José Vianna da Motta, foi uma das personalidades mais notáveis da história da música em Portugal e um dos poucos artistas portugueses cuja carreira alcançou verdadeira projeção internacional

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Vianna da Motta, o mestre infalível

 

José Vianna da Motta (1868-1948), grande pianista, compositor e pedagogo, figura maior da música portuguesa, foi uma das personalidades mais notáveis da história da música em Portugal e um dos poucos artistas portugueses cuja carreira alcançou verdadeira projeção internacional.

 

Às atividades de intérprete, pedagogo, compositor, musicógrafo, conferencista e maestro, Vianna da Motta associava uma vastíssima cultura artística, literária e filosófica que fez dele um precursor em Portugal do modelo do “músico-intelectual”. Formou sucessivas gerações de pianistas, cujo legado interpretativo se prolonga até hoje, contribuiu para uma viragem nos padrões do ensino da música e foi um dos primeiros compositores portugueses a preocupar-se com a incorporação da música tradicional e da poesia culta do seu país na criação musical erudita, à semelhança do que se passava com as correntes ligadas ao nacionalismos musicais oitocentistas.

 

Vianna da Motta era muito metódico, anotava tudo. Vianna da Motta era alguém que procurava incansavelmente o aperfeiçoamento, com grande consciência dos sucessos mas também das dificuldades.

 

Uma síntese luso-alemã

 

Nascido em São Tomé em 1868, José Vianna da Motta mostrou desde cedo grande talento musical, apresentando-se como menino prodígio em vários concertos que tiveram eco na imprensa lisboeta. O pai era farmacêutico e músico amador e tratou de garantir meios financeiros para que o filho prosseguisse a sua formação no estrangeiro. Conseguiu que o jovem Vianna da Motta tocasse perante a família real em 1874, tendo obtido, a partir dessa data a proteção do rei D. Fernando II e da sua segunda mulher, a condessa d’Edla, antiga cantora de ópera. Aos 14 anos, Vianna da Motta concluiu os seus estudos no conservatório de Lisboa e em 1882 partiu para Berlim, onde estudou com Xaver Scharwenka e Carl Schaeffer, membro da Sociedade Wagneriana.

 

Em 1885, foi um dos últimos alunos de piano de Franz Liszt em Weimar e, em 1887, frequentou o curso de interpretação pianística de Hans von Bülow, experiência marcante na sua formação como intérprete. Essas aulas são descritas com detalhe nos meticulosos diários que o jovem Vianna da Motta escreveu durante a primeira década que passou na Alemanha.

 

 

Pianista virtuoso e pedagogo

 

 

Vianna da Motta realizou a sua primeira digressão europeia como pianista em 1888, acompanhando o violinista Pablo Sarasate em Copenhaga e Helsínquia e o violinista Tivadar Nachez em Moscovo e São Petersburgo. Um jornal dinamarquês refere “o nível superior de rara distinção” daquele “português de 19 anos que Sarasate só viu no dia anterior”, mas esta foi só uma das muitas menções elogiosas publicadas na imprensa da época. A intensa atividade como intérprete nos anos seguintes continuou a merecer o aplauso da crítica internacional, principalmente na qualidade de intérprete de Liszt, Bach e Beethoven. Em 1903, o cronista da Pall Mall Gazette de Londres afirma que o “sr. Vianna da Motta pertence à categoria dos maiores intérpretes de piano vivos” e que se tratava de “um artista da mais rara inteligência” e “gênio”.

 

Apesar de ter fixado a sua residência em Berlim, Vianna da Motta apresentou-se regularmente em Portugal, principalmente em Lisboa e no Porto. Fez a sua primeira digressão americana em 1892 e tocou pela primeira vez no Brasil quatro anos mais tarde com o violinista Bernardo Moreira de Sá. Em Nova Iorque conheceu o compositor, pianista e maestro Ferruccio Busoni, com quem viria a trocar uma interessante correspondência, publicada pela Caminho. Foi o primeiro pianista português a tocar em Lisboa as 32 sonatas para piano de Beethoven na mesma série de concertos  (em 1927, no salão do Conservatório Nacional) e um dos raros a ter em repertório toda a produção do grande compositor alemão.

 

No início do século XX, Vianna da Motta desenvolveu uma intensa actividade como professor em Berlim, mas com o início da Primeira Guerra Mundial perdeu o visto para permanecer na Alemanha, passando a leccionar na Escola Superior de Música de Genebra. Na Alemanha tinha aprofundado a sua cultura musical e intelectual e  definido a sua personalidade artística a partir do legado da história, representado nas obras de Bach e de Beethoven, e da necessidade de procurar ligações com o resto das artes e com a filosofia, na esteira do wagnerismo e dos ideais pedagógicos de Liszt.

