Chu En-lai, principal cérebro e principal articulador, da fundação da Juventude Comunista Chinesa

0
Powered by Rock Convert

Chu En-lai (1898-1976), com um nome aristocrático e maneiras de mandarim e o principal cérebro e principal articulador, por trás do esforço de reunir numa organização comunista parte da então alentada colônia de estudantes chineses em Paris, entre eles estava um jovem de 24 anos, Chu.

Em meados de 1922, num jardim de Paris, pouco mais de uma dezena de estudantes chineses se reuniu para formalizar a fundação da Juventude Comunista Chinesa na França.

Para ele, pessoalmente, tratava-se de uma grande vitória. Fora Chu, afinal, no entanto durante toda aquela cerimônia, ele se manteve num discreto segundo plano.

Quem falou aos novos militantes foi um membro mais velho e mais prestigioso do recém-fundado (em 1921) Partido Comunista chinês, Chu Teh. Chu En-lai, de sua parte, permaneceu quieto e fleumático – e o episódio á altamente significativo. Chu En-lai haveria de primar, sobretudo, pela sobriedade, pelo gosto do trabalho nos bastidores, pela aversão a publicidade pessoal. Ele seria, sempre, um homem por trás de outros homens. Em seu próprio país, o máximo que atingiria seria o número 2 na hierarquia, sempre abaixo de Mao Tsé-tung. E, no entanto foi um formidável número 2, com uma estatura de estadista raramente atingida, na China como em qualquer outro país, no século XX.

Fator de equilíbrio – Já afastado do cargo que ocupava desde a fundação da República Popular da China, em 1949, – o de primeiro-ministro. Com câncer desde 1972, a partir de meados de 1974 ele seria visto cada vez menos em público. Sua última aparição ocorreu, exatamente, no dia 30 de setembro de 1974, quando compareceu a uma cerimônia para celebrar o 25.° aniversário da vitória comunista na China.

Pois, embora afastado do governo, ele ainda representava, com todo o enorme peso de seu prestígio – e seu lendário talento para a negociação e a conciliação -, um fator de equilíbrio e continuidade dentro dos caminhos frequentemente atormentados da Revolução Chinesa.

A mansão do cl㠖 Essas boas maneiras, bem como a educação refinada, eram a marca registrada de Chu En-lai entre os velhos líderes da Revolução Chinesa. Ao contrário, por exemplo, de Mao Tsé-tung, filho de rudes camponeses, Chu descendia de um clã feudal da província de Chekiang, no litoral central da China, onde nasceu em 1898. Sua família podia ostentar uma secular folha de serviços prestados aos antigos imperadores chineses. E, paradoxalmente para um militante como ele, o falecido primeiro-ministro jamais chegou a romper totalmente com o passado – ao contrário, até onde foi possível, não deixou de observar certos rituais obrigatórios para um descendente dos prestigiosos Chu.

Quando jovem, por exemplo, a não ser nas ocasiões em que estava ausente da China, Chu En-lai piedosamente cumpriria o dever familiar de visitar, uma vez por ano, a velha “Residência dos Cem Anos”, a ancestral mansão do cl㠖 assim chamada por ter abrigado simultaneamente, certa vez, cinco gerações de Chus, separadas entre si por um século. E mesmo num ano como 1939, em plena II Guerra Mundial, quando, na China, as complexidades da cena internacional somavam-se os conflitos internos, Chu En-lai não deixou de tirar uma folga em suas atividades revolucionárias, certa vez, para visitar a veneranda mansão. No caminho, ele passou por várias aldeias de Chekiang, para visitar as tumbas de antigos Chus. E, ao chegar a casa, recebido por meia dúzia de primos, não se esqueceu de prestar suas homenagens ao então chefe do clã, um tio perto de 70 anos – perante o qual se inclinou três vezes, como manda a tradição.

Papéis femininos – Tais virtudes de urbanidade, sem dúvida, teriam seu peso no fascínio que Chu exerceu sobre gerações sucessivas de líderes mundiais, ao longo de suas quase três décadas de atividades como principal negociador da China com o mundo exterior. Em 1954, por exemplo, durante a conferência de Genebra sobre a Indochina – episódio em que Chu faria seu début na cena ocidental -, o mundo ficaria surpreendido com a habilidade diplomática do dirigente chinês, sempre com um sorriso fácil nos lábios e uma palavra amável para trocar com líderes como o inglês Anthony Eden e o francês Pierre Mendes-France.

