Filósofo e potentado: Kenneth Kaunda, fundador da Zâmbia
O primeiro presidente da República da Zâmbia
Apelidado de ‘Gandhi africano’ por seu ativismo não-violento, ele conduziu antiga Rodésia do Norte para a independência, sem derramamento de sangue, em 1964, e governou durante 27 anos.
O primeiro presidente da Zambia independente
O mundo tinha enorme respeito pelo carismático líder político africano. Mas, sob a sua Presidência, o povo sofreu a corrupção, pobreza e um regime autoritário de partido único.
Kenneth Kaunda (Chinsali, Zâmbia, 28 de abril de 1924 – 17 de junho de 2021), foi oprimeiro presidente da República da Zâmbia, pai da independência do outrora protetorado britânico, que presidiu por quase três décadas.
Apelidado de “Gandhi africano” pelo seu ativismo não-violento, Kenneth Kaunda conduziu a antiga Rodésia do Norte para a independência, sem derramamento de sangue, em outubro de 1964.
No dia 24 de outubro de 1964, foi hasteada a nova bandeira verde-vermelha-negro-laranja da Zâmbia na capital, Lusaka, a 24 de outubro de 1964. O pai da independência e da nação, Kenneth Kaunda, assumiu a Presidência do país, apesar dos seus pais serem oriundos do vizinho Malawi. O seu progenitor mudara-se para a Zâmbia, na altura ainda uma colónia britânica, como missionário protestante. Foi aqui que Kaunda nasceu, em 1924.
Reivindicando ser partidário do socialismo e próximo a Moscou, dirigiu o país durante 27 anos, em grande parte sob um regime de partido único, cuja má gestão provocou uma grave crise econômica e social. Após protestos violentos, ele aceitou organizar eleições livres em 1991 e foi derrotado.
O filho do pastor começou por ser professor. Tratava-se de uma profissão de grande prestígio para um africano na era colonial. Todas as outras funções mais elevadas, quer na administração, quer na economia privada, estavam reservadas aos brancos. Kaunda rejeita estes limites impostos por fora. Começa então a envolver-se na política. Foi preso várias vezes. Finalmente, assumiu a liderança do movimento pela independência da Zâmbia. O seu Partido Unido para a Independência Nacional ganha a maioria absoluta nas primeiras eleições parlamentares de 1964.
Mas os problemas não acabaram com o fim do domínio britânico. “Considerando os desafios que tivemos de enfrentar, é um milagre ainda sermos uma nação”, disse Kaunda, mais tarde, numa entrevista à DW. Kaunda assumiu a liderança de um país com 75 grupos étnicos. E, para além das fronteiras traçadas pelas potências coloniais, nada une estas etnias. Dos três milhões e meio de habitantes, apenas uma centena tem formação acadêmica. A grande maioria vive na extrema pobreza.
Enquanto esteve no poder, apoiou inúmeros movimentos a favor da independência ou da igualdade dos negros em outros países da região, como o Congresso Nacional Africano (ANC) na África do Sul.
Do humanismo zambiano ao Estado de partido único
Ainda assim, Kaunda conseguiu manter a união nacional. Tal como fizeram os fundadores do Gana, Kwame Nkrumah, e da Tanzânia, Julius Nyerere, o Presidente inventou uma filosofia pensada para unir a sociedade. O “humanismo zambiano” é uma mistura de valores cristãos, tradições africanas e princípios orientadores socialistas. “O homem não deve viver só de pão, mas é isso que as pessoas fazem hoje em dia. É por isso que não temos paz, porque as pessoas só lutam por coisas materiais, mas esquecem a espiritualidade”, disse Kaunda à DW.
O carismático chefe de Estado depressa ganhou o respeito global. “Foi sempre um homem simples sem ambições de ser venerado”, disse à DW o missionário católico Friedrich Stenger, entretanto falecido, que viveu durante muito tempo na Zâmbia.
O prestígio de Kaunda cresce com o seu envolvimento como mediador em numerosas crises na região. O líder zambiano procura o diálogo com o Governo de apartheid na África do Sul, a fim de resolver pacificamente a situação no país vizinho. Envolve-se também como mediador na guerra civil angolana. Ao mesmo tempo, apoia os movimentos de libertação namibiano SWAPO e ZAPU, no Zimbabué. “As massas africanas nestes países querem participar no poder. Os governos das minorias usam da força para as impedir. É ilusório esperar que as populações fiquem sossegadas durante muitos mais anos”, disse Kaunda, na altura.
