João Simões Lopes Neto (Pelotas, 9 de março de 1865 – Pelotas, 14 de junho de 1916), o maior escritor regionalista gaúcho, nasceu em Pelotas em 9 de março de 1865. Seu avô, João Simões Lopes, o Visconde da Graça, era proprietário da Estância da Graça, famosa charqueada, onde o escritor nasceu.
Com uma vida pessoal e profissional tunultuada, a obra de Simões Lopes sobreviveu em títulos como Contos Gauchescos ou os Casos do Romualdo, imortalizando-se com personagens como o próprio Romualdo ou Blau Nunes. O escritor morreu em Pelotas, aos 51 anos, em 1916.
(Fonte: Zero Hora – N° 15. 531 – ANO 44 – 8 de março de 2008 – Almanaque Gaúcho/ Por Olyr Zavaschi – Pág; 54)
(Fonte: Veja, 24 de outubro de 1973 – Edição 268 – LITERATURA/ Po J. A. Dias Lopes – Pág: 123)
O maior escritor regionalista do Rio Grande do Sul, nasceu em Pelotas, em 9 de março de 1865, na Estância da Graça, a 29 quilômetros da cidade e de propriedade de seu avô paterno, João Simões Lopes Filho, o Visconde da Graça – que chegou a ter uma orquestra particular composta por escravos em sua grande fazenda. Era filho dos pelotenses Catão Bonifácio Lopes e Teresa de Freitas Ramos. Viveu na estância até 1876. Aos treze anos, foi para o Rio de Janeiro, estudar no famoso colégio Abílio.
Em seguida, teria freqüentado até a terceira série da Faculdade de Medicina, mas sobre esta passagem acadêmica nunca houve provas. Retornando ao Sul, fixa-se em sua terra natal, Pelotas, então rica e próspera pelas mais de cinqüenta charqueadas que lhe davam a base econômica. Nesta cidade dinâmica e aristocrática, o jovem patrício enceta a mais bizarra, surpreendente e malograda trajetória vivida por um escritor gaúcho. Com ideias cheias de audácia, tornou-se um agente empreendedor da industrialização pelotense. Criou, mediante o sistema de cotas, uma fábrica de vidros, cujos operários eram todos franceses e os aprendizes, meninos pobres da região. Participou da montagem de uma poderosa destilaria, convencendo dezenas de homens de posse a se tornarem acionistas da nova empresa.
Todas fracassaram porque a década de 1890 – onde elas surgiram – tinha sido marcada pela devastadora guerra civil no Rio Grande do Sul e a economia local fora duramente abalada. Mesmo assim, na virada do século e com recursos próprios – advindos das heranças do avô e do pai – construiu uma fábrica de cigarros. Os produtos, fumos e cigarros, receberam o nome de Diabo, Marca Diabo. O sucesso inicial, causado pelo impacto da marca, deu lugar à ameaças de excomunhão e pressões religiosas que inviabilizaram a empresa. Montou também uma firma de moer e torrar café, a Café Cruzeiro, que segundo Simões tinha um preço acessível: “E muito mais barato seria se não fosse o desgraçado do imposto”, segundo os anúncios que criava para divulgar o produto.
Inventou uma fórmula à base de tabaco para combater sarna e carrapatos, a Tabacina, que se manteve no mercado por dez anos. Para culminar este processo que passa da audácia empresarial para uma certa centelha de loucura, fundou a Empresa de Mineração do Taió. A mineradora tinha como alvo as lendárias minas de prata, localizadas em Santa Catarina. Um ferreiro esperto e que se apresentava como engenheiro lhe extorquiu belas somas, inclusive fundindo moedas comuns de prata para dar-lhe a ilusão das primeiras descobertas do rico tesouro. Ele amava Pelotas e queria trazer o progresso para a cidade. Suas empresas nunca deram certo, não porque as idéias não eram boas o suficiente, mas porque ele não era capitalista e sim um artista.
Aos 27 anos, casou-se com Francisca de Paula Meireles Leite, a Dona Velha, de 19 anos, no dia 5 de maio de 1892. O casal não teve filhos legítimos, mas adotou a menina Fermina de Oliveira Lopes, nascida em 1896. Apesar das inúmeras atividades que exercia, sempre foi um pai amoroso e dava atenção especial à filha.
Apesar de reduzida produção literária no que diz respeito à publicação, João Simões Lopes Neto teve uma expressiva contribuição intelectual ao regionalismo sul-rio-grandense. É intensa a valorização histórica do gaúcho, apresentando fidelidade aos costumes crioulos e à linguagem. Além de escritor, Simões Lopes foi jornalista e passou por vários estágios dentro da profissão como: cronista, redator, editorialista, secretário da redação, folhetinista e diretor de jornal. Aí estampou seus relatos, em uma linguagem que fugia dos padrões reconhecidos na época. Ninguém percebia a sua importância literária. Sua primeira aparição na imprensa pelotense ocorreu no jornal Pátria, de seu tio, Ismael Simões Lopes, onde criou a coluna Balas de Estalo.
