Frei foi a única alternativa civil teoricamente viável, até onde a vista alcançava, para a improvável hipótese de o governo desabar, os militares voltarem aos quartéis e ser constituído, no Chile, um governo provisório de união nacional, como sonhavam as oposições.
Foi um pedaço considerável da história do Chile
Eduardo Nicanor Frei Montalva (Santiago do Chile, 16 de janeiro de 1911 – Santiago do Chile, 22 de janeiro de 1982), ex-presidente chileno, da Democracia Cristã, o último governante eleito pelo povo a terminar seu mandato, que governou o Chile de 1964 a 1970, sendo o primeiro democrata cristão chefe de Estado das Américas, foi o principal líder de oposição e da mais evidente reserva moral do país.
O democrata-Cristão foi o líder político de maior prestígio no Chile e a voz mais influente e poderosa da oposição ao regime militar do general Augusto Pinochet. Eduardo Frei Montalva, então presidente do Chile, era oposição à Constituição elaborada pela ditadura de Augusto Pinochet.
Em vida, as relações de Frei com a ditadura militar conheceram fases distintas. Logo após o golpe de 1973, Frei, que se opusera crescentemente ao governo Allende de seu posto como presidente do Senado, acabou concedendo um relutante beneplácito ao putsch, que considerou “inevitável”.
Advertiu, porém, que “novos ódios não deveriam substituir os velhos ódios”. Após um período de relativo recolhimento a suas atividades como advogado, ele passou a uma oposição ativa, falando em favor de presos políticos, exigindo notícias sobre desaparecidos e denunciando como uma “farsa lamentável” o plebiscito de 1980, com o qual Pinochet fez aprovar uma Constituição e obteve um mandato como presidente até 1989.
Na verdade, o ex-presidente talvez tenha cometido um grave erro de cálculo em relação ao golpe, apesar de sua vasta experiência política iniciada na década de 30 – quando participou da fundação da Falange Nacional, embrião do futuro Partido Democrata Cristão – e que incluiu um cargo de ministro, outro de embaixador na ONU e três mandatos de senador. Muitos, como o professor Paul Sigmund, da Universidade de Princeton, um dos maiores especialistas americanos em assuntos chilenos, consideram que Frei não fez o que podia para evitar o golpe, seguro de que os militares fariam uma intervenção breve na vida política e convocariam em seguida eleições que o beneficiariam. De todo modo, quando ficou claro que isso não iria ocorrer, Frei acabou tendo um importante papel aglutinador, como um dos raros políticos de peso do Chile que permaneceram no país depois do golpe.
VAZIO – No limbo político, Frei procurou algum espaço também na cena internacional. Viajava, fazia conferências, foi um dos integrantes da Comissão Brandt para estudar as relações Norte-Sul e deveria ser o próximo presidente da União Mundial Democrata Cristã. Pôde, então, ampliar sua já enorme rede de contatos, que no Brasil tinha no topo da lista o senador Franco Montoro – ele, que visitou o Brasil como presidente em 1967, sendo recebido pelo então presidente Costa e Silva, esteve no país pela última vez em 1980. Ciceroneado por Montoro, recomendou prudência à oposição e almoçaram em São Bernardo do Campo.
No Chile, apesar de todo o seu prestígio, Frei foi apenas uma sombra incômoda a Pinochet, e não uma ameaça à sobrevivência do regime. Depois de êxitos consideráveis no combate à inflação e na manutenção do crescimento econômico, ainda que a um custo social considerado alto, é verdade que o governo passou nesta época por um período de dificuldades. O produto interno bruto, que cresceu até 1980 a uma média de 8% ao ano, recuou para 4% em 1981, e o desemprego, segundo estimativas confiáveis, superou 15% no primeiro semestre de 1981. No plano político, tudo continuou fechado: as organizações de defesa dos direitos humanos locais afirmaram que 600 pessoas foram presas por razões políticas em 1980, os partidos ainda estavam banidos, não existindo liberdade de imprensa. Não havia sinais de fissura à vista na rígida estrutura montada por Pinochet – mesmo porque não houve uma alternativa civil ao regime militar, uma situação de vazio que já existia com Frei e que, sem ele, se acentuou ainda mais.
