Régis Duprat, historiador e musicólogo, foi um dos principais pensadores da música brasileira, envolvendo-se tanto com a defesa da nova criação quanto com o trabalho de resgate de obras e autores do período colonial

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Régis Duprat, pesquisador da música brasileira colonial

 

 

Régis Duprat (Rio de Janeiro, 11 de julho de 1930 — São Paulo, 20 de dezembro de 2021), historiador e musicólogo. Duprat foi um dos principais pensadores da música brasileira, envolvendo-se tanto com a defesa da nova criação quanto com o trabalho de resgate de obras e autores do período colonial. Duprat foi professor do Departamento de Música da Escola de Comunicações e Artes (ECA) nas décadas de 1990 e 2000.

 

Régis, irmão mais velho de Rogério Duprat (1932-2006), construiu uma luz própria poderosa no difícil campo da pesquisa musical primária no Brasil.

 

Régis Duprat estudou viola com Johanes Oesner e contraponto e composição com Olivier Toni e Claudio Santoro. Como instrumentista, teve atuação marcante nos anos 1950 e 1960 em diversos grupos brasileiros, sejam eles de câmara ou sinfônicos. Ao mesmo tempo, investia em uma formação multidisciplinar. Estudou História na Universidade de São Paulo, tendo mestres como Sérgio Buarque de Holanda; na USP, também foi aluno de sociologia de Florestan Fernandes e de antropologia de Egon Shaden. Especializou-se em Estética com Gilda de Melo e Souza. E, em Paris, estudou com o musicólogo Jacques Chailley e trabalhou com o historiador Fernand Braudel.

 

Seu trabalho sistemático em relação à música colonial levou-o a descobertas importantes, que modificaram o modo como enxergamos nosso passado artístico. Em 1958, descobriu o àquela altura nosso manuscrito musical mais antigo, o Recitativo e Ária, de 1759, de compositor baiano anônimo. Foi recompensado pela dedicação à pesquisa primária 22 anos depois com a descoberta de outro manuscrito musical de 1730, também anônimo, que encontrou no município paulista de Mogi das Cruzes.

 

Possivelmente seu maior feito foi o resgate da obra do mestre-de-capela da Matriz e Sé de São Paulo colonial André da Silva Gomes. Estabeleceu o catálogo de suas obras e edição das partituras, além de gravações. Sua ação estendeu-se ainda à recuperação e catalogação da Coleção Curt Lange. Também foi o coordenador da recuperação e catalogação da Coleção Francisco Curt Lange. Alemão, Lange fixou-se em Montevidéu aos 20 anos, em 1923. Naturalizou-se uruguaio e foi um pioneiro na pesquisa da música na América Latina até sua morte, em 1997, sobretudo a do cone sul.

 

Duprat também foi personagem-chave do Manifesto Música Nova, de 1963, ao lado do irmão Rogério, de Gilberto Mendes e Willy Corrêa de Oliveira, entre outros. Tocou viola na Orquestra de Câmara de Sâo Paulo, fundada por um de seus mestres, Olivier Toni. Isso propiciou-lhe a mais saudável das posturas: a de alguém de sólida formação musical capaz de olhar com paixão tanto nosso passado quanto nosso presente e futuro artístico. Régis também ligou-se ao grupo concretista dos irmãos Campos e Dècio Pignatari, então almas gêmeas dos vanguardistas músicos e compositores.

 

Sua formação contribuiu para muitas realizações em vários campos da pesquisa e da música viva. Estudou viola com Johannes Oelsner, do Quarteto de Cordas do Teatro Municipal de Sâo Paulo; contraponto e composição com Toni e também com Cláudio Santoro. No Departamento de História da USP, estudou com Sérgio Buarque de Holanda, entre outros. Da História pulou para a Sociologia, como aluno de Florestan Fernandes; antropologia com Egon Schaden; e no Departamento de Filosofia, estudou estética com Gilda de Mello e Souza. Em Paris estudou musicologia com Jacques Chailley e História com Fernand Braudel.

 

De volta ao Brasil, integrou o grupo liderado por Darcy Ribeiro que em 1963 revolucionou o conceito de universidade no Brasil criando a Universidade de Brasília. Também foi professor na USP e na Unesp.

 

Fiz várias entrevistas com Régis, desde os anos 1970. Sempre me impactei com sua serenidade, voz pausada e raciocínios não só certeiros e inteligentes, mas sobretudo rigorosos em relação aos seus múltiplos objetos de estudo e prática no campo musical.

 

Deixou-nos, enfim, um dos maiores pensadores da música no país, nos últimos 70 anos. Sempre que se pensar em música brasileira, do período colonial à música contemporânea, músicos e pesquisadores terão necessariamente de passar por suas pesquisas e obras fundamentais. Como Música no Brasil Colonial (Eduspe, vol. 1 de 1999, vol. 2 de 2019), Acervo de Manuscritos Musicais vol. 3 – Compositores Anônimos (Ed. EFMG, 2002); e Música na Sé de São Paulo Colonial (Sociedade Brasileira de Musicologia, 2002), entre outros livros, edições de partituras e incontáveis artigos acadêmicos.

Publicações

 

Duprat escreveu mais de centena de artigos sobre suas descobertas, e é autor de livros como Garimpo Musical, de 1985, publicado pela editora Novas Metas, no qual reúne escritos a respeito de seu trabalho como pesquisador. E também deixa textos nos quais refletiu sobre história, memória e o sentido do resgate do passado. Caso de Música, heteronomia e metalinguagem: razão, imaginação, história e memória, publicado em 2016 na Revista Brasileira de Música. Nele, escreve:

 

“A História é uma ciência que se organiza em função da recuperação do passado. A rigor o passado poderia ser conhecido factualmente, sem nenhuma interpretação, sem mediação hermenêutica. Esta, porém, está implícita na própria identificação e valorização da documentação, que inapelavelmente se apresenta com carga semântica e constitui, como memória, uma ponte intergeracional. E mais do que isso, a memória se constitui justamente na potencialidade ou função psíquica que permite ao Homem produzir sentido através da ação de reconhecimento e identificação semântica, conferir signos identificáveis às coisas e por isso ter uma história. Agostinho já discernira isso quando, nas suas páginas citadas, afirma que “os pássaros também têm memória. De outro modo não saberiam regressar a suas tocas e a seus ninhos, nem fariam aquilo a que estão habituados. Sem a memória não poderiam construir hábito nenhum”. Assim também o Homem. […]”

 

“Como função psíquica que reproduz um estado de consciência passado, a Memória é um ato criador, criativo, participante. E mais: a Memória é sempre representativa e interpretativa; é um ato de criação, de opção do presente e não do passado. A História factual, assim, não existe; o que existe é um nível interpretativo factual. Vale lembrar uma frase antológica de Paolo Portoghese (Depois da arquitetura moderna, 1982): “Fazemo-nos prisioneiros do passado pela perda da memória, não por seu culto”. Como diz Sartre (O existencialismo é um humanismo, 1946): “O Homem não é senão o seu projeto, só existe na medida em que se realiza; (ele) é o conjunto de seus atos”. E seus atos, completemos, são a sua História, e a sua História é a sua Memória.

 

Régis Duprat faleceu em 19 de dezembro de 2021, aos 91 anos, em São Paulo, torna nossa vida musical um pouco mais pobre.

(Fonte: https://www.msn.com/pt-br/noticias/brasil – NOTÍCIAS / BRASIL / por João Marcos Coelho / ESTADÃO CONTEÚDO – 20/12/2021)

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