Com o passar dos anos, surge uma outra face do respeitado líder africano. Tal como outros fundadores de nações africanas, aos poucos Kaunda transforma o seu país num Estado monopartidário. E agarra-se ao poder. A polícia e os serviços secretos utilizam métodos draconianos contra os seus adversários políticos, e muitos acabam na prisão.
Alegria pelo fim da era Kaunda
As tensões no país aumentam. Graças aos seus enormes depósitos de cobre, a Zâmbia é, na realidade, rica. Kaunda nacionaliza as minas. Mas, no final da década de 1970, os preços nos mercados mundiais entram em colapso. As importações também são cada vez mais caras: a Zâmbia não tem acesso ao mar e as guerras civis na região vedam muitas vias de transporte.
A corrupção crescente e a ineficiência gritante das empresas estatais agravam o fraco desempenho económico. Começam a faltar bens essenciais à população. Kaunda rejeita qualquer responsabilidade pessoal. “Ganhamos pouco com nossos produtos nos mercados mundiais. Mas pagamos preços excessivos por tudo o que importamos”, queixou-se Kaunda à DW.
A população começa a perder a confiança no seu líder. Em 1986, dão-se motins sangrentos, que Kaunda manda reprimir pelo exército.
Mas a sociedade civil e os sindicatos não calam as suas reivindicações de eleições livres. Kaunda concorda e perde as eleições de 1991. “A alegria no país foi grande”, recorda o missionário Stenger.
Retirada da política
No fim da era Kaunda, a Zâmbia continua a ser um dos países mais pobres e endividados do mundo. O novo Governo vira-se contra o pai da nação, declarando que Kaunda é estrangeiro, porque os seus pais vieram do Malawi. Só protestos maciços impedem as autoridades de deportar o ex-Presidente. Em 1996, Kaunda anuncia que pretende concorrer novamente à presidência. O seu sucessor, Frederick Chiluba, recorre a um truque para o impedir: a constituição é alterada de a modo só permitir candidaturas de políticos cujos pais nasceram na Zâmbia.
Kaunda retira-se da política para se dedicar à sua fundação, que luta contra a epidemia de SIDA. Em 1987, o Presidente admitira que o seu filho tinha morrido do vírus, embora a doença na altura ainda fosse um tabu em África. Antes da sua morte, ocasionalmente o estadista dava entrevistas. Mas passou os últimos anos da sua vida a viver modestamente com a sua mulher na capital, Lusaka.
Desde sua saída, no ano 2000, interveio na resolução de crise em países como Quênia, Zimbábue, Togo e Burundi, e também se comprometeu com o combate à aids, depois de anunciar que um de seus filhos morreu dessa doença.
Último fundador da OUA sobrevivente, estadista e libertador
O Dr. Kaunda governou a Zambia de 1964 a 1991, quando concedeu a derrota ao Movimento para a Democracia Multipartidária. Ao admitir e aceitar a derrota nas urnas, a ação de Kaunda o distinguiu de outros líderes africanos. Ele abriu um precedente que muitos líderes africanos ainda lutam para imitar. O Continente está repleto de eleições presidenciais contestadas.
Kaunda foi o último fundador sobrevivente da Organização da Unidade Africana (OUA), agora conhecida como União Africana (UA). Kaunda era um pan-africanista dedicado, comprometido com o fim do domínio colonial em África. E desempenhou um papel crucial na libertação dos Países da África Austral.
Como presidente do grupo dos seis Chefes de Estado da Linha de Frente em África, o Dr. Kaunda galvanizou estes países a se oporem ao regime de Ian Smith na Rodésia (Zimbabwe), o apartheid na África do Sul e vários outros Países da África Austral ainda sob o domínio colonial.
O empenho do Dr. Kaunda na luta de libertação, especialmente na região da África Austral, teve um grande custo económico para a Zambia. Contudo, foi um sacrifício que Kaunda disse repetidamente que valia a pena fazer porque a Zambia não poderia ser livre até que toda a África Austral fosse libertada. O movimento de libertação da África do Sul e outros movimentos foram beneficiários da benevolência de Kaunda. O Congresso Nacional Africano da África do Sul, por exemplo, tinha a sua sede em Lusaka, na Zambia.
Nos primeiros anos
O Dr. Kaunda liderou a luta da libertação até que a Rodésia do Norte alcançou a independência política do governo britânico em 24 de outubro de 1964, e o País foi recebeu o nome da Zambia. Carinhosamente conhecido ao longo da sua vida como “KK”, Kaunda serviu como Presidente da Zambia durante 27 anos antes de ser derrotado nas eleições de outubro de 1991, depois da reintrodução da política multipartidária.
