Gente do campo: conheça a trajetória de Herbert Bartz, ‘pai’ do plantio direto no Brasil
O produtor foi a primeira pessoa a usar a técnica no país. A metodologia permite a semeadura no solo, sem aragem e a partir da rotação de culturas, restabelecendo a biodiversidade da terra.
Herbert Bartz (Rio do Sul, em Santa Catarina, 1937 – janeiro de 2021), precursor do plantio direto no Brasil, técnica que revolucionou a agricultura brasileira e foi fundamental para o crescimento do país na área.
Bartz trouxe, dos Estados Unidos, na década de 70, a técnica de plantio que usa a rotação de culturas, a implementou em sua fazenda e depois viajou o Brasil a ensinando a outros agricultores.
O que é plantio direto?
Em 2017, mais de 40 anos depois de sua chegada, o método, que em 1972 foi utilizado apenas em 180 hectares de Bartz, alcançou os 33 milhões em todo o país.
Isso representa 69,1% da áreas plantada do Brasil, de acordo com a pesquisa “Soil & Tillage” (“Solo e Lavoura” em tradução livre) da Elsevier, empresa de informações analíticas.
Ainda segundo o relatório, os estados de Mato Grosso e do Paraná são os que mais a utilizam, chegando a 86.6% e 81.9% respectivamente.
O plantio direto é considerado revolucionário, pois permite que o agricultor deixe de arar a terra, acabando com a sua erosão, além de tornar possível a produção de mais de uma cultura na mesma área, explica o pesquisador da unidade de soja da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa Soja), Henrique Debiasi.
“É preciso utilizar um sistema de rotação de cultura, um sistema diversificado de produção, para gerar bastante palha e raiz para ativar o solo biologicamente e produzir cobertura”.
Segundo o pesquisador, a técnica é usada principalmente para a produção de grãos, como a soja e o milho, porém já existem algumas iniciativas com outras culturas, como a cana e o algodão.
“O primeiro grande benefício é a diminuição na perda de água, solo, nutrientes e, inclusive, algumas moléculas de agrotóxicos pela água que escoava no solo, diminuindo a poluição dos rios, por causa da questão do assoreamento”, explica o pesquisador da Embrapa Soja.
Assoreamento é o processo em que o leito de um rio se eleva devido ao cúmulo de sedimentos levados à água por causa das chuvas.
O plantio direto também ajuda a mitigar os gases do efeito estufa, diminuindo as emissões de óxido nitroso, composto químico presente, principalmente, em fertilizantes e causador de impactos negativos na camada de ozônio.
Além disso, segundo Debiasi, a terra serve como um “sequestrador” de carbono, mantendo-o preso ao solo.
“Uma coisa que meu pai falava muito: ‘A natureza não aceita propina’. Então, não adianta a gente enganar, dar aquele jeitinho. Se a gente não fizer direito a conta vai chegar em algum momento”.
Como tudo começou
Segundo o autor do livro “Brasil possível: a biografia de Herbert Bartz”, Wilhan Santin, para entender como Bartz trouxe o plantio direto ao Brasil, é preciso conhecer a sua trajetória.
Nascido em 1937 na cidade de Rio do Sul, em Santa Catarina, o agricultor se mudou para a Alemanha aos 2 anos de idade. Uma viagem que a principio seria rápida, apenas para um tratamento cardiológico de sua mãe, Johanna, se estendeu por anos devido ao início da 2° Guerra Mundial em 1939.
“A chuva, além de levar a semente, o adubo, tudo o que você tinha plantado, levava o solo. O Paraná perdia milhões de toneladas de solo àquela época”, conta Santin.
A última gota d’água
Pioneiro ou louco?
“Os vizinhos paravam para olhar e eles falavam assim do seu Herbert com dó, piedade: ‘Nossa, coitado do cara, ficou doido’.”
“Um vizinho colocou fogo na palha dele. Teve denúncia para Polícia Federal de o que ele estava fazendo era uma subversão e não era certo. A primeira colheita de soja dele em que deu certo a polícia apreendeu toda [a safra]”.
O jogo vira
Esse tipo de reação continuou acontecendo até 1973, quando ocorreu a crise do petróleo, que elevou o preço dos combustíveis.
O plantio direto exige menos uso do trator do que o plantio arado. Bartz contou para a reportagem do Globo Rural, em 2013, que depois de adotar a técnica ele diminuiu o uso do óleo diesel de 10 mil litros para 3 mil por semeadura
Esta economia não passou despercebida pelos vizinhos, que começaram a se interessar pelo método.
Já em 1974 agricultores de Mauá da Serra, Paraná, foram os primeiros a recorrerem ao revolucionário. Depois, veio a população de Campos Gerais, em Ponta Grossa.
Entre esses novos discípulos havia dois nomes que virariam grandes aliados de Bartz: Manoel Pereira e Franke Dijkstra.
“Os três se uniram e fizeram um trabalho de formiguinha. Davam palestras e não cobravam nada. Iam aos campos em cidadezinhas e falavam para 10 pessoas e assim foram indo”, conta Santin.
O uso dos agrotóxicos
Como o plantio direto incentiva a vida na terra, o mato e animais próprios dela aparecem. A minhoca, inclusive, é o símbolo desta metodologia, por sua presença ser o primeiro sinal de que o solo está biologicamente ativo.
Por causa do surgimento de ervas daninhas muitos agricultores optam pelo uso de agrotóxicos.
“Criou-se uma imagem muito forte de que era obrigatório o uso do herbicida no plantio direto, mas isso não é verdadeiro. Existem outros equipamentos que dá para usar e conseguir reduzir o uso dos herbicidas. Mas o ser humano vai no que é mais fácil”, explica.
“Então, houve um retrocesso no sistema, no final dos anos 90 e 2000, com muito uso dos herbicidas. A gente vem tentado comprovar com os dados da população de minhocas que isso está afetando a biologia, o uso exagerado de agrotóxicos no geral”, completa Marie.
O legado do pai
Marie cresceu observando as atividades do pai na lavoura e quando podia o acompanhava nas palestras. Entre 2018 e 2020 também tiveram a oportunidade de assinarem juntos uma coluna em uma revista em que Bartz contou diversas histórias da sua vida.
Ela já descobriu uma nova espécie dentro da propriedade de seu pai e a nomeou “Fimoscolex bartzi”, em homenagem a ele.
“Ele ficou feliz pra caramba. É uma minhoca pequenininha, mas o que vale é a intenção”, brinca Marie.
Agora ela se dedica a perpetuar o trabalho do pai. Atualmente mora em Portugal e acompanha plantações de agricultura orgânica, buscando levar a técnica que cresceu assistindo o agricultor divulgar.
(Fonte: https://g1.globo.com/economia/agronegocios/agro-a-industria-riqueza-do-brasil/noticia/2021/02/23 – ECONOMIA / AGRONEGÓCIOS / AGRO / AGRO: A INDÚSTRIA-RIQUEZA DO BRASIL / Por Vivian Souza, G1 – 23/02/2021)