O sábio que introduziu algarismos arábicos no Ocidente e nos salvou de multiplicar CXXIII por XI
Você pode não ter ouvido falar dele, mas Al-Khuarismi, que viveu aproximadamente entre os anos 780 e 850, deixou um legado inestimável para a matemática.
Abu Abdallah Mohammed ibn Musa Al-Khwarizmi (Khwarizm, Uzbequistão ? 780 – Bagdá ? 850), astrônomo, geógrafo, historiador, grande matemático que deu ao Ocidente os números e o sistema decimal, também era astrônomo — e levou seu conhecimento para a corte do califa al-Mam’un, em Bagdá
Ele era um emigrante da Pérsia oriental e um homem do seu tempo, a Idade de Ouro Islâmica.
Sua forma de pensar era ousada, e ele gozava de um grande luxo: vivia rodeado por livros.
Graças ao Movimento das Traduções, que reuniu trabalhos científicos de todo o mundo conhecido até então, no fim do século 9, um importante corpus matemático grego — que incluía obras de Euclides, Arquimedes, Apolônio de Perga, Ptolomeu e Diofanto — foi traduzido para o árabe.
Da mesma forma, a matemática babilônica e hindu antigas, assim como as contribuições mais recentes de sábios judeus, estavam disponíveis para estudiosos islâmicos.
Al-Khwarizmi estava na posição privilegiada de ter acesso a diferentes tradições matemáticas.
A grega abordava principalmente a geometria, ciência de formas como triângulos, círculos e polígonos, que ensina a calcular área e volume.
A hindu havia inventado o sistema decimal de dez símbolos que tornava as contas muito mais simples.
Ao combinar a intuição geométrica com a precisão aritmética, imagens gregas e símbolos hindus, ele inspirou uma nova forma de pensamento matemático que hoje chamamos de álgebra.
Al-Jabr
No livro Al-Jabr w’al-Muqabala, de autoria de Al-Khuarismi, é a primeira vez que a palavra Al-Jabr (“álgebra”) aparece.
Ele começa dizendo: “Descobri que as pessoas necessitam de três tipos de números: unidades, raízes e quadrados.”
E mostra a seguir como resolver equações usando métodos algébricos.
Equações quadráticas (ou de segundo grau) já eram resolvidas nos tempos da Babilônia. A diferença é que não havia fórmulas, e cada problema era resolvido individualmente:
“Pegue a metade de 10, que é 5, e o quadrado, que é 25”; e mais tarde, outro diria: “Pegue a metade de 12, que é 6, e o quadrado, que é 36.”
E assim sucessivamente, eles passavam pelo mesmo processo repetidas vezes com números diferentes, conforme o caso.
Para Al-Khuarismi,, a solução não estava nos números que precisávamos descobrir, mas em um processo que pudéssemos aplicar.
Ou seja: o quadrado significa fazer a raiz quadrada e multiplicá-la por ela mesma. E essa fórmula é verdadeira qualquer que seja a raiz quadrada. Se for 5, é 5 vezes 5, que é 25; se for 3, é 3 vezes 3…
Não usar números, mas símbolos, acabou sendo uma ideia incrivelmente libertadora, permitindo que você resolva problemas sem se prender a cálculos numéricos bagunçados.
‘Algoritmi de numero Indorum’
Ao abandonar temporariamente a relação com números específicos, você manipula os novos elementos (x, y, z) de acordo com as regras que explica em seu livro: uma série de fórmulas.
Os números que os símbolos representam em seu problema específico aparecerão milagrosamente no final.
Pense em algo simples e cotidiano, era o que Al-Khuarismi queria ajudar a resolver:
Ahmed morre e deixa 80 moedas de herança. Para um amigo, ele destina um quarto delas; para sua viúva, um oitavo; o resto é para seus três filhos. Cada fração corresponde a quanto?
Al-Khwarizmi fez com que a incógnita fosse parte da equação: o que chamamos de X em álgebra.
O tratado escrito por Al-Khuarismi por volta de 825 sobre o sistema numérico indo-arábico foi traduzido no século 12 com o nome Algoritmi de numero Indorum, que significa “Algoritmi sobre os números hindu”; “Algoritmi” foi a tradução para o latim do nome Al-Khuarismi.
Na obra, ele nos apresenta a essas fórmulas que, devido à tradução do seu nome, acabaram sendo chamadas de algoritmos.