COMPLICAÇÕES – Como presidente, Frei não conseguiu atingir os ambiciosos objetivos que pregava. As conquistas de seu período – como a reforma agrária, o início da “chilenização” do cobre, a principal riqueza nacional, e uma distribuição de renda que contemplou mais generosamente as classes menos favorecidas – acabaram comprometidas por graves dificuldades econômicas nos anos finais de seu mandato. Frei, além do mais, não formou uma base política suficientemente forte para eleger seu sucessor em 1970, e assim abriu caminho para o caótico período do presidente Salvador Allende e o trágico golpe militar que o depôs, em 1973.
Com Frei, suas ideias e sua gestão foram suficientes para lançar seu nome para fora das fronteiras do Chile, considerável coleção de líderes estrangeiros, capitaneados pelo ex-primeiro-ministro alemão Willy Brandt e contando com representantes especiais de vários chefes de Estado e diversos ex-presidentes latino-americanos, todos admiráveis do estadista que encarnou, na América Latina, a esperança de ser possível a “revolução com liberdade” que ele imaginou para o seu país e foi o lema de seu controvertido e pioneiro período de governo, de 1964 a 1970 – um processo de mudança que alterasse a face da sociedade fundamente e sem violência, conduzido por dirigentes eleitos pelo povo e com integral respeito aos direitos e garantias individuais.
Presidente do Chile entre 1964 e 1970, Frei fora internado na clínica Santa María, em Santiago, em 22 de janeiro de 1982, para ser submetido a uma cirurgia de hérnia de hiato. Na época, o país vivia sob a ditadura de Augusto Pinochet. Frei era um dos líderes do Partido Democracia Cristã, de direita, e fora opositor ao governo de Salvador Allende, derrubado em 1973 pelo golpe de Estado liderado por Pinochet.
Mas, desde 1980, liderava uma campanha de oposição à ratificação da nova Constituição escrita pelo regime e se consolidava como uma das vozes em favor da democracia. A ditadura militar de Pinochet matou mais de 3.200 mortos e torturou 38.000, segundo dados oficiais.
(Fonte: Veja, 27 de janeiro de 1982 – N° 699 – INTERNACIONAL – Pág: 32 / 34)
(Fonte: https://veja.abril.com.br/mundo – MUNDO / Por Da Redação – 30 jan 2019)
Justiça do Chile condena 6 por assassinato do ex-presidente Frei Montalva
Montalva liderava uma incipiente oposição à ditadura de Pinochet e morreu durante cirurgia digestiva de menor gravidade em 1982; envenenamento foi confirmado após exumação em 2006. Quatro médicos estão entre os condenados.
O juiz chileno Alejandro Madrid condenou nesta quarta-feira (30) seis pessoas por participação no homicídio do ex-presidente Eduardo Frei Montalva, em 1982.
O juiz, que faz parte do Tribunal de Apelações de Santiago, condenou um funcionário civil da Central Nacional de Informações (CNI), a polícia política da ditadura de Pinochet, o ex-motorista de Frei Montalva e quatro médicos que atenderam o ex-presidente na Clínica Santa María, onde ele morreu em 22 de janeiro de 1982.
A decisão é sem precedentes na história do Chile. Esta é a primeira vez que a Justiça condena alguém pelo homicídio de um presidente. Na sentença, de mais de 800 páginas, Madrid considera o médico Patrício Silva como autor do homicídio e decreta uma pena de dez anos de prisão, a maior entre os seis condenados.
Motorista pessoal do ex-presidente e informante do CNI, Luis Becerra, e Raul Lillo, agente civil da polícia secreta, foram condenados a sete anos de prisão como coautores do homicídio.
Pedro Valdívia, considerado como cúmplice do crime, recebeu uma pena de cinco anos de prisão, que poderá ser cumprida em liberdade. É o mesmo caso dos legistas Helmar Rosenberg e Sergio González, condenados a três anos de reclusão por, na avaliação de Madrid, terem ajudado os autores do homicídio a encobri-lo.
Frei Montalva, que liderava uma incipiente oposição à ditadura de Pinochet antes do assassinato, morreu durante uma cirurgia digestiva de menor gravidade na Clínica Santa María.
