Stefan Wyszynski (1901-1981), o último Príncipe, arcebispo de Varsóvia, primaz da Polônia.

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O último Príncipe

Stefan Wyszynski (1901-1981), arcebispo de Varsóvia, primaz da Polônia. Habilidoso e implacável inimigo do regime polonês. Wyszynski dirigiu a Igreja Católica da Polônia durante 33 anos – a maior parte dos quais como crucial interlocutor e rival da delicada estrutura de poder, interna e externa de seu país. Nascido no dia 3 de agosto de 1901, em Zuzela. Em 1953, por publicar uma carta pastoral contra a condenação do bispo de Kielce, acusado de “espionagem” pelo governo comunista, ele foi preso durante três anos. No cárcere, leu atentamente as obras completas de Marx e Lênin. Pouco antes de sair da prisão, declarou a um amigo: “Daqui por diante, ninguém me venha dizer que creio em Deus e vivo por Ele porque desconheço a dialética…” Wyszynski recuperou a liberdade em 1956 graças a uma manobra de apoio à volta ao poder de Wladislaw Gomulka, que reorganizou a Polônia pós-estalinista.

CONFRONTO COM A CÚRIA – Poucas vezes no século XX a vida e a morte de um cardeal da Igreja Católica terão sido tão cheias de significados. Nascido junto com o século, numa sociedade ainda oitocentista, e com seu país dividido entre as potências europeias da época, Wyszynski testemunhou a repartição da Polônia entre Adolf Hitler e Josef Stalin, a tragédia da II Guerra e a instalação do Partido Comunista no poder em Varsóvia. Ele viu, durante os últimos 35 anos, o regime polonês fracassar em suas tentativas de suprimir a influência da Igreja Católica no país – e transformou sua vida num exemplo de árduo confronto e habilidosa convivência até mesmo com a Cúria Romana. Em 1975, divergiu publicamente de Paulo VI tentando impedir – e com êxito – que o então sostituto da Secretaria de Estado do Vaticano, Agostino Casaroli, marginalizasse o episcopado polonês nas negociações com o governo do país. Casaroli, secretário de Estado do Vaticano, chefiou a delegação que representou João Paulo II nos funerais de Wyszynski.

Com sua figura alta e magra, seu temperamento autoritário, seus traços aristocráticos, sua oratória fluente e clássica, Wyszynski soube representar as verdadeiras tradições da Polônia, sobretudo diante do regime que as tropas de Stalin impuseram ao país ao fim da II Guerra Mundial. Assim, mereceu mais que qualquer um de seus pares o título de “Príncipe da Igreja”, que na Polônia tem um significado histórico No passado – lembram os 33 milhões de católicos poloneses, cerca de 93 % da população -, cabia ao primaz, com a morte do rei, assumir o governo provisoriamente e passá-lo ao novo soberano. Arcebispo de Varsóvia e primaz da Polônia em 1948, Wyszynski já assinava em 1950 um tímido acordo com o governo comunista sobre a prática religiosa no país. Nomeado cardeal em 1953, só em 1957 foi a Roma receber o chapéu cardinalício, pois temia ser despido de sua nacionalidade e condenado ao exílio. O papa Pio XII o fez esperar quatro dias na fila de audiência. Pio XII suportava mal a tática de Wyszynski de obter do governo polonês o que fosse possível obter.

PROTAGONISTA DA CRISE – Mesmo com as restrições ao ensino do catecismo ou as discriminações contra os católicos, Wyszynski sempre demonstrou realismo. Pregou a moderação em 1970, quando, após a primeira revolta dos operários do litoral do Báltico, reprimida de modo sangrento, Gomulka deixou a direção do Partido Operário Unificado Polonês – nome que o PC adotou na Polônia. E, em 1976, com a revolta operária em Radom e Ursus, fez um apelo ao substituto de Gomulka, Edward Gierek, para que fosse finalmente reconhecido o “pluralismo social”.

Wyszynski só se encontrou oficialmente com Gierek em 1977. Mas, depois da ascensão ao trono de São Pedro de João Paulo II, seu antigo liderado no arcebispado de Cracóvia, para cuja eleição teve um papel decisivo, e principalmente depois das greves de agosto de 1980, Wyszynski tornou-se o protagonista da própria crise polonesa. Era tão crescente seu prestígio que, em agosto, ele não hesitou em desafiar os radicais do movimento Solidariedade intimando-os à disciplina em nome do interesse nacional.

Nasceu praticamente nesse dia a divisão na cúpula do Solidariedade. Mas a ala majoritária, liderada por Lech Walesa, um católico disciplinado, seguiu fielmente o ensinamento de Wyszynski. Os sinos das 78 igrejas de Varsóvia tocaram na manhã de quinta-feira, dia 28 de maio de 1981, durante 15 minutos, para anunciar a morte do cardeal, de 79 anos, de câncer, primaz da Polônia, em Varsóvia. A rádio de Varsóvia, controlada pelo governo comunista, interrompeu sua programação normal para noticiar a morte do velho inimigo do regime polonês. Mais: em memória de Wyszynski o governo polonês decretou luto nacional de quatro dias e, em Moscou, com uma rapidez incomum, a agência TASS repetiu o anúncio. Foram homenagens que Wyszynski nunca teve durante 33 anos que dirigiu a Igreja Católica da Polônia. Ao ser informado de sua morte, João Paulo II, que telefonara a Wyszynski, do hospital de Roma onde convalesce do atentado que sofreu no dia 13, pediu emocionado que o deixassem a sós “para orar”. Em 1979, em sua primeira viagem à Polônia como papa, João Paulo II pedira, diante de uma multidão, stolat, ou “100 anos de vida”, para Wyszynski.

(Fonte: Veja, 3 de junho, 1981 – Edição n.° 665 – DATAS – Pág; 99 – Religião – O último Príncipe/ por Marco Antônio de Rezende – Pág; 49/50)

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