Entre 15 de outubro e 14 de dezembro de 1893, J. Simões Lopes Neto, sob o pseudônimo de Serafim Bemol, em parceria com Sátiro Clemente e D. Salustiano, escreveram, em forma de folhetim, “A Mandinga”, poema em prosa no “Correio Mercantil”. Desconfia-se, porém, que nunca existiu Sátiro Clemente e D. Salustiano e ambos seriam o próprio Simões Lopes Neto, pois em toda obra está o seu estilo inconfundível.
Entre 1895 e 1913 reestabeleceu a coluna Balas d’Estalo no Diário Popular; em 1913 e 1914, sob o pseudônimo João do Sul, assinou as crônicas de Inquéritos em Contraste nas páginas de A Opinião Pública; de 1914 a 1915 ocupou a direção do Correio Mercantil; em 1916, voltou para A Opinião Pública com a coluna Temas Gastos.
Cidadão ativo e dono de uma visão progressista, que o distinguia dos demais membros de uma sociedade conservadora, criou a Sociedade Protetora dos Animais e o Clube Ciclista. Foi Conselheiro Municipal entre 1896 e 1900. Participou da diretoria de diversas entidades, como União Gaúcha, fundada em 1899 com sua participação e onde foi presidente por dois mandatos, e da Biblioteca Pública Pelotense. A União Gaúcha é o primeiro marco do tradicionalismo gaúcho no interior do Estado e que funciona até hoje com o nome de União Gaúcha João Simões Lopes Neto. Foi também professor e capitão da Guarda Nacional. Em 1910, como fundador, ingressou na Academia de Letras do Rio Grande do Sul, em Porto Alegre. Em 1911, a Revista da Academia de Letras do Rio Grande do Sul, publicou A Recolhida, como parte de um livro escolar que estava no prelo.
Escreveu também diversas peças de teatro. Pelotas, na época, dispunha do Teatro Sete de Abril, inaugurado desde 1833 e juntamente com outras casas de espetáculo integravam o convívio com a dança, a ópera e o drama aos hábitos culturais da cidade. Entre as peças escritas por Simões Lopes Neto, podemos destacar as comédias A viúva Pitorra, O bicho, Por causa das Bichas, Amores e facadas ou Querubim Trovão, o drama Nossos filhos e a cena breve Jojô e Jajá e não Ioiô e Iaiá, escrita em 1901.
Empobrecido, João Simões sobreviveu das atividades jornalísticas. Muitos pelotenses ainda o tratavam com deferência, por suas origens aristocráticas e seu caráter generoso; outros viam nele apenas um derrotado, um tipo que merecia piedade. Sofreu muito preconceito e não teve reconhecimento merecido em vida. O reconhecimento definitivo desta grande personalidade veio tarde, talvez porque ele escrevesse para o futuro e não para o presente.
J. Simões Lopes Neto publicou três livros em vida, todos lançados em Pelotas, pela Livraria Universal: Cancioneiro Guasca (1910), Contos Gauchescos (1912), Lendas do Sul (1913). A julgar, porém, pelos sonhos literários que acalentou, sua bibliografia era para ter sido bem mais volumosa. Ele próprio chegou a anunciar, por intermédio de seu editor, a existência de nada menos de seis outros livros, dois “a sair” (Casos do Romualdo e Terra Gaúcha) e quatro “inéditos” (Peona e Dona, Jango Jorge, Prata do Taió e Palavras Viajantes).
Embora as expressões “a sair” e “inéditos” estejam a indicar que todos os livros já existiam, em originais, é fora de dúvida que apenas um – Casos do Romualdo – chegaria a aparecer em vida do autor, ainda assim na forma de folhetim, e, em livro, apenas em 1952. Passados quarenta e dois anos da morte do escritor, apareceria o primeiro volume de Terra Gaúcha (os originais do segundo volume foram extraviados). Temos assim que, dos seis títulos dados naquela ocasião, como “a sair” e “inéditos”, somente Casos do Romualdo havia sido escrito, nenhum outro existindo na condição de obra pronta e acabada para ser composta e impressa ou para entrar efetivamente no prelo.
Quantos aos demais, foi profudamente lamentável que não tivessem passado de projetos irrealizados, malogro esse que cresce de vulto em relação a Peona e Dona e a Jango Jorge, sonhados ambos nos moldes apaixonantes de romances regionalistas. Um caso… não do Romualdo, mas do próprio Capitão João Simões. Bastava ter continuado a dar trela a Blau Nunes, o vaqueano. Não lhe faltaria gênio criador. Nem estilo. O de sua marca e sinal daria soberanamente. E com fartura.
Morreu em 14 de junho de 1916, em Pelotas, aos cinqüenta e um anos, de uma úlcera perfurada. Para arrecadar algum dinheiro, Dona Velha fez um leilão de toda a documentação do marido, mas ninguém se interessou. Então toda a obra do escritor se dispersou entre colecionadores, bibliotecas e museus.
Atualmente, J. Simões Lopes Neto e sua prosa ultrapassam os limites territoriais e expressam uma visão do mundo, o que torna sua literatura universal. Como prova disso, podemos encontrar traduções de sua obra em italiano, espanhol, inglês e até japônes.
(Fonte: www.ufpel.tche.br)