Na época, quando mal ainda haviam se sedimentado as lembranças da sangrenta guerra civil chinesa e, mais ainda, as da intervenção de Pequim na guerra da Coreia, a inevitável imagem que se fazia de um revolucionário chinês era a de um irascível radical. E, no entanto, quem acabou pecando pelo mau tom não foi Chu, mas o secretário de Estado americano, John Foster Dulles – que, num famoso episódio, se recusou a cumprimentar o líder chinês, quando este lhe estendeu a mão. O magnetismo pessoal do velho mandarim da diplomacia chinesa se estenderia até tempos bem mais recentes, como a era de Richard Nixon e Henry Kissinger – ambos pródigos em elogios a Chu ao final do célebre encontro de fevereiro de 1972.

No entanto, muito mais do que o diplomata de face cordial, Chu En-lai, no balanço final de sua existência, foi o revolucionário de tempo integral – que dedicou toda a vida a implantação do comunismo na China. Com a mãe morta muito cedo e o pai revelando tendências para a ociosidade e a bebida, ele foi criado, primeiro na casa de um tio, depois na de outro. E, aos 15 anos, escolheu sozinho a escola secundária que haveria de cursar – o internato Nankai, de orientação fortemente ocidentalizada. Em Nankai, além de representar papeis femininos nas encenações teatrais – graças a seus traços delicados -, Chu se revelaria um ativo colaborador do jornal da escola, onde escreveria artigos impregnados da influência de autores como Jean-Jacques Rousseau e John Stuart Mill.

Fermentação – Karl Marx ainda não havia de tardar – durante o ano e meio que ele passou no Japão, como estudante, entre 1918 e 1919, Chu foi fortemente influenciado pelos escritos de Hajimi Kawakami, um dos pioneiros do marxismo japonês. A China, enquanto isso, vivia um período de intensa fermentação. Em 1911, Sun Yat-sem, fundador do Kuomintang – partido que pretendia aglutinar todas as forças nacionalistas e progressistas do país -, havia derrubado a velha dinastia manchu e proclamado a república. Mas a resistência feudal era feroz, e a nação repartia-se em várias áreas de influência, sem que nenhuma autoridade central conseguisse se impor.

Eram tempos propícios para um jovem que começava a se inflamar pelas idéias revolucionárias. E ainda mais férteis se tornariam depois do famoso “Movimento de 4 de maio”, uma violenta insurreição estudantil contra a ocupação pelo Japão, em 1919, de uma parte do norte da China. Foi essa a época escolhida por Chu para o retorno a pátria. Instalando-se em Tientsin, uma importante cidade industrial não longe de Pequim, ele se inscreveu na universidade local e ao mesmo tempo embrenhou-se numa intensa atividade de agitações nos meios estudantis.

Fim do aprendizado – Mas ainda não havia nascido, a essa altura, o verdadeiro Chu En-lai. Como a grande maioria dos estudantes chineses, ele ainda era movido por ideais de nacionalismo e unificação da China. E nem mesmo quando foi preso, em janeiro de 1920, por protestar com um grupo de colegas contra a apreensão do jornal da Liga dos Estudantes de Tientsin, Chu poderia ser considerado um radical. Sua verdadeira adesão ao marxismo só se daria na França, para onde embarcou em julho de 1920, ao ser solto.

Durante os quatro anos em que morou na França, Chu viria a conhecer numerosos companheiros com quem se aliaria pela vida afora – entre os quais este mesmo Teng Hsiao-ping que o substituiu como primeiro-ministro. Além disso, ele desenvolveria um frenético trabalho de coordenação entre os diversos grupos de estudantes chineses na Europa. E ao voltar a China, em meados de 1924, já podia ostentar uma reputação, entre os comunistas locais, de militante de primeira ordem – capaz de exercer missões da mais alta responsabilidade.
Poe essa época, na China, desenvolvia-se uma longa guerra civil entre o Kuomintang, com domínio sobre o sul do país, e a resistência feudal dos “senhores da guerra” – uma aliança de grupos nostálgicos da era imperial, instalados no norte. O Partido Comunista, nessa luta, aliava-se ao Kuomintang. E não deixa de ser irônico o fato de a primeira missão confiada ao jovem Chu, de regresso a pátria, ter sido a de assessorar aquele que viria se transformar em seu arquiinimigo – o general Chiang Kai-chek, chefe do Kuomintang.

