Moshe Dayan: o general de ouro, que deu a Israel suas maiores vitórias, e o arqueólogo apaixonado, que tinha em seus jardins em Zahala, Telavive, peças dos tempos da ocupação romana da Palestina
Moshe Dayan (Degania, Palestina, 20 de maio de 1915 – Telavive, Israel, 16 de outubro de 1981), militar e político israelense. Sua face rachada pelo lendário tapa-olho preto foi, durante décadas, o símbolo da tenacidade, do orgulho e da força de Israel.
Ao longo de sua carreira, foi alternadamente admirado e criticado – muitas vezes com a mesma intensidade -, mas jamais amado nacionalmente. O sentimento era recíproco: homem áspero, distante, arrogante e de poucos amigos. Dayan tampouco parecia amar seus compatriotas – apenas o país. “Não ofereço amizade mas também não peço nada a ninguém”, costumava dizer. De fato, foi com a desenvoltura dos heróis solitários que ele arriscou fazer guerras e ousou lançar pontes de paz, traçando com sua marca pessoal fronteiras políticas e militares de Israel.
O fato de ter sido a primeira criança judia a nascer no primeiro kibbutz do futuro Estado de Israel em 20 de maio de 1915 – Degania, então ainda pertencente ao antigo império otomano – parece, em retrospectiva, um erro da História. Imune ao espírito comunitário que forjou a infância do Estado judeu, e avesso a um dos mais caros pilares da vida israelense – a família -, Dayan viveu como um corpo estranho entre seus correligionários. Na época em que fez parte de governos trabalhistas, como ministro da Agricultura (1959-1964) e da Defesa (1967-1974), pensava e agia como um “duro” intratável; mais tarde, ao fazer estrepitosa entrada no governo de Menahem Begin, como ministro das Relações Exteriores, acabou renunciando por total incompatibilidade com sua linha nacionalista de direita.
GENERAL ÉPICO – Se para os israelenses seu tipo de heroísmo foi extravagante demais, para o resto do mundo ficará a imagem de um dos únicos generais épicos do pós-guerra. Junto com a meticulosidade do general norte-vietnamita Vo Nguyen Giap, que estraçalhou a autoconfiança militar dos Estados Unidos no Sudeste Asiático, Moshe Dayan entra para a História com suas audaciosas vitórias de 1956 (Guerra do Sinai) e 1967 (Guerra dos Seis Dias), em que suas tropas puseram soldados de três países árabes a correr. Nesse sentido, a desoladora incapacidade de suas tropas para conter o avanço inicial egípcio na Guerra do Yom Kippur, em 1973 – e jamais perdoada por seus correligionários -, é secundária.
Guerreiro desde os 14 anos, quando ingressou na organização clandestina Haganah, ele se considerava feito de matéria diferente dos demais seres humanos. “Em geral, o corpo humano sobressalta quando ouve disparos. O meu não sofre nenhuma reação física”, explicava. Sua receita para sair vencedor também soava simples: “Quando entro em guerra, estou absolutamente convencido de que vou ganhar e sair ileso. Sem isso, você perde”.
Outros atribuem seus êxitos militares a uma rara habilidade de detectar, à primeira vista, a disposição de um soldado para a luta. Mas para o falecido primeiro-ministro David Bem Gurion, um dos fundadores do Estado de Israel e único amigo de Dayan confessa ter amado (“Ele foi nosso Moisés moderno”), a coragem do polêmico general vinha simplesmente de sua inconsciência.
ÓDIO AO TAPA-OLHO – Depois de ter conduzido à morte mais árabes que qualquer outro homem da história moderna, Moshe Dayan empenhou-se com audácia semelhante para desfazer o impasse secular de Israel. Nascido e criado junto a palestinos, e falando árabe fluentemente, tinha fascínio por entender seus irmãos inimigos. Vários terroristas da OLP presos em Israel foram trazidos à noite para seu gabinete de trabalho para tentativas de diálogo em torno de xícaras de café. Adepto da diplomacia secreta, encontrou o rei Hussein da Jordânia várias vezes dentro de um Mercedes, no deserto de Arava, ao norte de Eilat. Em 1977, fez três visitas cinematográficas ao rei Hassan do Marrocos, escondido atrás de uma volumosa peruca, bigode postiço e pesados óculos escuros fincado no nariz. Na verdade, os dois primeiros disfarces eram supérfluos: sem seu tapa-olho, Moshe Dayan já era irreconhecível.
Ele o odiava. “A atenção que provoca me é intolerável”, escreveu em suas memórias. Considerava-se um deficiente físico por usar a venda e sofria de dores de cabeça intermitentes pelo acidente que lhe roubara a vista esquerda aos 26 anos de idade, em 1941. Na ocasião, lutava junto aos ingleses na Síria contra os franceses de Vichy e observava o campo de batalha. Um tiro certeiro estilhaçou o binóculo e seu globo ocular, impedindo-o sequer de implantar posteriormente um olho de vidro.
VÉRTEBRAS QUEBRADAS – Durante um breve período, encantou-se pela carreira jornalística e chegou a cobrir a Guerra do Vietnã para vários jornais ingleses e israelenses. Mas, à parte a carreira militar e política, apenas uma atividade consumiu todas suas energias e paixão: a arqueologia. Foi sua forma mais pessoal de amar Israel. À medida que avançava em seus trabalhos de escavação, mergulhava em profundas considerações filosóficas sobre as várias etapas da humanidade que viveram naquele solo tão disputado. Em 1968, enquanto afundava numa caverna à procura de artefatos da Idade do Bronze, as paredes de areia ruíram e ele permaneceu 16 minutos soterrado. Jamais se recuperou totalmente das duas vértebras e três costelas quebradas na ocasião e, sobretudo, da paralisação de várias cordas vocais. Em compensação, os jardins de sua esplendorosa casa no bairro de Zahala, em Telavive, ficaram repletos de valiosas peças arqueológicas e seus bolsos se encheram de dinheiro. As acusações de ter-se apropriado indevidamente de bens nacionais foram tantas que, quando visitou o Cairo, no Egito, como chanceler, em 1979, alguns jornais da oposição comentaram: “Os egípcios tiveram sorte: Moshe Dayan foi ao Cairo mas as pirâmides continuam lá”. O fato de ele ter doado uma urna ao Museu do Louvre não diminuiu a polêmica.
Ao morrer no dia 16 de outubro de 1981, no hospital Tel Hashomer de Telavive, esquálido e corroído por um câncer estomacal, Dayan não deixou seu país em prantos. Ao longo de seus 66 anos, foi alternadamente admirado e criticado. De qualquer forma, Moshe Dayan morreu sem querer reconhecimento. “Não quero que ponham meu nome em nada, nem discursos, nem retratos, nem honras”, comentou em 1980.
“Jamais aceitei títulos ou honrarias pois eles não servem para nada. Para que ter o título de doutor honoris causa? Ou você é doutor ou não é. Homenagens póstumas também são bobagem: ou você está vivo ou não.”
(Fonte: Veja, 21 de outubro de 1981 – Edição 685 – ISRAEL – Pág; 57/58 – DATAS – Pág; 115)