Nascido como Kenneth David Buchizya Kaunda em 28 de abril de 1924, no norte da Zambia na Missão Lubwa, perto de Chinsali, o pai de Kaunda, David Julizya Kaunda, foi professor e missionário ordenado da Igreja da Escócia. Na verdade, o pai e a mãe de Kaunda eram professores. O pai de Kaunda estabeleceu-se na Zambia em 1904, vindo da então Nyassalândia (agora Malawi).
Luta pela independência da Zambia
Kaunda foi um professor que decidiu ingressar na política no início dos anos 1950, como membro do Congresso Nacional Africano da Rodésia do Norte. Mais tarde, ele se separou para formar em outubro de 1958 o Congresso Nacional Africano da Zambia (ZANC). Por causa do seu dinamismo, o ZANC foi banido em março de 1959 pelo governo colonial britânico. No entanto, numa coalizão com o seu rival, o novo partido de Kaunda, o Partido Unido para a Independência Nacional (UNIP) e o partido do Congresso Nacional Africano (ANC) de Harry Mwaanga Nkumbula, juntos fizeram campanha e lutaram para finalmente alcançar a independência do Governo britânico em outubro de 1964 .
Kaunda na Zambia independente
Como Presidente da nova Zambia, Kaunda procurou unir o País sob o lema “Uma Zambia Uma Nação” e através de nomeações para posições nacionais naquilo que veio a ser conhecido como ‘equilíbrio tribal’. A Zambia tem 73 tribos étnicas, a maior parte das quais pertencentes ao grupo linguístico Bantu.
Pouco depois de outubro de 1964, o governo do Dr. Kaunda envolveu-se em ambiciosos projetos de desenvolvimento nacional construindo escolas, hospitais e estradas. Estes projetos foram interrompidos pelo aumento dos preços do petróleo, pela queda dos preços do cobre no mercado internacional e pelo aumento da dívida internacional da Zambia. O cobre foi por muitas décadas a principal fonte de divisas para a Zambia. O governo de Kaunda nacionalizou a indústria mineira e a economia ficou altamente centralizada, o que resultou no aumento do custo de vida. E quando os Estados de partido único eram comuns na África daquela época, a Zambia também seguiu o exemplo até que o clamor público e os protestos levaram à reintrodução do multipartidarismo, em 1991.
Kaunda: A Igreja e o Humanismo
Sendo filho de um reverendo, Kaunda foi sempre uma pessoa religiosa e manteve boas relações com a Igreja. Ele encorajava a liberdade de culto e, durante o seu governo, as igrejas prosperaram. Em parte, isso aconteceu porque as igrejas estavam, na verdade, ajudando a agenda de desenvolvimento do Governo de fornecer educação e assistência médica aos cidadãos.
Geralmente Kaunda gozava de relações harmoniosas com várias denominações no País. O seu governo introduziu a filosofia do Humanismo que promovia a centralidade da pessoa humana em todas as actividades. A filosofia do Humanismo de Kaunda para a Zambia, tingida de socialismo, foi inicialmente bem recebida pelos cidadãos mas, com o colapso da economia do País, o Humanismo foi abandonado quando Kaunda perdeu o poder em 1991.
Pai da Nação
Depois de deixar o cargo, Kaunda tornou-se ativista anti-SIDA através da sua Fundação Kenneth Kaunda, Ccrianças para a África. Ele perdeu um dos seus filhos por SIDA. No crepúsculo da sua vida, o Dr. Kaunda foi procurado ativamente para palestras, conselhos e inspiração por várias organizações cívicas e não governamentais na Zambia, em África e mais além. Com a sua morte, Kaunda será para sempre carinhosamente recordado e conhecido como “o Pai da Nação”.
Kenneth Kaunda faleceu em 17 de junho de 2021, aos 97 anos.
O ex-chefe de Estado ingressou em um hospital militar da capital Lusaka na segunda-feira por causa de uma pneumonia.
O atual presidente, Edgar Lungu, expressou sua “grande tristeza” em uma mensagem publicada no Facebook. “Você se foi quando menos esperávamos”, disse, lamentando o desaparecimento de um “verdadeiro ícone africano”.
(Fonte: https://www.msn.com/pt-br/noticias/mundo – NOTÍCIAS / MUNDO / por Daniel Pelz / fornecido por Microsoft News – 17/06/2021)
(Fonte: https://g1.globo.com/mundo/noticia/2021/06/17 – MUNDO / NOTÍCIA / Por France Presse – 17/06/2021)
(Fonte: https://www.vaticannews.va/pt/africa/news/2021-06 – ÁFRICA / NOTÍCIAS / por Paul Samasumo – Cidade do Vaticano – 17/06/2021)