Dalva de Oliveira: a Rainha da Voz
Dalva de Oliveira (Rio Claro, São Paulo, 5 de maio de 1917 – Rio de Janeiro, 31 de agosto de 1972), cantora de música popular brasileira.
1917 – Nasce em Rio Claro, São Paulo, Dalva de Oliveira, cantora de música popular brasileira, falecida em 31 de agosto de 1972, no Rio de Janeiro.
Ela vivia de cruzar as mãos no peito. Sua voz aguda, dramática e exasperada sugeria uma cantora de ópera deslocada nos auditórios. Atravessou quatro décadas cantando amores fracassados, vinganças e desencantos. E era a porta-voz de um rebanho imenso: nos catálogos da única gravadora para a qual trabalhou, a Odeon, existem pelo menos 427 músicas na voz de Dalva de Oliveira. Quando ela morreu, no dia 31 de agosto, no Rio de Janeiro, aos 55 anos de idade, estava desenganada He pelo menos seis meses.
Na véspera, o babalorixá Derê havia apenas começado a sua obrigação de salvar a vida de Dalva, numa última e desesperada tentativa para vencer a hemorragia sem fim que há dias mantinha a cantora entre o estado de coma e o sofrimento. Disse ele: “Tem coisa-feita para ela. São 63 escravos, sem luz, que perturbam a vida de Dalva”.
Num certo sentido, a morte dramática de Dalva de Oliveira começara sete anos antes, quando seu carro, dirigido por um dos seus últimos amores, Manuel Nuno Carpeinteiro, atropelou e matou três pessoas em Copacabana. Dalva, muito machucada, internou-se várias vezes e nos anos seguintes seu estado piorou com o aparecimento de doenças no fígado e no esôfago.
Predestinada – Na época do desastre, em 1965, Dalva estava começando a ser esquecida. Os meses que passou sem contratos na televisão foram preenchidos por pequenos shows no interior e pela sua persistência em manter um estilo de vida: embora com pouco dinheiro para viver, continuava morando numa bela mansão em Jacarepaguá, que vale uma fortuna. Cultivava para si mesma as prerrogativas de uma diva. Para alguns, ela era justamente isso, embora falando a linguagem de tangos, boleros e sambas.
Como a letra de muitas de suas músicas, a vida de Dalva de Oliveira parece marcada por uma noção de destino. Paulista de Rio Claro, ela herdou do pai, músico, o gosto e a vontade de estudar canto.
Dalva chamava-se então Vicentina de Paula Oliveira e aos oito anos já era famosa na cidade porque cantava em todas as festinhas (o nome Dalva, escolhido por ela mesma, surgiria aos quinze anos, e em muitas outras festinhas e empregos variados jamais escondeu a voz). Estreou no teatro em Belo Horizonte, cantando a música “Jornaleiro”, e, como era menor, sua mãe também foi incluída no elenco da peça. Foi para o Rio de Janeiro trabalhar numa fábrica de chinelos e depois passou para o elenco de contratados de uma rádio mais tarde extinta. Tinha então dezessete anos.
Daí para a frente, Dalva de Oliveira sobreviveria a épocas e estilos. Conheceu, em 1936, Herivelto Martins (que formava, então, com Francisco Sena, depois substituído por Nilo Chagas, a dupla Branco e Preto) e casou-se com ele: nascia, ao mesmo tempo, o Trio de Ouro, um dos mais célebres grupos vocais brasileiros (“Ave Maria no Morro”). Quando o grupo acabou, em 1950, Dalva separou-se de Herivelto (tiveram dois filhos: o cantor Pery Ribeiro e Ubirajara) e abriu com ele uma guerra musical de recriminações conjugais. Durante dois anos chegaram às paradas de sucessos músicas como “Errei, Sim”, “Cabelos Brancos”, “Eu Errei, Confesso”, “Não Devo Insistir”, “Quem Será?”, ataques e contra-ataques ruidosos de duas pessoas ressentidas.
