O autor de Quarup, o escritor que amava o Brasil e sua gente.
O escritor Antonio Callado era autor de “Quarup” e “Reflexos do Baile” e colunista da Folha
Callado foi eleito para a ABL (Academia Brasileira de Letras), para a qual foi eleito membro em 94.
Antônio Carlos Callado (Niterói (RJ), no dia 26 de janeiro de 1917 – Rio de Janeiro, 28 de janeiro de 1997), escritor e jornalista, biógrafo teatrólogo e bacharel em Direito, começou a trabalhar, como repórter e cronista, em O Correio da Manhã. Homem de esquerda, com um ideário próximo ao do Partido Comunista Brasileiro, ao qual nunca se filiou para não perder a independência, ele amava o Brasil e sua gente, embora nunca tivesse perdido de vista os seus defeitos. Descrer do povo brasileiro seria descrer de mim mesmo. E eu ainda acredito em mim, disse certa vez. Isso explica a descrença em relações ao país que vinha manifestando nos últimos meses.
Antonio Carlos Callado nasceu em 26 de janeiro de 1917, na cidade de Niterói (RJ). Filho de médico e poeta com uma professora, inicia a carreira jornalística no jornal “Correio da Manhã”, aos 20 anos.
Em 1941, Callado embarca para Londres, onde é contratado pela BBC. O escritor fica cinco anos na Europa. Casa-se com a inglesa Jean Maxine Watson, funcionária da BBC, em 1943.
Em 1947, volta ao Brasil e ao “Correio da Manhã”, onde ocuparia o cargo de redator-chefe entre os anos de 54 e 59.
Lança a peça “O Fígado de Prometeu” em 51, seu primeiro livro. Em 1964, lança o livro de reportagens “Tempo de Arraes”, sobre o político pernambucano Miguel Arraes.
“Quarup”, é lançada em 1967. Ruy Guerra adapta para o cinema em 89.
Escritor, dramaturgo e jornalista, Callado publicou seu último artigo na Folha em 21 de dezembro de 96, naquele que acabou sendo o encerramento de uma colaboração semanal para a “Ilustrada”, iniciada em 1992.
Vietnã
Em 1968, como correspondente do “Jornal do Brasil”, Callado viaja ao Vietnã, para acompanhar a guerra. Foi o único jornalista sul-americano a visitar o Vietnã do Norte na época. Da experiência surge o livro “Vietnã do Norte”.
Em 87, o escritor recebe o troféu “Juca Pato” de intelectual de 86.
Catarse socialista - A realidade nacional e seus subprodutos, principalmente aqueles surgidos nos anos de chumbo do regime militar, foram o melhor alimento da literatura de Callado. Em Bar Don Juan, lá está a esquerda festiva do finado Antonios carioca. Em reflexos do Baile, os protagonistas são alguns comunas que tentam sequestrar um grupo de diplomatas. Em Sempreviva, o escritor conta a viagem de um jovem exilado que volta ao Brasil na condição de clandestino. Ao contrário do que rezam os mandamentos da catarse socialista, no entanto, esses ingredientes jamais chegaram em estado bruto ao leitor. Não há idealistas coitados na obra de Callado, e sim idealistas que não conseguem dar conta ao paradoxo brasileiro. Este Brasil grande e complexo demais para caber em sistemas de pensamento arrumadinhos, concebidos em gabinetes de leitura, encontra seu melhor retrato em Quarup.
No final da vida, Callado o considerava um filho menor, mas essa opinião talvez deva entrar na conta das desilusões que o assombravam em seus meses derradeiros. O romance, publicado em 1967, cujo título é o nome de uma cerimônia indígena que homenageia os mortos ilustres, traz a história do padre Nando, um homem atormentado pela fé claudicante e pronto a sucumbir as tentações da vida mundana. Em busca de uma verdade que nem sabe existe, ele sai de um mosteiro no Nordeste e interna-se no Xingu, em missão de evangelização. Em contato com os índios, porém, Nando entrega-se ao amor, ao sexo. É assimilado pela cultura e pela geografia do Brasil Central uma espécie de catequese ao inverso, em que a antropologia fornece mais respostas do que a religião. No final, o padre volta ao Nordeste como guerrilheiro.