 

Entre os seus numerosos alunos contam-se muitos pianistas de relevo, entre os quais Elisa de Sousa Pedroso, o compositor Luiz Costa e a sua filha Helena Sá e Costa, Campos Coelho (que veio a ser o professor de Maria João Pires), José Carlos Sequeira Costa, Maria Cristina Lino Pimentel, Nella Maissa e Maria da Graça Amado da Cunha, assim como o compositor Fernando Lopes-Graça.

 

Em paralelo com a actividade artística, publicou regularmente artigos sobre a técnica e interpretação pianísticas e estudos sobre Wagner e Liszt; foi crítico musical e escreveu numerosos artigos para revistas especializadas alemãs e portuguesas.

 

Em 1917 regressou definitivamente a Lisboa para assumir a direção do Conservatório Nacional. Nesse cargo, que ocupou até 1938, coordenou em conjunto com Luís de Freitas Branco uma reforma curricular que incluía novas disciplinas de música e de cultura geral. Foi  ainda diretor musical da Orquestra Sinfônica de Lisboa entre 1918 e 1920 e fundou, em 1917, a Sociedade de Concertos de Lisboa. A renovação do gosto musical era uma das sua preocupações, sendo bastante crítico em relação às programações do Teatro Nacional de São Carlos e à cultura operática italiana que continuava a atrair o público em detrimento dos concertos sinfônicos e do repertório germânico.

 

 

A criação musical

 

 

A atividade de Vianna da Motta como compositor concentrou-se principalmente entre 1881 e 1908. Ainda criança e adolescente compôs peças para piano que refletem o gosto da época (marchas, mazurcas, valsas, polcas, variações e fantasias) e durante o período de formação na Alemanha dedicou-se à criação de composições instrumentais nos gêneros clássicos e canções para voz e piano sobre textos alemães (uma recente edição crítica realizada por João Paulo Santos foi publicada na nova coleção de Partituras do Patrimônio Lírico Português, editada pelo Teatro Nacional de São Carlos e pela Imprensa Nacional). As obras compostas entre 1893 e 1908 caracterizam-se pela inspiração na canção tradicional portuguesa, incluindo peças para piano como as Rapsódias portuguesas, os três cadernos de Cenas portuguesas e a Balada op. 16.

 

Vianna da Motta distinguia claramente as obras em que a música tradicional era usada como elemento de “cor local” das que tinham um objectivo programático de carácter nacionalista como as Canções portuguesas op. 10, a Invocação dos Lusíadas e a Sinfonia “À Pátria”, cujos andamentos são precedidos por epígrafes retiradas de Os Lusíadas. Para o compositor, a “expressão para o sentimento da nação” era o objectivo mais alto ao qual devia aspirar a criação musical, mas sem fazer concessões à facilidade. Conforme disse em 1940 numa entrevista a Lopes-Graça, “o alargamento da cultura musical não se deve fazer abaixando o nível da música, mas sim procurando elevar o povo às alturas das grandes obras-primas”.

 

Vianna da Motta morreu a 1° de junho de 1948, em Lisboa. No obituário publicado no jornal O Século, Luís de Freitas Branco escreveu: “Para o público, Vianna da Motta era o músico de gênio que ele via inclinar-se com singela majestade nos estrados dos palcos, perante as intermináveis ovações. Para quem teve a felicidade de com ele privar, havia além do genial artista o grande intelectual […]. Para nós músicos ele foi o mestre infalível a quem nenhum domínio da arte era estranho.”

 

Testemunho precioso do seu desenvolvimento humano e artístico e da forma como assimilou esse novo mundo em direção a uma simbiose cultural luso-alemã, os Diários (1883-1893) foram editados pela BNP e pelo CESEM em 2016 num imponente volume coordenado pela musicóloga Christine Wassermann Beirão e pela cantora Elvira Archer, responsável pelas traduções e apaixonada intérprete e estudiosa da obra vocal do compositor. No prelo encontra-se também a publicação das Cartas de Portugal a Margarethe Lemke (1885-1908), cantora que foi a sua primeira mulher, com organização e notas de Christine Beirão.

 

(Fonte: https://www.publico.pt/2018/06/07/culturaipsilon/noticia – CULTURA ÍPSILON – NOTÍCIA / MÚSICA / Por CRISTINA FERNANDES – 7 de Junho de 2018)

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