Gabriel d’Ávila Flores, capitão do Exército. Personagem principal do livro “1930, Águas da Revolução”.
Capitão do Exército Gabriel d”Ávila Flores. Até praticamente o fim, tinha uma memória rica em detalhes do seu passado de lutas. Personagem principal do livro “1930, Águas da Revolução”, Gabriel era um arquivo vivo dos grandes acontecimentos da história brasileira do século XX. Em 3 de outubro de 1930, quando estourou a revolução de Getúlio Vargas, Osvaldo Aranha e João Neves da Fontoura, Gabriel era sargento no 7° Batalhão de Caçadores, na Praça do Portão, em Porto Alegre, um dos pontos de maior resistência aos rebeldes.
Depois da rendição do 7 BC, Gabriel aderiu aos revolucionários e seguiu Getúlio e suas tropas em direção ao Rio de Janeiro. Esteve pronto para lutar na batalha que não aconteceu, em Itararé, na divisa do Paraná com São Paulo. Na capital da República, depois da capitulação do presidente Washington Luís, teve tempo para subir ao Corcovado. Em 1932, porém, quando São Paulo liderou a contrarrevolução, com o pomposo nome de Revolução Constitucionalista, Gabriel, militar legalista, participou dos combates em Itararé em defesa do governo revolucionário de Vargas.
Pacifista, espírito generoso, admirador do expansivo Flores da Cunha, Gabriel d”Ávila Flores serviu ao Exército, desde seus 15 anos de idade, sem cultivar ódios ou excessivos amores pelas armas.
Sonhava, quase centenário, em comprar um carro – teve mais de 50 – e dirigir até o Rio de Janeiro. Graças a ele, com sua memória e suas experiências, meu livro ganhou força, autenticidade, veracidade. Gabriel acompanhou tudo: 1930, 1932, a Intentona Comunista de 1935, o Estado Novo, de 1937 a 1945, o retorno de Getúlio em 1950, o suicídio de Vargas em 1954, o golpe militar de 1964, a redemocratização…
Durante a Segunda Guerra Mundial, ele treinou pracinhas que foram enviados para lutar na Itália. A sua especialidade era a Comunicação.
No livro, numa tirada de Gabriel d”Ávila Flores que resume seu jeito de ser como homem e soldado: “Sempre atirei sem fazer pontaria, a esmo, fechando os olhos. Não sei se matei alguém. Nunca tive vocação para bandido”. Gabriel viveu até a revolução de 1930 completar 80 anos. Viu os resultados da ação de Vargas. Faleceu na noite em que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, num programa de televisão, apontou Getúlio Vargas como o maior presidente que o Brasil já teve.
Gabriel fora coadjuvante, mas, passadas oito décadas, tornara-se protagonista, testemunha ocular, uma aula serena sobre os fatos mais relevantes de um país sempre em construção.
É sempre maravilhoso conversar com pessoas que podem dizer sem rancor nem espalhafato: “Eu estive lá”. Gabriel esteve no olho do furacão. Viu o Brasil sair da sua Idade Média e entrar, com Vargas, ao menos, na pré-modernidade. Viu o futuro começar a ser inventado. Seu Gabriel deixará saudades. Foi-se um fazedor de História.
Gabriel d”Ávila Flores morreu dia 27 de dezembro de 2010, aos 98 anos de idade.
(Fonte: Correio do Povo – ANO 116 – Nº 88 – PORTO ALEGRE, TERÇA-FEIRA, 28 DE DEZEMBRO DE 2010 – JUREMIR MACHADO DA SILVA)