Laura Sito se torna 1ª deputada negra do RS “em contramão ao conservadorismo”
Eleita deputada estadual, Laura foi cotista na universidade pública e explica como essa vivência se tornou parte essencial de sua luta
Laura Sito em frente ao Palácio Farroupilha: primeira deputada negra do RS. (Foto: Reprodução/Instagram)
Ao descobrir que foi eleita deputada estadual com 36.705 votos, a então vereadora de Porto Alegre Laura Sito (PT-RS) chorou. A sensação, descrita por ela como uma mistura de euforia e alívio, foi filmada e divulgada nas redes sociais. Laura se torna, com a eleição de domingo (2), a primeira mulher negra a ser deputada pelo Rio Grande do Sul.
Ela diz que seu estado ainda vive uma segregação bastante intensa no que diz respeito à igualdade racial. Nas partes mais desenvolvidas e ricas do Rio Grande do Sul, quase não se vê negros – mas eles existem, e não são poucos. O censo demográfico realizado na região em 2010 apontou que mais de 16% dos habitantes do estado são pretos ou pardos. Mas o número não se reflete no parlamento. “Daí o porquê do choro. Achei que o Rio Grande do Sul nunca romperia essa barreira”, conta Laura.
A deputada eleita falou com exclusividade ao Terra NÓS. Filha de mãe solo e criada com a ajuda dos avós, ela vê a própria eleição como uma contramão ao conservadorismo que toma conta do estado. O ex-ministro da Casa Civil de Jair Bolsonaro Onyx Lorenzoni vai disputar o segundo turno para governador com o psdbista Eduardo Leite –ambos defensores de uma agenda liberal.
Processo histórico
“Vejo minha eleição como fruto de um processo histórico de um movimento antirracista, que tem se tornado central na democracia brasileira. A agenda ultraliberal tomou conta do país em 2018, e quem mais sentiu esses ataques foram pessoas pobres, majoritariamente pretas neste país. Mulheres voltaram a sofrer com violência, feminicídios, por falta de políticas para mulheres. Mulheres pretas sequer já tiveram essas políticas. É necessário mudar isso”, diz.
Laura tem 30 anos e será a mais jovem a compor o legislativo municipal de Porto Alegre. Marilza, a mãe, trabalhava 12 horas por dia para sustentar, sozinha, as filhas. Quem apresentou Laura à militância foi a irmã mais velha, com quem passou a frequentar reuniões do movimento negro. Quando decidiu militar, já estava afiada: na escola, se tornou presidente do grêmio estudantil e, depois, parte da União Brasileira de Secundaristas.
Durante o segundo governo Lula, a gaúcha adentrou a faculdade pública por meio de uma política de cotas. Fazia parte da UNE (União Nacional de Estudantes) quando a lei de cotas foi criada, e fez dessa pauta seu principal ativismo. “Sou prova viva de que políticas públicas transformam trajetórias, não podia ignorar isso. Comecei a ver universidades públicas mudarem completamente suas caras. Foi enriquecedor”.
Só que a militância pelas cotas raciais não foi bem vista por muitos dos colegas de faculdade de Laura. Ela teve de enfrentar a resistência, também, de quem mandava nas universidades. “Uma vez, enquanto fazia parte da comissão de estudantes secundaristas, entrei numa reunião do conselho universitário sobre cotas e o diretor da faculdade disse: ‘Eles [cotistas]vão tirar a vaga da minha filha, que tem apenas cinco anos’. Nunca me esqueço disso. Quando ouvi, entendi a grandiosidade do meu objeto de luta”.
A luta pelas cotas foi alvo de críticas racistas, também, por parte de muitos alunos. Segundo Laura, naquele período, a Universidade Federal do Rio Grande do Sul amanheceu algumas vezes com as paredes pichadas com dizeres de cunho racista: “Mandavam a gente voltar para a senzala”, conta.
Formação e exemplos
Foi em meio a esse ambiente que a petista se formou em jornalismo e se tornou funcionária pública da prefeitura de Porto Alegre. Não foi essa a última – muito menos a primeira – vez que a gaúcha foi vítima de descriminação. “Eu tinha cinco anos quando experienciei o racismo na pele pela primeira vez”, conta. “Estava no jardim de infância e, no dia do brinquedo, uma menina levou uma boneca cara e pediu que as outras crianças não brincassem comigo. Elas obedeceram”, relembra.
Laura relembra que foi a primeira vez, também, que viu a mãe virar leoa para defendê-la. Marilza foi até a escola e criticou a professora, que, segundo a gaúcha, não tomou qualquer atitude para impedir a ação preconceituosa da qual a filha havia sido vítima. Foi com a mãe que Laura, que hoje também é mãe, afirma ter aprendido a lutar. Agora, o objetivo da luta é a igualdade racial no estado.
(Fonte: https://www.terra.com.br/nos – NÓS / por Stella Piovan – 10 out 2022)
Fonte: Redação Nós