Asturias (1900-1974)
Miguel Angel Asturias (Cidade da Guatemala, 19 de outubro de 1900 Madri, 9 de junho 1974), escritor e novelista guatemalteco de (“O Senhor Presidente”, “Duas Vezes Bastardo”).
Quando aprendia a ler, os tiros dos fuzilamentos de prisioneiros políticos pontilhavam sua decifração assustada da cartilha infantil. Aos 18 anos, seus primeiros versos foram interrompidos por um terremoto. E, aos 67, recebeu o maior prêmio mundial de literatura, criado graças a Alfred Nobel, inventor da dinamite. Era, afinal, o justo tributo ao novelista que sempre considerara a palavra uma poderosa munição para as mudanças sociais.
De fato, nem depois de morto, Miguel Angel Asturias consegue escapar às lutas que marcaram toda a sua vida. Sucumbindo no dia 9 de junho, aos 74 anos, de câncer intestinal (“Agora a revolução – dos glóbulos brancos – instalou-se em mim”), seus despojos foram macabramente disputados pelas autoridades de seu país, a Guatemala, que os reivindicaram ao cemitério Père Lachaise, em Paris.
Totem de milho – Como as rajadas de uma metralhadora, o itinerário de Asturias correu num ziguezague entre a França e a Guatemala, e escavou corajosamente trincheiras contra os caudilhos sinistros da América Latina. “Nossa literatura é feita por revoltosos e exilados”, afirmava constantemente, com sua voz grave e pausada, destacando seu soturno perfil de cacique maia. Foi no exílio (em Paris), efetivamente, que Asturias evocou, com “O Senhor Presidente”, a terrível ditadura de Estrada Cabrera, que banira seu pai, juiz, da capital, depois que ele se recusara a condenar estudantes inocentes aos cárceres sádicos da Seguridad del Estado. E, como sua vida, sua obra também vacilou, pendularmente, entre opções diferentes: a consciência política e a magia dos índios, o engajamento com uma esquerda romantizada e o fascínio pelo surrealismo francês de André Breton e Paul Éluard.
Criança ainda, Asturias escutava deslumbrado histórias de piratas espanhóis invadindo as costas da Guatemala e de tesouros que os índios escondiam no quintal. Depois, suas recordações sobre o calendário mágico dos quichés e suas lendas a respeito do deus Popol Vulh, que tirou os homens de um totem de milho, lhe valeram seus melhores momentos literários, em “Leyendas de Guatemala” e “Los Hombres de Maíz”.
Paul Valéry, o grande poeta que teve uma influência decisiva em sua vida, deslumbrou-se com a riqueza de imagens, com a ilogicidade das situações e a fecunda imaginação nativas. Aquelas lendas eram para ele “como um filtro, pois este mais que um livro que se lê, se bebe. Eu me sentia absorver o suco de plantas inacreditáveis ou uma cocção de flores que capturam os pássaros e os tornam sem peso”. Valéry também aconselhou o jovem autor, que estudava na Sorbonne mitos e religiões da América Central, a voltar para seu país natal: só lá ele teria raízes autênticas e vingaria como escritor.
Literatura de combate A Guatemala, porém, foi alternadamente madrinha e madrasta de seu supremo narrador. Conforme o termômetro político se aproximava da ditadura ou do socialismo, Asturias combatia (“Já empunhei o fuzil quando foi necessário”) ou era despojado de sua nacionalidade. Durante anos, ficou sem documentos, como turista em seu próprio país, forçado a renovar seu visto de permanência no México, a cada quinze dias.
Em 1968, voltando novamente do exílio, foi recebido por centenas de estudantes e de índios. Enquanto os universitários o envolviam numa bandeira nacional ainda ensanguentada pela morte de um colega que combatera o ditador, os indígenas o chamavam em coro rítmico de filho único de Tecunumán, o chefe maia que se revoltou contra o invasor espanhol Pedro Alvarado.
Por essas convulsões sísmico-políticas, ele acolheu dalorosamente o Prêmio Nobel concedido a Alexander Soljenítsin: “Não creio que haja surgido um escritor com a sua capacidade criativa e de projeção da realidade, com tal plasticidade e com a força dolorosa, angustiosa, terrível, da obra deste russo. É muito interessante que o júri de Estocolmo olhe para a literatura de combate. Quando me deram o prêmio, e agora, quando o deram a Soljenítsin, pensou-se na literatura de combate, não na literatura de salão. Pensou-se na literatura que luta, que defende, que denuncia, que protesta”.
Todos os grãos – Generoso, idealista, sem malícia em seu ingênuo marxismo sentimental ele irmanava, retoricamente, a pena à espada e dedicava sua criação à denúncia da fome, da miséria, da injustiça, atribuindo à máquina de escrever o poder bélico de um canhão. Como os muralistas mexicanos e seus afrescos grandiloquentes, e em certos momentos majestosos na dignidade e na diagnose profunda do totalitarismo, sua obra tem o valor documental de um testemunho jurídico e inflamado: “Sempre escrevi e escrevo para defender os interesses e os direitos do povo da Guatemala”.
Em seu país ele é evocado mais como um Émile Zola que acusou a exploração duplamente frutífera da United Fruit Company. Para a literatura, contudo, Miguel Angel Asturias será lembrado pela perfeição de sua fantasia mítica ao incursionar pela pluri-realidade índia que só os Casta^neda de hoje observam como tardios Colombo.
Ao lado da sinceridade de um coração puro e comovido, fica a mensagem esplêndida de um escritor que acreditou no irracional como contribuição senão como solução da condição humana: a do fantástico filho do deus do milho que se sentia um grão de espiga, com seu sentido fraterno da solidariedade humana de tolerância de experiências alheias à sua índole como a do “noveau roman” francês, que aprovava com amplidão de visão. Pois reconhecia que “um grão de milho não faz a espiga. A espiga está formada, afinal, por todos os grãos de milho”.
Asturias já havia sido internado em 11 de maio de 1974, aos 75 anos, em Madri, ao sentir-se mal (doença nas vias respiratórias) quando visitava a Espanha em viagem de férias e foi levado para uma clínica, sua mulher, Branca, atribuiu o agravamento do seu estado aos esforços para concluir seu livro Duas Vezes Bastardo.
(Fonte: Veja, 19 de junho de 1974 – Edição n° 302 LITERATURA/ Por Leo Gilson Ribeiro – Pág; 97/98)
(Fonte: Veja, 22 de maio de 1974 – Edição n° 298 DATAS – Pág; 16)
(Fonte: Veja, 27 de agosto de 1969 Edição n° 51 LITERATURA Pág; 56/57)