Donald Cammell
Donald Seton Cammell (Edimburgo, Reino Unido, 17 de janeiro de 1934 – Hollywood, Flórida, 24 de abril de 1996), escritor e cineasta escocês, co-realizador (com Nicolas Roeg) de “Performance” (1970), drama estrelado por Mick Jagger, e o crítico David Thomson, autor do livro “Suspeitos”, e o ator norte-americano Marlon Brando (1924-2004), que propõe continuações para a vida de diversos personagens cinematográficos.
O primeiro filme que Donald Cammell co-dirigiu foi The notável Performance (1970), uma violenta e sexualmente ambígua história de gangsters do East End e uma estrela do rock reclusa que brutalmente apagou o fim dos anos 60. Foi uma exploração do papel do indivíduo na sociedade, e o sistema não gostou muito do fato. As críticas na época eram variadas, mas a mais memorável talvez tenha sido John Simon, da revista New York, que disse que foi “o filme mais vil já feito”.
A performance não foi apenas radical, foi uma empolgante obra de arte – quebrando barreiras pela primeira vez. Rapidamente se tornou um marco do dia, e muitas de suas técnicas – corte transversal, som que não se relacionava com a imagem, sua edição inteligente e desarticulação geral – tiveram uma influência incrível no trabalho de outros diretores. Tornou-se e ainda é um filme de culto. A casa na Lowndes Square usada no filme, pertencente ao capitão Leonard Plugge MP, se tornou o alvo do jornalismo investigativo popular – foram feitas perguntas sobre o que estava acontecendo nesta respeitável comunidade de Belgravia e se drogas reais estavam sendo usadas no filme. James Fox, sua estrela, achou a experiência de tornar Performance – e seu tema – tão perturbadora que se aposentou por 15 anos.
Ele foi educado em Westminster, mas saiu cedo para se concentrar na arte. Depois de estudar desenho e pintura na Byam Shaw School of Art, ele ganhou uma bolsa para a Royal Academy Schools e mudou-se para Florença para estudar com Pietro Annigoni. De volta a Londres, ele se tornou um pintor de retratos da moda. Seus temas incluíram o fotógrafo da sociedade Claude Virgin III Jnr e sua gaiola, e o jovem marquês de Dufferin e Ava vestido como um pajem na coroação da rainha.
Em meados dos anos cinquenta, Chelsea e King’s Road acenaram. Cammell mudou-se para um estúdio em Flood Street que, graças ao seu talento e charme, se tornou a meca para um número notável de mulheres bonitas e um ponto de encontro para a multidão “in”, incluindo Antony Armstrong-Jones. Uma das mulheres era Maria Andipa, atriz grega (que mais tarde participou dos filmes A High Wind in Jamaica, 1965, e From Russia With Love, 1963), com quem se casou aos 20 anos e com quem teve um filho .
Em meados da década de 1960, Cammell estava incomodado com Londres. Ele queria viver uma vida “moderna” e achava a pintura de retratos restritiva, mas a arte abstrata era estranha para ele. Na esperança de encontrar uma perspectiva diferente, ele se mudou primeiro para Paris e depois para Los Angeles.
O primeiro filme que escreveu foi Duffy em 1967, estrelado por James Coburn e James Fox, mas ele não gostou do resultado final. Ele claramente pensava que escrever e dirigir juntos era o seu destino – assim ele teria o controle de seu material. Pouco depois, ele escreveu Performance e, ajudado por sua amizade com Mick Jagger, convenceu a Warner Bros a lhe dar a chance de fazer sozinho. Uma equipe foi formada com Sanford Lieberson como produtor, o cinegrafista Nicholas Roeg como diretor adjunto e o irmão mais novo de Cammell, David, como produtor associado.
Filmado em 1969, o primeiro corte revelou um dos primeiros filmes realmente adultos. Warner Bros ficou horrorizado e queria enterrá-lo. No entanto, apesar das opiniões divididas, o filme foi finalmente lançado dois anos depois, em 1972.
