Sergei Mikhailovitch Eisenstein (Riga, Império Russo, 23 de janeiro de 1898 Moscou, 11 de fevereiro de 1948), diretor, roteirista, editor, considerado oficialmente um grande cineasta, bolchevique de primeira hora, marxista convicto e bem informado, autor de uma vasta obra teórica (só parcialmente publicada) sobre estética, cinema, teatro, a função das cores e do som, Freud, Marx e Gogole, entre outros temas, ele era um misterioso e tímido intelectual fascinado por problemas religiosos e pelos valores decadentes do mundo antigo.
Seu pai, judeu convertido à religião ortodoxa, pertencia à burguesia influente de Riga, Letônia, onde Serguei nasceu em 23 de janeiro de 1898. Sempre foi totalmente incompreendido por pai e mãe. Esta jamais deixou de criticá-lo e tinha por norma não dizer nada sobre o trabalho do filho: aos olhos de Eisenstein, esse silêncio equivalia a uma condenação. Além disso, pai e mãe, inimigos da Revolução, cedo viram no filho um Inimigo de classe do pai, não precisou mais seguir a profissão deste, engenharia, e saiu de seus cálculos com a sensação de que nem todo o seu tempo fora perdido: Aprendi a gostar do pensamento racional e da precisão matemática.
Amargurado – Ele aplicaria esse gosto em toda a sua obra – mas talvez não tanto na sua vida. Em 1924, depois de trabalhar como cenógrafo e diretor de teatro, fez seu primeiro filme, “A Greve”, mal compreendido na época e onde já expunha com toda clareza seu método de trabalho. O ano seguinte foi o ano de “O Encouraçado Potemkin”, equivalente à revelação e triunfo, seguindo-se “Outubro” (1927) e “A Linha Geral” (ou: “O Velho e o Novo”, 1929). Grande e famoso, Eisenstein foi mandado ao exterior como estrela. Chegou a Hollywood em 1930 para começar um período de nove anos de desgraças. Sua adaptação de Uma Tragédia Americana, embora aprovada com entusiasmo pelo autor do romance, Theodore Dreiser, não agradou à Paramount e um filme muito diferente acabou sendo feito por Josef von Sternberg. O que havia de melhor em Hollywood estava solidário com Eisenstein, ouvia-o e admirava-o: Chaplin deu-lhe fotos autografadas e fez questão que o seu “Ombro, Armas!” passasse em programa duplo com “A Linha Geral”. Entre 1930 e 1932, Eisenstein filmou milhares de metros de película no México, com dinheiro do escritor e produtor Upton Sinclair, e, quando se preparava para o último episódio do seu gigantesco painel, os recursos foram cortados. Sinclair vendeu o material para diversos estúdios, que espalharam as cenas por filmes anônimos, e o que sobrou – “Que Viva México!” – foi montado na ordem possível por Marie Seton. É hora e meia de estupefaciente beleza, segundo um coro de críticos americanos e franceses, e que só foi mostrada anos depois. Desgostoso e desgastado, o gênio russo voltou para casa.
Derrotado – Foi recebido como um estranho. Já tivera que cortar de “Outubro” doze minutos em que aparecia a figura de Trótski (então desterrado em Alma Ata) e foi com enormes sacrifícios que conseguiu convencer o diretor da cinematográfica soviética, Boris Choumiatzky, a deixá-lo filmar “Os Prados de Besjine”. Depois de dois anos de trabalho, entre 1935 e 1937, duas semanas antes do fim da filmagem, Choumiatzky repetiu Upton Sinclair, com um adendo ideológico: além de cortar a verba do filme, acusou o diretor de mostrar a luta de classe não de um ponto de vista dialético e materialista, mas subjetivista.
Á versão oficial soviética, durante trinta anos, sustentou que os negativos de “Os Prados de Besjine” desapareceram sob as bombas alemãs em 1942. Mentira: em 1967, um aluno da Cinemateca de Moscou descobriu quatro ou cinco fotogramas de cada plano rodado, o bastante para a montagem d eum filme de fotos fixas de 25 minutos, mostrado em Paris no ano seguinte. Um novo coro de exaltação: “Seria o mais belo filme da história do cinema”.