Quarup foi sucesso de público e de crítica. É um livro encharcado de esperança, num momento da vida brasileira em que, aparentemente, só há lugar para pessimismo e desespero. Nando é o contrário do herói fracassado, eixo de todo um ciclo do romance brasileiro, e, não fosse a expressão comprometida por certo dirigismo proselitista, de raízes extra literárias, poderíamos chamá-lo de herói positivo, escreveu o psicanalista Hélio Pellegrino, que emprestou a Callado o epíteto de doce radical. O romance também teve boa acolhida no exterior, a despeito dos esforços do chanceler Mário Gibson Barboza, que, em sua defesa do regime militar contra tudo o que julgava ser uma ameaça, se aventurou na crítica literária. É o pior romance jamais escrito em língua portuguesa, disse Barboza ao editor Alfred A. Knopf, ao tentar demovê-lo da ideia de publicar Quarup nos Estados Unidos.
A pena generosa e brilhante de Callado, somada ao coração de esquerda, as vezes o fazia incorrer em equívocos. Um deles: a série de reportagens sobre o Vietnã do Norte que fez para o Jornal do Brasil, reunida em livro. Callado, o único jornalista latino-americano a entrar em Hanói durante a guerra, só teve olhos para o esforço de resistência dos norte-vietnamitas diante da escalada militar americana. Comportou-se como torcedor, não como repórter. Uma guerra mata, fere e mutila. É o normal, o obrigatório da guerra. De mais a mais, a guerra exige a ferocidade recíproca. Mas o Callado pensa com a paixão. Como torcedor, ele descreve e assina que só o Vietnã do Sul bebe o sangue inimigo como groselha, fustigou na ocasião Nelson Rodrigues, o maldito da direita que mais acertava do que errava. Ao sair do Vietnã do Norte, Callado levou consigo cartas de 46 aviadores americanos que haviam caído prisioneiros e as entregou as suas famílias.
Inglês Outro equívoco: as reportagens, também para o Jornal do Brasil, sobre o governo de Miguel Arraes em Pernambuco, feitas as vésperas do golpe militar de 1964. A série, enfeixada no livro Tempo de Arraes, exalta o que seria a revolução sem violência, orquestrada no Estado pelo governador. Dois fatores principais se terão combinado para favorecer o aparecimento desse clima pernambucano de liberdade: um movimento de agitação de massas que preencheu, em poucos anos, o papel da educação que essas massas nunca tinham tido, e a eleição, para o governo do Estado, de um homem do povo, escreveu Callado. Ainda que se dê o desconto da época em que foi escrito, permanece inexplicável o entusiasmo do escritor com a figura de Arraes, um populista que sempre esteve mais para Perón do que para Guevara do sertão.
Em Londres, eu tinha fome de Brasil, gostava de dizer Callado, ao comentar os anos em que trabalhou no serviço brasileiro da BBC, na década de 40, durante a II Guerra. Esse período, aliado a seu cavalheirismo inato, rendeu ao escritor um aposto carinhoso, criado por Nelson Rodrigues: O único inglês da vida real. Callado, fluminense de Niterói, não perdia a classe em nenhuma situação. Resistiu estoicamente quando a ditadura o prendeu, o proibiu de exercer o jornalismo e lhe cassou os direitos políticos. Como o estilo faz o homem, até o fim suas crônicas conservaram a limpidez de raciocínio e a capacidade de dar vazão a sentimentos inexprimíveis para a maioria silenciosa. Deixem o país viver. Deixem o pobre do Brasil respirar. Deixem ele em paz, para ver se perde este jeito aflito, meio gago, de criança que vive azucrinando e que por isso mesmo chega sempre do colégio com nota ruim no boletim, escreveu Callado em 1993. O desabafo vale por um tratado.
Câncer na próstata é maio vagabundo, comum no homem em certa idade. Uma vez controlado, ele fica só olhando para você. Nesta frase, escrita por Antonio Callado em 1994, no rescaldo de sua eleição para a Academia Brasileira de Letras, nota-se o estilista, não a realidade. O câncer, espectador desde 1984, quando foi detectado, teimou em seguir o roteiro predeterminado tornou-se mais agressivo, alastrou-se pelas pernas e pelo crânio e abriu brecha para a morte, que colheu o escritor e jornalista no dia 28 de janeiro de 1997.