Certamente Performance assustou e provocou, e deveria ter fornecido uma porta de entrada para a carreira subsequente de Donald Cammell. Infelizmente, Hollywood pensou de forma diferente. Em vez disso, Cammell sobreviveu desenvolvendo e roteirizando incontáveis roteiros, incluindo White of the Eye (1987) e Demon Seed (1977), nos quais Julie Christie deu uma de suas maiores atuações.
The Wild Side, estrelado por Christopher Walken e Joan Chen, foi filmado no ano passado, mas Cammell não gostou do corte feito pela New Image, a produtora, e retirou seu nome dos créditos. Outros roteiros envolvendo Marlon Brando, “Jericho” e “Fantan”, estrearam mais tarde.
Making of
É inevitável cogitar que essa história, a do making of de “Fan-Tan”, renderia provavelmente material ainda mais interessante do que o longa de ação um dia planejado por Brando e Cammell. A rigor, ela constitui camada paralela do romance, alimentada na apresentação por China Kong, viúva do cineasta, e reforçada no posfácio por Thomson.
Não é convencional, portanto, o convite à leitura dessa aventura sobre um pirata da década de 20. Pede-se mais um tanto de imaginação: não só a que visualizaria Brando e Cammell se divertindo em manhãs dispersas de trabalho no Taiti, às voltas com personagens cínicos em situações folhetinescas, mas também a que rodaria na cabeça o filme hipoteticamente nascido daqui.
Estava reservado a Brando o papel principal, o do escocês Anatole Doultry, ou Annie, o “grande urso branco”, 1,86 m e 100 kg. No início, o encontramos confinado em uma prisão de Hong Kong cujo principal divertimento são corridas de baratas.
Embora gente da pesada passe um tempo ali, Annie (também conhecido como capitão Doultry) se vira bem. Ao sair, promete se regenerar, mas uma mulher poderosa e fatal, madame Lai, o atrai de volta à vida nos mares.
Seria um filme repleto de menções a filmes, que sobrevivem no romance. E também de citações e referências à literatura de aventura e à mitologia criada em torno de piratas.
O tom da publicação é de humor negro, a julgar pelas histórias disparatadas em que Annie se envolve, que testemunha ou que nos conta, e pelas ironias que temperam o texto da obra.
O romance “secreto” que um dos maiores atores do século 20 co-escreveu: esse talvez não seja um bom epitáfio para “Fan-Tan” e possivelmente é injusto com o trabalho de Cammell, mas está de bom tamanho para um roteiro inacabado que as circunstâncias ressuscitaram em forma de livro.
Viúva de cineasta escocês ressuscita roteiro inacabado de “Fan-Tan”
Brando é autor de história de piratas que chega ao Brasil
Um dos maiores atores em toda a história do cinema assiste a um filme cuja originalidade o impressiona e decide convidar o cineasta, que conhece há mais de dez anos, para que desenvolvam juntos um projeto. Com personalidades semelhantes, os dois vivem durante algum tempo em uma ilha no Taiti e escrevem o roteiro de um longa-metragem.
Como é típico na indústria cinematográfica, o projeto é interrompido e, por fim, abandonado. O cineasta procura transformá-lo em romance, mas se suicida sem o concluir. Oito anos depois, morre o ator. É a senha para que a viúva do primeiro tire da gaveta o trabalho inacabado e leve adiante o projeto de publicá-lo. Para a edição, convida um crítico e historiador. E o final é feliz: o livro sai.
O resumo não se aplica à trama de “Fan-Tan”, mas às peripécias de bastidores que se estenderam por cerca de duas décadas até seu lançamento.
(Fonte: https://www.independent.co.uk/news/people – NOTÍCIAS / PESSOAS / por Michael Parkin – 8 de maio de 1996)
(Fonte: https://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrada – FOLHA DE S.PAULO / ILUSTRADA / LIVROS / FOLHETIM / Por SÉRGIO RIZZO CRÍTICO DA FOLHA – São Paulo, 15 de abril de 2006)
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