Conformado A Eisenstein, no entanto, esta exaltação póstuma não poderia servir em 1938. Estava há nove anos inédito, já reconhecera publicamente que “Besjine” seria mesmo “formalista” e agarrava-se a “Alexandre Nevsky” com unhas e dentes. O filme conta a resistência russa aos alemães, no século XIII, e o caráter do príncipe (Nicolai Cherkassov) que subverte seus conterrâneos apáticos pela falta de liderança. Os “conselheiros” certamente não aconselharam muito. Eisenstein tinha na cabeça outras obsessões além de exaltar o patriotismo do povo – a lenda dos Niebelungos e o “Paraíso Perdido” de Mílton, cuja “Batalha do Céu” inspirou a sequência do lago, entre outras, e dá uma lição de como compor massas, cores escuras e brancas, e multidões em choque. Sintomáticamente, nenhuma gota de sangue corre nesta batalha de proporções épicas, sabiamente dividida entre a exasperação e a poesia acentuadas pela música de Prokofieff. Eisenstein desprezava esses recursos e não precisou deles para fazer um grande filme capaz de agradar até mesmo aos censores. Dizem – mas não há provas – que Stálin assistiu o filme e deu tapinhas nas costas do diretor: “Apesar de tudo, camarada Sergei Mikhailovitch, você é ainda um bom bolchevista. Na história das relações entre artistas e o regime soviético, o papel de vilão vai sempre para Stálin, numa monotonia maníaca. No caso de Eisenstein, não foi exatamente assim. O maior artista da Revolução de outubro jamais sofreu represálias políticas diretas, sua vida e liberdade nunca estiveram em perigo e não perdeu seu cargo de professor na cinemateca soviética.
Eisenstein não era um homem convencional. Seu Alexandre Nevsky, evidencia-se um filme aristocrático e populista, patriótico e patrioteiro, refinado como uma estátua da Renascença e grosseiro como um panfleto de doutrinação política, ele atesta que realmente o artista soviético não era obrigado a escrever hinos à produção de parafusos e às plantações de beterraba (em 1924, Trótski ainda era poderoso). No entanto, este artista teria, por convicção ou por obrigação, de pagar seu tributo a uma nebulosa entidade chamada “nova arte revolucionária” (em 1938, quando o filme foi feito, Stálin já era o novo czar). Eisenstein pagou seu tributo por convicção e por obrigação.
Formalista Se Trótski, que era em 1924, o melhor crítico literário da Rússia, dizia claramente que “a arte proletária e revolucionária ainda não nasceu”, como esperar que Stálin, desprovido de qualquer ideologia neste assunto, fosse apressar o parto? Exatamente da forma que fez: por decreto.
Três conselheiros” foram levados ao campo de filmagem para que Eisenstein não fizesse mais um de seus “filmes formalistas”. E como esperar que Eisenstein, já então famosa no mundo inteiro, aceitasse esse policiamento? Não exatamente da forma como fez. A monumental sequência da batalha sobre o lago gelado é simplesmente quebrada com trivialidade desse tipo: “Espada bem temperada!” (um soldado do príncipe Alexandre), “Não é a têmpera que importa, mas a mão que maneja!” (resposta do príncipe). No final, vitorioso, Alexandre dirige-se ao povo de Nóvgorode diz: “Quem quiser visitar a Rússia como amigo será bem recebido. Se vier com ferro, com ferro será ferido. Assim é e será”. Certamente Adolf Hitler não viu “Alexandre Nevsky”, através do qual Stálin pretendia despertar o sentimento patriótico dos russos ante a ameaça de uma invasão alemã. Três anos depois, seus exércitos invadiam a União Soviética.
Dividido Foi um erro histórico (acusação feita antes a dois filmes de Eisenstein, Outubro e “Os Prados de Besjine”) mas de Stálin. Mais tarde, em 1946, os censores soviéticos voltaram a ver erros históricos nas duas partes de Ivã, o Terrível (a terceira, planejada por Eisenstein, nunca foi feita). Eisenstein erraria realmente tanto?
A 9 de fevereiro de 1948, com cinquenta anos, preso em casa por uma doença cardíaca, o grande homem provavelmente sentia que nunca mais conseguiria ser inteiramente o que queria nem deixaria totalmente de ser o que era. Numa entrevista dada no dia de sua morte, e só publicada em 1968 – quando faria setenta anos -, Eisenstein fala com grande vigor de seus trabalhos teóricos, seus planos, suas teorias. Da sua vida diz pouco e muito: “Vou provar tudo que disse” (sorri). “Não. Não vou provar nada. Não tenho nada a fazer, a não ser morrer.”
(Fonte: Veja, 16 de junho de 1971 Edição n° 145 CINEMA/ Sua Majestade Eisenstein – Pág; 72/73)