possivelmente, admitia-se em Varsóvia, Kania seria uma “solução de compromisso” entre os divididos membros da cúpula política da Polônia.
Kania é um homem austero, que ocupava, sintomaticamente, as funções de segurança policial e militar do Politburo. Em um de seus raros contatos com operários, em julho de 1980, na cidade de Tczew, ao explicar a 3 000 grevistas que a crise econômica da Polônia “estava escapando ao controle do Partido” e que não era viável fazer muitas concessões. Sua ascensão e outras quatro mudanças no Politburo ocorrem ainda na véspera do início, na Alemanha Oriental, de importantes manobras do Pacto de Varsóvia. Coincidindo com idênticas manobras da OTAN, 40 000 soldados comunistas fazem sem Gierek seu maior treinamento em dez anos.
De fato, as mudanças eram apenas um reflexo inicial da realidade maior, inteiramente nova, em que mergulhou o país nos últimos dias. Os poloneses vivem uma situação inédita, em sua história do comunismo, na qual a incerteza política vem agravar uma crise econômica de difícil solução. Pela primeira vez um regime comunista permitiu greves políticas, negociou, cedeu, prometeu mudar sua linha de atuação e algumas de suas leis – e, embora o líder responsável por tal ousadia tenha caído, os acordos que garantem já estão assinados. Já houve, outros momentos em que o monolitismo comunista defrontou-se com variantes políticas, a Iugoslávia de Tito, em 1948, e a Checoslováquia de Dubcek, em 1968. Mas em ambas era a própria liderança que patrocinava mudanças – ou, no caso checo, tentava fazê-lo. Na Polônia de 1980, a mudança deveu-se à pressão das bases operárias – e mesmo experientes analistas não se atrevem a imaginar como funcionará, na prática, um sistema em que operários atuem livremente, fiscalizem e critiquem o governo, e o Partido mantenha total controle do poder e das decisões.
Gierek, de fato, não podia continuar. E seu herdeiro, Kania chega ao poder representando um dique, um estreitamento nos limites das possíveis mudanças que a míni-revolução sindical polonesa poderia trazer. Afinal, imperava no país uma espécie de “verão polonês”: sob regência do líder sindical Lesh Walesa, já transformado em herói, ovacionado em qualquer canto, e até dotado de um corpo especial de segurança, o país via brotarem, às centenas, comitês autônomos nas fábricas. Sucediam-se reuniões de coordenação entre empresas, para instituir novos sindicatos. Na imprensa, a liberdade também era total. Gierek morreu no dia 29 de julho de 2001, aos 88 anos, de infecção pulmonar, em Cieszyn, na Polônia.
(Fonte: Veja, 10 de setembro, 1980 Edição n.° 627 Datas Pág; 130 INTERNACIONAL – Pág; 42) – (Fonte: Veja, 8 de agosto, 2001 Edição n.° 1712 Datas Pág; 126)