Na manhã do dia anterior, um epílogo doloroso. Callado acordou cedo e, apesar de muito enfraquecido, quis levantar-se da cama para ir até a sala. Ainda sonolenta, sua mulher, a jornalista Ana Arruda, tentou ajudá-lo, mas não teve tempo. Ele caiu na beirada da cama e quebrou o fêmur direito. A queda apenas precipitou o que já estava previsto para breve, conformava-se Ana. Um dia antes, Callado havia completado 80 anos. Um exagero, um abuso. Acho que até os 70, 75, vale a pena. Depois, começo a duvidar, disse ele ao escritor Eric Nepomuceno em dezembro de 1996, quando a realidade da doença já ocupava o espaço do estilo.
O desaparecimento de Callado, autor, entre outros livros, de A Madona de Cedro, Reflexos do Baile, Bar Don Juan e Quarup, este último considerado um marco da literatura brasileira contemporânea, deu lugar a um elogio fúnebre que merece comentário o de que morreu um homem íntegro. A integridade de Callado certamente é inquestionável, mas não é essa a qualidade que o diferencia do cidadão comum, que age de forma coerente com os melhores valores. O que fez de Callado um ser humano raro foi sua generosidade. Uma generosidade de que são testemunhas não apenas os amigos e companheiros de trabalho, mas também suas reportagens e sua literatura.
Livros do autor
1951
“O Fígado de Prometeu”
1953
“Esqueleto na Lagoa Verde”
1954
“Assunção de Salviano” e “A Cidade Assassinada”
1955
“Frankel”
1956
“Retrato de Portinari”
1957
“A Madona de Cedro”, “Pedro Mico” e “O Colar de Coral”
1959
“Os Industriais da Seca” e “O Tesouro de Maria Chica”
1961
“Uma Rede para Iemanjá”
1964
“Tempo de Arraes” e “Forró no Engenho Cananeia”
1967
“Quarup”
1971
“Bar Don Juan”
1976
“Reflexos do Baile”
1977
“Vietnã do Norte”
1978
“Passaporte sem Carimbo”
1981
“Sempreviva”
1982
“A Expedição Montaigne”
1983
“A Revolta da Cachaça”
1985
“Concerto Carioca”
1989
“Memórias de Aldenham House”
1994
“O Homem Cordial”
Morre aos 80 anos o escritor Antono Callado. Callado sofria de câncer desde 1984; aos 80 anos, dizia estar na idade para “o sujeito morrer”.
Ele havia sido internado na Clínica São Vicente após sofrer uma queda em casa e fraturar o fêmur.
Depois de analisar o estado clínico de Callado, que sofria de câncer generalizado, e de conversar com a família do escritor, o ortopedista Carlos Giesta e o clínico-geral Roberto Zani decidiram não submetê-lo a cirurgia.
Callado sofria de câncer na próstata desde 1984. Ele foi operado duas vezes -em 84 e 89.
Em 94, os médicos constataram que o câncer havia se generalizado. Como que a confirmar a definição que para ele havia sido criada por Nelson Rodrigues -“o único inglês da vida real”- Callado entregou à mulher, a jornalista Ana Arruda Callado, o envelope com o resultado dos exames. Fechado.
Há cerca de 40 dias, o estado de saúde de Callado se agravou. Ele foi internado em 19 de dezembro para tratamento de uma pneumonia. Passou o Natal hospitalizado, mas reagiu e voltou para casa uma semana depois.
Em entrevista publicada no último domingo na Folha, dia em que completou 80 anos, Callado definiu sua idade como “um horror”. “Oitenta anos é a idade para o sujeito morrer, nada mais além disso.”
Callado era casado havia 20 anos com Ana Arruda, sua segunda mulher.
O corpo de Callado foi velado na ABL (Academia Brasileira de Letras), para a qual foi eleito membro em 94.
