Ferreira de Castro, escritor português, autor de “A Selva”, romance transcorrido na Amazônia.

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José Maria Ferreira de Castro, (Ossela, Oliveira de Azeméis, 24 de Maio de 1898 — Porto, 29 de Junho de 1974) escritor português, autor de “A Selva”, romance transcorrido na Amazônia, onde viveu de 1911 a 1919. Tímido, considerava uma das grandes vitórias da sua vida atravessar uma sala sem baixar os olhos para o chão. Sensível, ao lhe prestarem uma homenagem improvisada num vilarejo perto do Porto, desligou o aparelho de surdez quando a cozinheira lhe contou que há poucas horas degolara o frango sacrificado em sua honra. Sentimental, quando um jornaleco de uma cidadezinha do Rio Grande do Sul publicou seu primeiro conto, quis beijar o navio que lhe levara a notícia até Belém do Pará.

Arrimo da mãe viúva na freguesia de Ossela, no norte de Portugal, em 1911, aos 16 anos de idade, José Maria Ferreira de Castro partiu em busca do país onde o ouro pendia de seringueiras, o Eldorado da Amazônia brasileira. Mas as plantações de borracha, com seu trabalho escravo, eram um inferno em que homens viviam sangrados de seus salários e de suas esperanças, como o látex que escorria das árvores retalhadas. Os temíveis índios paratintins, cortadores de cabeça, completavam o pavor das noites na selva e interrompiam os sonhos do jovem imigrante atormentado pelas peripécias de uma heroína parisiense, a Eugénie Grandet do romance de Balzac. Solitário e frágil, incapaz para os negócios e revoltado com o regime de trabalho a que fora submetido com milhares de nosrdestinos paupérrimos e ludibriados. Ferreira de Castro só suportava aquele exílio remando numa canoa rio Madeira abaixo: “Entregue ao sabor da correnteza, eu escrevia também, ser intensamente romântico viria caracterizar, afinal, a minha obra realista”. Um escritor que sempre recusara o conluio com a ditadura fascista imposta nos últimos 48 anos a seu país.

Rudes caboclos – Foi em seu livro mais marcante, “A Selva” (1930), traduzido em dezessete idiomas, do do vietnamita ao turco, que ele deu o melhor de si: um depoimento pungente sobre o caos da exploração na mata sem lei. Depois, transferida para o asfalto, sua denúncia da exploração dos operários das indústrias têxteis da Serra de Estrela em “A Lã e a Neve” (1947) perderia o vigor, enquadrando-se num vasto painel de romances sociais europeus, como os escritos por Vasco Pratolini, por Pérez Galdós, e Émile Zola.

Nem mesmo a admiração sincera pelo marechal Cândido Rondon, o pacificador dos índios, inspiração de seu segundo romance ambientado no Brasil, “O Instinto Supremo” (1968), lhe permitiu recobrar a força áspera de “A Selva”. Como um Anteus distanciado da Terra, Ferreira de Castro distanciou-se da seiva que animou seus personagens mais verídicos: os rudes caboclos do Maranhão e do Ceará empenhados em sobreviver na floresta omitida dos mapas e dos tribunais trabalhistas.

Ainda assim, em 1970, um júri desigual, composto pelos escritores Isaac Bashevis Singer, Miguel Angel Asturias e anônimos acadêmicos franceses, atribuiu-lhe a Grande Águia de Ouro Internacional do Livro em Nice, preterindo autores mais profundos e de testemunho mais duradouro, como José Cardoso Pires ou Aquilino Ribeiro.

Riquezas ocultas – De fato, a grandeza humana do homem Ferreira de Castro, para todos que o conheceram, ultrapassa as dimensões de sua obra. De uma gentileza espontânea e imediata, de um calor sincero dialogando com estivadores do porto do Recife ou recebendo uma homenagem de intelectuais brasileiros, quando de sua visita ao Rio de Janeiro em 1959, ele era um emotivo e frequentemente um ingênuo idealista que colocava a literatura a serviço do aperfeiçoamento das instituições sociais. Tinha, no entanto, o discernimento de não instituir o tema reivindicatório como modelo único do escritor: “A diversidade dos credos metafísicos não impediu a arquitetura, a escultura e a pintura de realizarem obras-primas”.

Seus ideais desprendidos de “Justiça, liberdade, paz e amor” e de resolução “dos problemas que afligem a humanidade”, visavam um objetivo final romântico e estético: permitir a uma geração libertada da miséria cultivar exclusivamente a Beleza, meta final e utôpica de um Reino remoto para cuja construção os escritores constribuiriam com a argamassa e o suor, como candangos de uma mítica Brasília futura. Infelizmente, as possibilidades maiores de Ferreira de Castro como escritor ficaram inexploradas sob um estilo sem contenção, todo feito de arroubos emocionais e pouca argúcia cerebral na revelação de mazelas estruturais de uma sociedade. Quase que sem o saber, é seu próprio auto-retrato que ele deixou traçado numa de suas frases: “No ser humano há virtualidades ainda muito menos exploradas do que as riquezas ocultas no subsolo do nosso planeta”. Ferreira de Castro faleceu dia 29 de Junho de 1974, vitimado por uma trombose cerebral, em Porto, em um significativo tributo ao escritor, o presidente Antônio de Spinola compareceu ao enterro.

(Fonte: Veja, 12 de junho, 1974 – Edição nº 301 – DATAS – Pág; 21- Veja, 10 de julho, 1974 – Edição nº 305 – LITERATURA/ Por Leo Gilson Ribeiro – Pág; 109)

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