Permanente – Entre seus feitos menos conhecidos está o de ter colocado agudos nas gravações de Cármen Miranda. Entre os mais, o seu estilo em cena. Ágil contorcionista, comportando-se como uma espécie de Edith Piaf brasileira e como a americana Billie Holiday (com a qual os intelectuais a compararam, anos depois) sofrendo a cada canção e a cada copo, Dalva de Oliveira conseguia nos anos 50 um sucesso mundial, Kalu (Kalu/ Kalu/ Tira o verde desses óios/ De riba deu). Sua voz – ampliada e multiplicada pelas câmaras de eco no famoso “Babalu” – vem do fundo dos anos 40 e 50, e por isso pareceu muito tempo misturada à cacofonia (Francisco Alves, Nélson Gonçalves, Vicente Celestino, Ângela Maria, Emilinha Borba) de outras vozes do período. Mas a sua tinha algo especial, como já percebera na época o compositor Heitor Villa-Lobos. Ele, nas suas aulas no Conservatório Brasileiro de Música, usava os discos de Dalva como exemplo do que considerava agudos perfeitos.
O público também a achava perfeita. Ela venceu a fase de decadência do rádio e até 1964 sua carreira continuou sólida; adaptando-se rapidamente à televisão, tinha sempre pelo menos uma gravação na parada de sucessos (na década de 50 chegava a ter seis). Com seus agudos lancinantes, superava até os momentos mais sentimentais de seu repertório pouco comedido.
“Mimosa” – O acidente fastou-a por cinco anos dos estúdios, mas uma volta quase triunfal estava destinada a ela em 1970. Recebia elogios dos músicos novos e ao mesmo tempo retomava seu velho lugar junto ao público, com gravações como “Bandeira Branca” e “Lágrima” e dois LPs adaptados ao gosto do momento, com músicas de Chico Buarque de Hollanda e Juca Chaves. Um dos seus últimos discos foi o bolero “Você Mudou Demais”, de título algo profético: se tivesse continuado, a grande cantora de samba-canção retomaria um ciclo capaz de emocionar plateias de várias tendências e gostos.
Diáfana, distante, sofrida, a magra figura da Dalva de Oliveira dos últimos tempos ganhara o carinho e o apelido Mimosa do seu mais recente e alegre grupo de admiradores. Continuava cruzando as mãos no peito e sorria ao ouvir o apelido: para quem desrespeitou todas as regras convencionais de bom gosto no repertório, ele devia soar como um hino de vitória a mais num coro de admiradores tão numeroso quanto variado.
(Fonte: Veja, 6 de setembro, 1972 Edição n° 209 – Música – Pág; 79/80)
(Fonte: www.correiodopovo.com.br – ANO 116 – Nº 217 Cronologia – 5 de maio de 2011)
Uma relação intensa, dentro e fora dos palcos, entre uma grande cantora e um compositor notável. Dalva de Oliveira e Herivelto Martins, ícones brasileiros da saudosa “Era do Rádio”, marcaram época não só com suas vozes e letras, mas também – e principalmente – pelos conflitos conjugais. A mistura do amor puro de uma cantora pelo autor de seus sucessos com sua decepção por ser tratada como mera fonte de renda é o enredo que permeia os cinco capítulos de Dalva e Herivelto, Uma Canção de Amor, minissérie que estreia nesta segunda (4), na Globo. “Para um escritor, essa é uma história irresistível, pois tem todos os ingredientes: paixão, traição, ciúme, agressão e momentos de alta dramaticidade”, diz a autora Maria Adelaide Amaral.
