Antônio Candeia Filho (Rio de Janeiro, 17 de agosto de 1935 – Rio de Janeiro, 16 de novembro de 1978), compositor, ex-investigador de polícia, começou a ser conhecido do grande público a partir de 1965 quando, no célebre espetáculo “Rosa de Ouro”, Elizeth Cardoso cantou “Minhas Madrugadas”, que ele fizera em parceria com Paulinho da Viola. Depois disso, muitos cantores gravaram Candeia. Entre eles, Clara Nunes (“O Mar Semeou”), Martinho da Vila (“Quem Me Dera”) e Paulinho da Viola, que também foi parceiro de Candeia em sua música mais popular, “Filosofia do Samba” (Mora na Filosofia, morou Maria). Antes disso, porém, Candeia já havia ajudado a Portela a ganhar dois carnavais (1953 e 1957).
Todavia, mais que um compositor de sucesso, Candeia era respeitado no mundo das escolas de samba por sua intransigente posição em favor do negro. Em 1976, foi um dos primeiros a condenar o movimento Black Rio. “Não tememos a incompde muitos, as calúnias de outros e nem as queixas de negros racistas”, dizia ele, “pois isso é tática de intimidação e imobilização. Basta-nos a integridade de nossa consciência democrática e humanística.”
IRREDUTÍVEL – Com certeza, Candeia, carioca nascido em 17 de agosto de 1935, no subúrbio de Osvaldo Cruz, teria preferido receber as últimas homenagens no Grêmio Recreativo de Arte Negra e Samba Quilombo, criado em dezembro de 1975 quando ele deixou a Portela. Mas o Grêmio Recreativo nunca juntou dinheiro para construir uma quadra. Ele funcionou no subúrbio de Coelho Neto numa espécie de comunidade. “Ali era o reduto de uma marginália fortíssima. Ele unificou as favelas, ajudava as crianças, estava sempre lutando para melhorar a situação”, lembra a jornalista Lena Frias, com quem o compositor estava trabalhando no esboço de dois livros. Em março de 1978, aliás, Candeia lançou seu primeiro livro, “Escola de Samba, a Árvore que Perdeu a Raiz”, em parceria com Isnard Araújo, em que concluía “que os descaminhos, as inovações indiscriminadas, os falsos evolucionistas levam, sem dúvida, à deformação e descaracterizaçãode nossas raízes culturais”. Nos últimos tempos, Candeia estava tão irredutível em seus princípios que, inclusive, não ia permitir que o Quilombo desfilasse novamente na avenida. Os 500 componentes do Quilombo vão respitar o desejo de seu primeiro presidente e, no próximo carnaval, apenas percorrerão as ruas de Coelho Neto e outros subúrbios da cidade. Preso a uma cadeira de rodas há onze anos – levou um tiro na espinha por causa de uma briga de trânsito.
Na quinta-feira, dia 16 de novembro, os produtores da gravadora WEA, no Rio de Janeiro, tinham um encontro com o compositor Candeia para acertar os últimos detalhes, antes do lançamento de seu novo LP “Axé” – o segundo naquela gravadora e o sétimo de sua carreira. O encontro acabou não acontecendo: às 11h30 daquele mesmo dia, aos 43 anos, Candeia morria de uma crise renal-hepática Hospital Cardoso Fontes. Nem mesmo a mulher Leonilda e os filhos Jairo e Delmo – esperavam que a morte viesse tão rápida. Há dias Candeia não saía da cama, sofrer uma crise de hepatite e, em sua própria casa em Jacarepaguá, entrar em estado de coma.
A família, talvez respeitando o desalento de Candeia com as escolas de samba, não aceitou o convite da Portela para que o corpo fosse velado na quadra da agremiação. Em vez disso, mais de 400 pessoas do Rio de Janeiro e outros amigos, acompanharam o enterro que saiu da capela Jardim da Saudade. Todos levaram seus surdos e atabaques para cantar “Dia de Graça”, um dos últimos sambas de Candeia (Negro acorda é hora de acordar/Não negue a raça/Faça de sua agonia um samba de todos os dias).
(Fonte: Veja, 22 de novembro, 1978 Edição n.° 533 DATAS – Pág; 135)