O primeiro músico negro com programa patrocinado no rádio

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O primeiro ídolo da música popular da era industrial

O primeiro músico negro com programa patrocinado no rádio

As duas mortes do jazz de Armstrong

Louis Armstrong (New Orleans, 4 de julho de 1900 – Nova York, 6 de julho de 1971), trompetista, cornetista, compositor, cantor e show-man, é o primeiro grande solista que o gênero conheceu. Ele nasceu no berço do Jazz, New Orleans, em 1900. Foi num reformatório que começou a tocar e se transformou no maior nome da história do jazz. Marcou como instrumentista e cantor. Tinha uma forma toda pessoal, criou um estilo e até hoje tem muitos seguidores. Em 1967, lançou a canção What a Wonderful Word, de Bob Thiele e George Weiss.

Louis Armstrong, pode ter levado definitivamente para o túmulo igualmente ilustre e admirável: o jazz tradicional. Muitas de suas últimas pulsações e parte dos traços mais vigorosos do estilo primitivo viviam ainda na imagem do velho gordo e sorridente, empunhando em suas apresentações alternadamente o trompete e o lenço branco. Ao lado de Ella Fitzgerald, Duke Ellington e poucos seguidores, Louis Daniel Armstrong, o “Pops”, o “Bôca de Saco” (“Satchmo”), “Bocão” (“Dippermouth”), “Bôca de Portão” (“Gatemouth”), tinha se adaptado para sobreviver. Não foi perdoado pelos críticos mais radicais, que praticamente omitiam de sua biografia os vinte últimos anos de atividades – “excessivamente comerciais”. Para estes, ele era apenas o show-man engraçado ou o músico capaz de interpretar com a mesma despreocupação “C est Ci Bon” ou mais recentemente “Give Peace a Chance”, de John Lennon.

As organizações negras menos pacíficas foram um pouco além dos reparos da crítica. Depois de cerrada campanha de desmoralização – ele era caricaturado nos jornais como um “uncle Tom”, imagem do preto submisso, extraída de “A Cabana do Pai Tomás” -, fizeram um atentado contra sua casa em New Orleans. Nada disso, porém, chegou a afetar sua popularidade. Ao seu enterro, compareceram Nelson Rockefeller e Duke Ellington, Ella Fitzgerald e Dizzie Gillespie, além de uma legião de músicos de jazz e show business. O presidente Nixon e o Departamento de Estado enviaram representantes, e os músicos de New Orleans reuniram-se para tocar um réquiem especial, à maneira dos primeiros tempos, quando el era um pobre menino negro.

O menino – Louis Armstrong nasceu dia 4 de julho de 1900 num dos trechos mais populosos de New Orleans, na Perdido Street, filho de uma lavadeira e um operário que alguns anos depois se separaram. Cresceu no bairro pobre e seus primeiros salários vinham das brincadeiras que costumava fazer pelas ruas com seus amigos. Reuniam-se em grupos e cantavam em troca de algumas moedas que depois dividiam. Aos treze anos, um incidente precipitou o início de sua carreira. Bêbado, com sua turma, disparou tiros para o ar comemorando o Ano Novo. Foi preso e encaminhado para uma casa de correção onde começou a fazer parte da banda, que em pouco tempo estava chefiando. Quando saiu tinha um caminho e um ídolo: o jovem cornetista (que logo passaria ao trompete) seguia atentamente as lições de Joe Oliver, o “King” Oliver, a mais importante figura do jazz na época. Para ajudar em casa, ele foi leiteiro, entregador e carvoeiro durante o dia, e começou a tocar em botecos à noite em Storyville. Unia ao salário normal algumas moedas e começava a ganhar a admiração de velhos jazzistas que também o encontravam nas bandas de quase todos os funerais de New Orleans.

O iniciante – King Oliver logo ficou sabendo do “discípulo” e passou a protegê-lo e orientá-lo. Com o fechamento dos prostíbulos de New Orleans, o jazz mudou-se para Chicago e com ele Louis Armstrong, o mais recente contratado de Kling Oliver. Outro roteiro do novo músico – os barcos com shows, no Mississipi – contribuiu para fortalecer o iniciante: pela primeira vez defrontou-se com pautas de música e começou a aprender as notas e desenvolver seu sentido de improvisação. Seu primeiro casamento, com Daisy Parker, estava desfeito – e ele conhecera Lil Hardin, pianista de Oliver, sua nova companheira. Ela o aconselhou a procurar outra orquestra, onde pudesse se projetar sozinho, e ele aceitou o convite de Fletcher Henderson para mudar-se para Nova York. Segundo o crítico e teatrólogo Leroi Jones, foi uma mudança importante para o próprio jazz: “A capital saía de Chicago para Nova York e o jazz primitivo, de improvisos coletivos, ingressava na era do solista”. Rex Stewart, um dos trompetistas mais famosos do Harlem, dá uma medida da chegada de Louis a seu novo domínio: “Ele já era o homem do momento e, como toda a cidade, eu falava, andava e comia à sua maneira. Além disso comprei os sapatos de sola grossa do Exército da Salvação que ele usava”.