A minissérie retrocede no tempo a partir de 1972, quando Dalva – interpretada por Adriana Esteves – em seu leito de morte, aguarda uma visita do primeiro marido e único e verdadeiro amor, Herivelto, papel de Fábio Assunção. A partir daí, o público confere a trajetória do casal desde a época em que se conheceram, em 1936, no teatro Pátria, em São Cristóvão, na Zona Norte do Rio. Sendo assim, a história retrata cinco décadas diferentes, o que não foi fácil para a equipe. “As pessoas que estão vivas e conviveram com o casal nos ajudaram. Mas foi difícil achar locais no Rio de Janeiro que ainda tenham a arquitetura do período”, explica Dennis Carvalho, responsável pela direção.
Apesar de fazer questão de cuidar de todos os detalhes de Dalva na carreira musical, Herivelto não dá atenção à mulher fora dos palcos. Mulherengo, coleciona conquistas extraconjugais, até que se apaixona pela aeromoça Lurdes, de Maria Fernanda Cândido, que conhece durante um voo. Começa aí a tumultuada separação dos músicos, que ganhou as páginas dos jornais, as letras de músicas da época e atraiu a curiosidade de multidões no fim da década de 40. Tanto que o casal chegou a perder a guarda dos dois filhos. A relação, na verdade, teria findado antes, não fosse o medo de Herivelto de destruir a própria carreira e, é claro, deixar de ganhar os cachês gordos pelas apresentações do Trio de Ouro, do qual fazia parte com a mulher e o cantor Nilo Chagas. Um comportamento que não foi julgado pelos atores. “A verdade mesmo a gente nunca vai saber, ficou com eles. O que temos são versões de uma mesma história de anos que está resumida em cinco capítulos. Se quisessem, daria para fazer uma novela”, argumenta Adriana Esteves.
Para retratar os dois palcos dos principais shows dos músicos, a equipe de cenografia precisou trabalhar duro. O cenário da Rádio Nacional foi construído na própria Central Globo de Produção, com medidas próximas das reais. Já o Cassino da Urca foi ambientado no Palácio Quitandinha, em Petrópolis, na região serrana do Rio de Janeiro. Uma tarefa que serviu como um certo resgate também para o diretor de arte Mário Monteiro. Isso porque foi seu pai, o arquiteto Alcibíades Monteiro, quem projetou tanto o Quitandinha quanto o Cassino da Urca. “A estrutura e o padrão dos dois lugares são os mesmos. A principal diferença está no palco, que no Cassino da Urca era avançado, iluminado e cobria a pista de dança. Essa adaptação foi feita no Quitandinha, com a inclusão de uma pista de acrílico”, diz Mário.
Para garantir a coerência com a história dos músicos e as épocas retratadas, foram pesquisadas biografias não só dos personagens principais, mas de todos os que aparecem na minissérie. Além disso, a equipe teve acesso às correspondências amorosas trocadas por Herivelto e Lurdes e aos artigos publicados na série Por Que Deixei Dalva de Oliveira, que o compositor escreveu. Quanto ao material audiovisual, foram encontradas fotos e gravações do período. “Utilizamos inúmeros acervos, como o da Cinédia. Obtivemos também os depoimentos em áudio do Herivelto, da Dalva e de Grande Otelo, gravados pelo Museu da Imagem e do Som carioca”, conta a pesquisadora e escritora Letícia Mey.
As mudanças ocorridas no Rio de Janeiro foram tratadas através de recursos de computação gráfica. Na década de 30, por exemplo, não havia asfalto. Para driblar isso, tapetes foram usados, imitando paralelepípedos. Ares condicionados, fios, postes, a ponte Rio-Niterói e outros objetos e monumentos que não haviam na época foram removidos das imagens. Além disso, os “stock shots” também foram criados em computadores, principalmente aqueles que retratam períodos importantes. “A construção da própria ponte Rio-Niterói, do Maracanã e a duplicação da Avenida Atlântica são algumas das cenas que poderão ser vistas na obra”, adianta a produtora de efeitos visuais Paula Souto. Dalva e Herivelto, Uma Canção de Amor – Estreou segunda, dia 4 de janeiro, na Globo.
(Fonte: www.diversao.terra.com.br TV 4/1/2010)