Gumercindo Rocha Dorea, que lançou Rubem Fonseca e Nélida Piñon
Editor foi um dos pioneiros na divulgação da ficção científica no país
Baiano criou selo pioneiro de ficção científica no país e foi dirigente do movimento integralista
Gumercindo Rocha Dorea (Ilhéus, 4 de agosto de 1924 — São Paulo, 21 de fevereiro de 2021), primeiro editor de escritores que se tornaram célebres, como Rubem Fonseca e Nélida Piñon, além de ter sido um dos pioneiros na divulgação da literatura de ficção científica no Brasil.
Nascido em Ilhéus, na Bahia, em 1924, mudou-se com a família dez anos depois para Salvador, onde foi aluno do filólogo Herbert Parentes Fortes (1897-1953), um dos principais intelectuais e líderes da Ação Integralista Brasileira (AIB).
Aos 20 anos, estabeleceu-se no Rio de Janeiro, formando-se em Direito. Lá, escreveu para o jornal “A Marcha”, ligado ao Partido de Representação Popular, e entrou em contato com o mentor do integralismo, Plínio Salgado (1895-1975), que sedimentaria suas convicções políticas conservadoras.
Atuou como jornalista em diversos órgãos de imprensa, como o jornal “Folha Carioca”. Em 1956, fundou as Edições GRD, que traziam suas iniciais, com a publicação de Filosofia da Linguagem, de Herbert Parentes Fortes.
Sua ousadia, visão e compromisso altruísta com a promoção da cultura brasileira fizeram com que ele lançasse os primeiros livros de autores que, então desconhecidos, logo se firmariam como grandes nomes da literatura brasileira, como Rubem Fonseca, Nélida Piñon e o poeta Gerardo Melo Mourão, entre outros, que logo se tornaram conhecidos como membros da Geração GRD.
O lançamento de “Os Prisioneiros”, em 1963, de Fonseca, aliás, rendeu uma boa história, pois ele trabalhava como diretor na Light, empresa de geração e distribuição de energia elétrica. Uma de suas secretárias, Fernanda, à revelia do chefe, entregou a Gumercindo alguns contos que Fonseca guardava na gaveta. Impressionado com a qualidade, o editor imprimiu algumas provas do livro e as levou para Fonseca.
“Olha, um anjo misterioso me deu os originais de seu livro”, disse Gumercindo, o que irritou Fonseca, a ponto de soltar um monte de impropérios. Uma semana depois, mais calmo, concordou com a edição do livro, mas exigiu que a capa fosse feita pelo filho Zeca, de 6 anos. Depois de “Os Prisioneiros”, seguiu-se “A Coleira do Cão”, cujo sucesso foi tamanho e motivou Fonseca a se transferir para uma editora maior.
No campo literário, Gumercindo entrou em contato com a ficção científica pela primeira vez por meio do “Suplemento Juvenil”, que circulou no país entre 1934 e 1945, e pelo qual descobriu personagens clássicos dos quadrinhos, como Flash Gordon, Buck Rogers e Brick Bradford.
Motivado pela leitura, o ainda jovem Gumercindo teve uma espécie de revelação quando, aos 20 anos, ia montado em um burro de Salvador para a usina de açúcar de seu pai, no Recôncavo Baiano.
“Levantei a cabeça, tomei um bruto susto, a impressão que me deu foi que aquilo ia despencar repentinamente. Era o céu salpicado de estrelas, de uma beleza, nunca me saiu da memória”, contou ele em entrevista ao ‘Aliás’, em 2017. A experiência o fez abrir caminho para a ficção científica no Brasil.
Ele foi primeiro a criar uma coleção dedicada a publicar sistematicamente as obras do gênero de 1958 em diante, quando lançou “Além do Planeta Silencioso”, de C.S. Lewis. Foi o ponto de partida para que sua editora revelasse ao país autores do nicho como Ray Bradbury, H.P. Lovecraft, Dinah Silveira de Queiroz (que lançou, em 1960, os contos de Eles Herdarão a Terra) e Robert Heinlein.
Em 1961, publicou a primeira Antologia Brasileira de Ficção Científica, com trabalhos de Diná, além de Antônio Olinto, Rachel de Queiroz e Fausto Cunha, dentre outros. Sua importância para a divulgação do gênero no Brasil é reconhecida em um verbete da SFE (Science Fiction Encyclopedia), de Londres, que o considera “o mais importante na história da ficção científica brasileira”, tendo sido “em larga medida responsável pela Primeira Onda da Ficção Científica Brasileira (1958-1972)” que, sem ele, “poderia talvez nem ter ocorrido”.
Com o golpe militar de 1964, Gumercindo mudou o foco de suas publicações de ficção científica, concentrando-se na tradução de publicações europeias. Entre os autores nacionais, o olhar era para os críticos do regime, com destaque para “Não Verás País Nenhum” (1981), de Ignácio de Loyola Brandão.
Em 1972, já vivendo em São Paulo, Gumercindo trabalhou na Convívio – Sociedade Brasileira de Cultura por cerca de cinco anos. Nesse período, coordenou a edição da revista Convivium e a coleção Biblioteca do Pensamento Brasileiro, ambas publicadas pela Editora Convívio.
Em 2002, publicou o livro “Ora, Direis… Ouvir “Orelhas” Que Falam de Livros, Homens e Ideias”, reunião das “orelhas” das obras publicadas e escritas pelo autor, que declara, na própria orelha desse livro, que as escreveu com pleno conhecimento do significado e sua possível projeção. “Se repercutiram, bem ou mal, quis ter a sensação de que estava fazendo o que me competia investido que me achava num papel fundamental para a evolução de meu país”, anotou.
Gumercindo Dorea faleceu em 21 de fevereiro de 2021, aos 96 anos, em decorrência de complicações do tratamento de um câncer.
(Fonte: GAÚCHAZH – ANO 57 – N° 19.952 – 23 DE FEVEREIRO DE 2021 – MEMÓRIA / TRIBUTO – Pág: 31)
(Fonte: https://www.em.com.br/app/noticia/cultura/2021/02/21 – ESTADO DE MINAS / CULTURA / por Estadão Conteúdo – 21/02/2021)