As primeiras coroas de flores a chegar foram enviadas pela Embaixada de Cuba e pelo governador de Pernambuco, Miguel Arraes.
(Fonte: Veja, 5 de fevereiro de 1997 - ANO 30 – N° 5 – Edição 1481 – Memória/ Por Mario Sabino - Pág; 82/83)
(Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/1997/1/29/ilustrada – FOLHA DE S.PAULO – ILUSTRADA / DA SUCURSAL DO RIO; DO BANCO DE DADOS – São Paulo, 29 de janeiro de 1997)
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No ano de seu centenário, textos inéditos encontrados na Inglaterra revelam aspecto desconhecido de Antônio Callado
Em 26 de janeiro de 2017, o escritor brasileiro Antônio Callado completaria 100 anos se estivesse vivo.
Considerado por críticos como o americano Raymond L. Williams como um dos mais destacados romancistas latino-americanos do século 20, a obra de Callado permanece mais atual do que nunca.
Tais peças têm o potencial de lançar uma nova luz sobre sua obra e seu período de formação intelectual no Reino Unido, país em que viveu como correspondente de guerra entre 1941 e 1947.
Peças para teatro
Antônio Callado estreou oficialmente como dramaturgo em 1951, com a peça O Fígado de Prometeu , mas ganhou notoriedade mesmo comPedro Mico , em 1957. Ele foi um dos primeiros autores no Brasil a escrever peças de teatro para protagonistas negros.
A partir de Pedro Mico , Callado escreveu uma série de textos de teatro com personagens e temas que discutem, direta ou indiretamente, o racismo no Brasil, como Uma Rede para Iemanjá (1961), O Tesouro de Chica da Silva (1962) e A Revolta da Cachaça (1983). No entanto, a descoberta recente em arquivos britânicos revela que o autor já escrevia peças nos anos 40, algo ignorado por grande parte dos críticos e biógrafos até então.
No início dos anos 60, escreveu uma série de reportagens, primeiro para o Correio da Manhã e depois para o Jornal do Brasil , sobre as Ligas Camponesas, colocando o tema da reforma agrária sob os holofotes da imprensa e fixando na linguagem corrente o termo “indústria da seca”.
‘Quarup’
Como romancista, Callado começou a pavimentar seu caminho ainda em 1954, com Assunção de Salviano , que tem como pano de fundo justamente os conflitos fundiários do Nordeste.
No entanto, é com o romance Quarup , de 1967, que Callado se consagra como autor. Considerado por alguns críticos como o romance mais importante da década de 60, Quarup – nome de um ritual fúnebre dos povos indígenas do Xingu – tem como protagonista um padre que vai para o Norte do país catequizar os índios e, depois de uma série de choques e descobertas, se converte em militante contra a ditadura militar (1964-1985).
Na época de sua publicação, o romance foi saudado por críticos como Ferreira Gullar e Hélio Pelegrino como obra-prima, capaz não apenas de produzir um retrato da encruzilhada civilizacional pela qual passava o Brasil de então, mas também como narrativa capaz de produzir uma síntese estética do projeto nacional acalentado por intelectuais e movimentos sociais naquele momento. Tal projeto fora agrupado sob as chamadas “reformas de base”, colocadas como bandeira do governo João Goulart e barradas abruptamente pelo golpe militar de 1964.
A partir dos anos 1970, o escritor produziu romances que refletem sua perplexidade diante do recrudescimento do autoritarismo no Brasil e da incapacidade das esquerdas de produzir um projeto de enfrentamento da ditadura que oferecesse uma saída estruturada para o país. Tais questões são abordadas em Bar Don Juan (1971) e Reflexos do Baile (1976).
Embora sua produção nos anos 80 se torne ainda mais marcada pelo pessimismo em relação aos rumos do país, como em Sempreviva (1981),Expedição Montaigne (1982) e Concerto Carioca (1985), é a ligação entre o jornalista e o romancista que será consagrada no fim de sua obra.
O último romance, Memórias de Aldenham House (1989), é uma narrativa que liga as duas pontas da vida de Antônio Callado, ao explorar através da ficção o ambiente vivido pelo autor entre 1941 e 1947, quando foi à Inglaterra para trabalhar como jornalista.