O ídolo – À primeira fase de adoração do ídolo correspondia seu melhor momento musical. De 1920 a 1933 ele gravou com as cantoras de blues Bessie Smith e Ma Raney, participou de várias orquestras de estúdio e formou dois importantes grupos, o Hot Five e Hot Seven, certamente uma das poucas épocas em que Armostrong teve músicos à altura de seu talento de improvisador. Transcritas para a pauta, estas passagens – principalmente as de “Terrible Blues”, “S.O.L. Blues” e “Mahogany Hall Stomp” – mostram que ele praticamente compunha uma nova música nesses intervalos, com princípio, meio e fim. “Heebie Jeebies”, gravada em 1927 com o Hot Five, é considerada o marco inicial do “scatsinging” – improviso sem palavras – criado por Armostrong no estúdio quando precisou passar por um trecho em que tinha esquecido a letra. Outra criação atribuída a ele é a da palavra “swing”, denominando um novo estilo de tocar, para o qual tinha contribuído decisivamente. Teria dito sobre o saxofonista Coleman Hawkins: “He swings!”: e com sua autoridade tinha lançado a expressão.

O internacional – Em 1932, Armstrong iniciou nova fase: a de artista internacional. Com orquestra própria fez suas primeiras exibições em Londres. Seu grande sucesso o fez voltar à Europa em 1933, com sua terceira mulher, Alpha. Numa exibição em Londres rompeu pela primeira vez os lábios depois de algumas horas de trompete, terminando o espetáculo com a roupa suja de sangue. A volta triunfal da Europa trouxe para Armstrong um novo público: os brancos passaram a integrar o grande grupo de seus admiradores e, em 1937, foi o primeiro músico negro com programa patrocinado no rádio. Com a orquestra de Leon Russel, Armstrong tornou-se também showman e pouco depois era chamado a participar de filmes em Hollywood. Em 1940, nos Estados Unidos, surgiu um movimento que pregava a volta às raízes do jazz e Louis foi um de seus principais cultores, principalmente com o grupo que formou, o All Stars: tinha entre outros o pianista Earl Hines e o trombonista Jack Teagarden. Dez anos depois, sua influência já transcendia o campo musical: foi chamado pelo Departamento de Estado americano para ser uma espécie de embaixador cultural do país. Fez várias turnês pela Europa, visitou a África e em 1957 a América Latina, com sua quarta mulher, Lucille.

O formador do jazz – O poder de Armstrong é explicável. Além de primeiro ídolo da música popular da era industrial, ele foi um dos principais formadores do jazz, fixando suas bases (“tudo que toco vem dos vinte anos que passei em New Orleans”) e desenvolvendo seu estilo. Praticamente todos os trompetistas do jazz reconhecem a influência do toque enérgico e metálico de Armstrong e mesmo outros instrumentistas, como o pianista Earl Hines, dizem ter desenvolvido uma técnica própria usando seus velhos modelos. Nos últimos anos de carreira, Armstrong ainda conservava em certas passagens sua grande vitalidade musical. Em “Louis Country & Western Armstrong”, seu mais recente LP lançado no Brasil, ele passa por velhos temas regionais – como “Wolvertoun Mountain” – usando a voz, como nos primeiros tempos, para sublinhar certas palavras, ou criar uma flexão nova às frases musicais. Muitas vezes prolonga sua emissão apenas ciciando as últimas sílabas ou substitui versos por uma risada rouca e estimulante. Em tais ocasiões ele justifica uma carreira tão brilhante quanto longa, onde resistiu à multiplicação de estilos e tendências da música americana. Num certo sentido, com o trompetista, cantor, compositor e show-man Louis Armstrong morreu a essência do jazz.

(Fonte: Veja, 14 de abril de 1971 – Edição 149 – MÚSICA – Pág; 76)
(Fonte: Zero Hora – 1° de março de 2009 – Esportes – Pág; 36)

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