Al-Khwarizmi permitiu que a álgebra existisse como uma área da matemática por mérito próprio, e se tornasse um fio condutor para quase todas as outras. A álgebra nada mais é do que uma série geral de princípios e, se você os compreender, a entenderá.
Qual é a verdadeira importância da álgebra?
Ela foi usada ao longo do tempo para resolver todos os tipos de problemas.
Se a massa de uma bala de canhão for ‘m’ e a distância que tem que percorrer, ‘d’, você usa a álgebra para calcular o ângulo ideal para apontar o canhão.
É o tipo de conhecimento que vence guerras.
Ou podemos chamar a velocidade da luz de ‘c’, a mudança na massa de um núcleo atômico de ‘m’, e assim calcular a energia liberada com esta simples fórmula:
Esse tipo de conhecimento é poderoso. Os números arábicos e a álgebra foram uma contribuição inestimável para a ciência ocidental, que permitiu desde a ida do homem à lua ao desenvolvimento do dispositivo com o qual você está lendo esta reportagem.
Galileu, Newton, Einstein… são três grandes nomes da ciência ocidental.
Mas, como o próprio Newton escreveu, citando o filósofo do século 12 Bernardo de Chartres:
“Se eu vi mais longe, foi por estar sentado sobre os ombros de gigantes.”
Vários desses gigantes nos quais cientistas ilustres se apoiaram e continuam a se apoiar, foram relativamente esquecidos… mas, se olharmos com atenção, podemos encontrá-los.
Segundo historiadores, o principal legado do grande matemático italiano Leonardo Pisano, mais conhecido como Fibonacci, foi ajudar a Europa a abandonar o antigo sistema de algarismos romanos e adotar os numerais indo-arábicos.
Eles constam em seu Liber Abaci (“Livro de Cálculo”), que escreveu em 1202 após estudar com um professor árabe.
Na mesma obra, há uma referência a um texto anterior chamado Modum algebre et almuchabale, e na margem está escrito Maumeht, que é a versão em latim do nome Mohamed.
No caso, a referência é especificamente para Abu Ja’far Muhammad ibn Musa al-Khwarizmi, conhecido como Al-Khuarismi, que viveu aproximadamente entre os anos 780 e 850.
Foi graças a ele que os intelectuais europeus souberam da existência dos numerais indo-arábicos.
Dos hindus ao Oriente Médio, de Bagdá à Europa
A obra de Al-Khuarismi aborda um aspecto crucial de toda nossa vida.
Por causa dela, o mundo europeu percebeu que sua maneira de fazer conta — ainda essencialmente baseada em algarismos romanos — era irremediavelmente ineficiente e atrapalhada.
Se eu pedir para você multiplicar 123 por 11, você consegue calcular até de cabeça. A resposta é 1.353.
Agora tente fazer isso com algarismos romanos: você tem que multiplicar CXXIII por XI. Pode ser feito, claro. Mas não é nem um pouco fácil.
Em seu Livro de adição e subtração, de acordo com o cálculo hindu, Al-Khuarismi descreveu uma ideia revolucionária: a possibilidade de representar qualquer número com apenas 10 símbolos simples.
Essa ideia de usar apenas dez símbolos — os dígitos de 1 a 9, além do símbolo 0 — para representar todos os números de um ao infinito, foi desenvolvida por matemáticos hindus por volta do século 6, e sua importância é inestimável.
Ponto decimal
Al-Khuarismi e seus colegas fizeram mais do que traduzir o sistema hindu para o árabe: eles criaram o ponto decimal.
Sabemos disso graças à obra do matemático Abu’l Hasan Ahmad ibn Ibrahim Al-Uqlidisi.
O livro Kitab al-fusul fi al-hisab al-Hindi, dos anos 952-3 — o manuscrito mais antigo em que é proposto um tratamento de frações decimais, escrito apenas um século depois de Al-Khwarizmi — mostra que o mesmo sistema decimal pode ser ampliado para descrever não apenas números inteiros, mas também frações.
A ideia do ponto decimal é tão familiar para nós que é difícil entender como vivíamos antes dele — parece incrivelmente óbvio depois de ser descoberto.
(Fonte: https://www.bbc.com/portuguese/geral- GERAL / por Jim Al-Khalili, físico Da série da BBC “Ciência e Islã” – 29 novembro 2020)
(Fonte: https://g1.globo.com/educacao/noticia/2020/11/29 – EDUCAÇÃO / NOTÍCIA / Por BBC – 29/11/2020)