Refúgio com Mao – Durante quase dois anos Chu desempenhou as funções de chefe do Departamento Político da Academia Militar de Whampoa, comandada por Chiang. E esse seria apenas o começo de um longo e ambíguo relacionamento entre os dois homens, marcado pelas alianças táticas assim como pelas traições mútuas – de acordo com as convergências dos respectivos partidos. Em 1926, Chiang sumariamente demitiu Chu de seu posto em Whampoa. Depois, no ano seguinte, os dois homens voltariam a colaborar, com Chu preparando o levante que, em Xangai, haveria de facilitar o ingresso das tropas de Chiang na cidade. Mas, uma vez tomada Xangai, Chiang voltou-se abruptamente contra os comunistas e massacrou milhares deles – forçando Chu a fugir da cidade.

Na verdade, tratava-se do início de uma segunda guerra civil – aquela que, em seguida a sua vitória contra a resistência feudal, o Kuomintang passaria a travar com os comunistas. Combatidos por todo o país, os membros do PC tinham poucos santuários onde se colocar a salvo. E, na maior parte das vezes, acabavam sem outra opção senão se refugiar nos domínios rurais daquele exótico líder guerrilheiro, com quem nem todos concordavam. Mao Tsé-tung – um comunista heterodoxo, que, contrariando o dogma leninista da revolução operária, defendia a tese de que o comunismo na China partiria, antes, dos camponeses.

A Longa Marcha – Não foi outro o caminho de Chu. Em 1931, apesar de firme partidário da revolução urbana, também ele acabaria por procurar abrigo nas zonas rurais de Kiangsi, uma província do sul da China, onde Mao havia proclamando uma “república soviética” de soldados e camponeses. Desde então, não foram poucas as divergências ideológicas e táticas entre ambos. Mas as circunstâncias acabariam por unir inevitavelmente suas carreiras, em episódio tão dramáticos como a épica Longa Marcha de 1934/1935 – considerada geralmente como o ponto de partida dos comunistas na China.

Na verdade, a marcha nada mais foi do que uma retirada. E começou simplesmente porque não havia outra coisa a fazer: os comunistas, em outubro de 1934, encontravam-se cercados pelas forças de Chiang Kai-chek. Uma longa caminhada os levaria, então, de Kiangsi até Shensi, bem mais ao norte. Foram 10 000 quilômetros e doze meses de sinuosos avanços e recuos, emboscadas e doenças. No final, dos 80 000 homens que iniciaram a odisséia, não restavam mais de 10 000. Mas, ao mesmo tempo, o PC chinês mantinha um núcleo central de dirigentes endurecidos pela experiência. Entre outros resultados, a Longa Marcha consolidou Mao Tsé-tung como o chefe supremo do comunismo chinês e Chu como seu lugar-tenente.

Pragmatismo – A partir de Shensi, os comunistas, de vitória em vitória, ao longo de uma arrastada, exaustiva guerra, acabariam por expulsar Chiang Kai-chek do continente e estabelecer a República Popular a 1.° de outubro de 1949. Chu En-lai, a partir deste momento, transformava-se, de líder guerrilheiro, em primeiro-ministro e ministro das Relações Exteriores de um Estado ainda por fazer – e as vicissitudes não seriam menores.
Houve períodos como, por exemplo, o redondo fracasso do “Grande Salto para a Frente” – o ambicioso programa com que Mao pretendeu, em 1958, mobilizar as massas para uma gigantesca ofensiva de desenvolvimento econômico -, ou a turbulenta Revolução Cultural do final da década de 60. Em ambos os casos, política e economicamente, a China estraçalhou-se. E num episódio como no outro, no final seria Chu, com seu reconhecido senso de pragmatismo, o homem encarregado de curar as feridas e recolocar o país nos trilhos.

Na verdade, Chu En-lai não esteve ausente de um único episódio importante da história recente da China. Num país onde muitos líderes tombaram e outros tantos ressuscitaram, em nenhum momento ele deixou de ocupar um posto de comando – e manter-se na crista dos acontecimentos. Os detalhes conhecidos de sua vida pessoal são poucos. Sabe-se apenas de generalidades, como o seu casamento desde 1925 com Teng Ying-chao – ela própria uma militante comunista, e membro do Politburo chinês -, do qual não teve filhos. Sua verdadeira história, no fundo, é a história da própria China no século XX. Pois, ao longo de toda a sua rica e acidentada existência, encerrou-se por um câncer aos 78 anos.

(Fonte: Veja, 14 de janeiro, 1976 – Edição 384 – INTERNACIONAL – CHINA – Pág; 30 a 33)

Morre Chu-En-Lai, um dos mais importantes líderes da Revolução Chinesa, em 8 de janeiro de 1976.
(Fonte: Zero Hora – ANO 45 – N° 15.835 – Hoje na História – Almanaque Gaúcho/ Por Olyr Zavaschi – 8 de janeiro de 2009 – Pág; 62)

Powered by Rock Convert
Share.