O escritor John Bunyan: inconformismo
Autor de um clássico da literatura espiritual conhecido do gênero mundialmente como “O Progresso do Peregrino”, best-seller desde o século XVII, provavelmente a alegoria mais conhecida em todos os tempos.
Seu autor, John Bunyan, não era exatamente o tipo de homem que seguia o manual do bom comportamento de sua época.
Nascido em Bedford, na Inglaterra, em novembro de 1628, declarou certa vez: “O pouco que aprendi logo esqueci”. Lutou na guerra civil inglesa, casou-se cedo demais, teve uma filha que nasceu cega e, a partir daí, transformou-se em um homem torturado, incapaz de entender por que a mão de Deus era capaz de atingir, sem piedade, uma criança inocente.
Em busca de uma explicação, abandonou o emprego na ferraria do pai e começou a trabalhar numa congregação batista. Mas a tragédia parecia persegui-lo: no espaço de dois anos perdeu a esposa e seu principal mentor espiritual. Outros homens teriam, de imediato, abandonado as convicções religiosas. Bunyan agiu de forma oposta.
Dedicou-se a pregar a palavra de Deus até o ano de 1660, quando o governo proclamou o Ato de Uniformidade, que colocava como fora-da-lei todas as formas de culto que não estivessem alinhadas com a Igreja Anglicana. Bunyan não aceitou deixar seu ministério, foi preso e permaneceu no cárcere por doze anos.
Existem certas batalhas em nossas vidas que ou acabam conosco ou nos tornam mais fortes. Bunyan conseguiu enquadrar-se no segundo caso. Durante o longo período atrás das grades, escreveu uma autobiografia e a primeira parte de “O Peregrino”. O livro conta a caminhada de um homem em busca da Cidade Celestial, que deve ser seu verdadeiro lar.
No percurso, ele vai encontrando personagens alegóricos, tais como Misericórdia, Intérprete, Fiel ou Boa Vontade. Alternando partes narrativas com trechos de diálogos quase teatrais, Bunyan faz seu herói superar obstáculos à medida que aprende as lições fundamentais da vida.
Quando o autor saiu da prisão, o livro foi publicado e encontrou uma imensa ressonância popular. Seis anos depois, Bunyan publicou a segunda parte, desta vez tendo como personagem central a mulher do herói, que antes havia decidido permanecer em casa. Novo sucesso. Nos dois séculos seguintes, a maior parte das famílias inglesas tinha pelo menos dois livros em casa: a Bíblia e o livro de Bunyan. O autor continua popular até hoje, em lugares com os quais nem sequer sonhou.
A linguagem de Bunyan permanece atual, mas é difícil acompanhar a jornada do personagem principal do início ao fim. Isso porque Cristão (Christian, no original, nome que teria sido mais bem traduzido por Cristiano, evitando assim caracterizá-lo de imediato como alguém que já carrega a santidade na alma) se vê às vezes andando em círculos e a caminhada torna-se repetitiva e, ver a forma como os homens expressavam sua busca espiritual no século XVII.
Descobriremos que, embora a abordagem tenha mudado, o homem ainda se encontra diante dos mesmos desafios e mistérios. Isso significa que o peregrino até hoje não progrediu até a Cidade Celestial? Pelo contrário: é uma prova de que, apesar de tanto tempo na estrada, não desistimos de seguir adiante.
(Fonte: http://www.gruponovoseculo.com.br – NOVO SÉCULO – John Bunyan)
(Fonte: Revista Veja, 18 de agosto de 1999 – ANO 33 – Nº 33 – Edição 1611 – Livros / Por Paulo Coelho – “O Progresso do Peregrino”, de John Bunyan – Pág: 150/151)