Depois de 19 anos de investigação, o juiz responsável pelo caso concluiu que o ex-presidente foi assassinado na clínica, uma hipótese defendida desde o início por Carmen Frei, filha de Frei Montalva, que entrou com a ação na Justiça do Chile.
A possibilidade de o ex-presidente ter sido envenenado no hospital ganha força desde 2006, quando seus restos mortais foram exumados. Três anos depois, Madrid confirmou que ele havia morrido após ser envenenado com substâncias tóxicas e começou a investigar a participação de mais pessoas no assassinato de Frei Montalva.
Justiça chilena condena seguidores de Pinochet pela morte de ex-presidente
Investigação do envenenamento de Eduardo Frei Montalva, presidente nos anos 1960, arrastou-se por 19 anos; caso é uma das feridas da ditadura
A Justiça do Chile condenou nesta quarta-feira, 30, seis colaboradores da ditadura militar de Augusto Pinochet pelo assassinato do ex-presidente Eduardo Frei Montalva, em janeiro de 1982. Os réus foram condenados a penas que variam de três e 10 anos de prisão por responsabilidade pelo crime.
Ao final de mais de 19 anos de investigação, o juiz Alejandro Madrid apresentou suas argumentações sobre o crime e seus responsáveis em um relatório de 810 páginas. Os condenados, entre os quais o médico Patricio Silva Garín, foram acusados por “homicídio simples por envenenamento após uma intervenção cirúrgica”.
Presidente do Chile entre 1964 e 1970, Frei fora internado na clínica Santa María, em Santiago, em 22 de janeiro de 1982, para ser submetido a uma cirurgia de hérnia de hiato. Na época, o país vivia sob a ditadura de Augusto Pinochet. Frei era um dos líderes do Partido Democracia Cristã, de direita, e fora opositor ao governo de Salvador Allende, derrubado em 1973 pelo golpe de Estado liderado por Pinochet.
Mas, desde 1980, liderava uma campanha de oposição à ratificação da nova Constituição escrita pelo regime e se consolidava como uma das vozes em favor da democracia. A ditadura militar de Pinochet matou mais de 3.200 mortos e torturou 38.000, segundo dados oficiais.
O juiz Madrid condenou o médico Patricio Silva Garín à pena efetiva de 10 anos de prisão como autor do homicídio. Ele liderou uma operação para fornecer veneno a Frei. Outro médico, Pedro Valdivia, foi condenado a cinco anos de prisão como cúmplice do homicídio.
Luis Becerra Arancibia, motorista pessoal do presidente e informante da Inteligência da ditadura, e Raúl Lillo Gutiérrez, agente civil da Central Nacional de Inteligência (CNI), pegaram sete anos de prisão na condição de coautores do crime. Os agentes forenses Helmar Rosenberg e Sergio González acobertaram o assassinato e terão de cumprir três anos de prisão.
A investigação das causas da morte foi motivada especialmente pela filha do ex-presidente, a ex-senadora Carmen Frei, segundo o jornal chileno La Tercera. “O regime decidiu que teria de eliminá-lo e pôs em marcha uma trama premeditada, na qual atuaram muitas pessoas com propósitos definidos”, afirmou ela, depois de lida a sentença. “Nada do que ocorreu em torno da morte do meu pai foi acidental ou fruto de azar.”
A condenação dos seis envolvidos no crime foi comemorada pelos principais líderes políticos chilenos. O ex-presidente Ricardo Lagos afirmou ser hoje um “dia histórico para a Justiça do Chile”.
“Pode haver divergências na política e na forma de se entender as tarefas do Chile no futuro, mas nunca o assassinato pode ser opção diante da impossibilidade de se entender”, afirmou. “Durante seis anos, não compartilhei as posições do presidente Frei. Logo, entendemos que, talvez por causa dessa divisão, o Chile caiu nessa longa noite”, completou, referindo-se à ditadura.
O atual presidente chileno, Sebastián Piñera, afirmou que fizera o processo de investigação sobre a morte de Frei caminhar em seu governo anterior (2010-2014). “No nosso país, a busca da verdade, a busca pela Justiça, é algo que não faz bem apenas à família do presidente Frei, mas à alma do nosso país”, disse Piñera.
(Fonte: https://veja.abril.com.br/mundo – MUNDO / Por Da Redação – (La Tercera/AP) – 30 jan 2019)