14 de setembro de 1982 – Atentado provoca a morte do presidente libanês, Bachir Gemayel.
Bachir Gemayel (Achrafieh, Beirute, 10 de novembro de 1947 Achrafieh, 14 de setembro de 1982), um dos principais líderes e comandantes do Partido Falangista, uma milícia cristã de extrema-direita, apoiada por Israel, e que lutava contra os muçulmanos nacionalistas libaneses e os militantes palestinos. Gemayel foi um jovem presidente eleito libanês, o tempestuoso novo homem forte do Líbano.
Odiado por sua atuação como comandante da milícia cristã que combateu a esquerda na guerra civil de 1975/1976, Gemayel era tido, nessa área, como o pior dos inimigos. No outro extremo do espectro estão os poderosos e amargos inimigos que Gemayel amealhou após a guerra civil, quando sua trajetória rumo ao controle de todas as milícias direitistas deixou atrás de si um rio de cadáveres.
Inimigos não faltavam ao jovem Gemayel, que amealhou uma respeitável galeria de adversários ao longo de sua violenta ascendência até o poder. Aos 34 anos, ele era temido e respeitado, mas raramente amado. A lista dos que teriam algum interesse em sua morte vai da extrema direita à extrema esquerda libanesa, atravessa as fronteiras nacionais até a Síria e Israel, faz uma escala obrigatória nas fileiras da OLP e não isenta sequer seus próprios seguidores. Quem fez o trabalho, de qualquer forma, o fez bem, pois conseguiu burlar o sofisticado esquema de segurança do Partido Falangista e em sua sede colocar uma bomba gigantesca. É indispensável que conhecesse o local e suas armadilhas como a palma da mão, que circulasse com naturalidade em terreno inimigo e contasse com o sólido apoio de seus cúmplices.
O candidato mais natural ao papel de culpado seria, teoricamente, um dos grupos muçulmanos de esquerda que combateram a eleição de Gemayel até o fim. Em contrapartida, depois que a OLP deixou Beirute, é difícil imaginar que as remanescentes milícias de esquerda pudessem desfechar golpe tão audacioso. Banidos há anos do setor leste da cidade, junto com a OLP, elas teriam dificuldades em implodir com precisão de engenheiro os três andares inteiros do prédio. No outro extremo do espectro estão os poderosos e amargos inimigos que Gemayel adquiriu após a guerra civil, quando sua trajetória rumo ao controle de todas as milícias direitistas deixou atrás de si um rio de cadáveres.
“VOU CONSEGUIR” – Mas, bem ou mal, à moda libanesa, o país estava-se assentando vagarosamente após mais de dois meses de destruição diária, e a própria oposição feroz ao presidente eleito parecia estar-se dissipando. Acusado de ser um traidor da causa árabe, e de ter chegado à Presidência graças à presença dos tanques israelenses, Gemayel tentava criar condições para um consenso maior em torno de seu nome. E talvez estivesse conseguindo. Quarenta e oito horas antes de seu assassinato, ele tinha obtido o apoio de um grande rival político, o ex-presidente do Conselho, Saeb Salam, um muçulmano moderado que nunca escondeu suas simpatias pela causa palestina. “Quero ser o presidente de todos os libaneses, e se Deus me der vida” – disse na ocasião Gemayel, usando uma tradicional expressão árabe – “vou conseguir.”
Não o fez. E talvez por isso tenha desapontado com tanta insistência a hipótese de um envolvimento estrangeiro no atentado. Tanto o primeiro-ministro Chafik Wazzan como o presidente Elias Sarkis refereriram-se sombriamente a um complô para manter o Líbano dividido e fraco. A vizinha Síria, por exemplo, ainda tem cerca de 25 000 soldados ocupando parte do Líbano, e até agora não deu nenhum sinal concreto de querer retirá-los unilateralmente. O aumento de efervescência política do país vizinho, provocado pelo assassinato de Gemayel, lhe traria a vantagem de retardar a consolidação da temida aliança Líbano-Israel. O governo de Menahem Begin, naturalmente, suger essa conexão, incluindo os palestinos na acusação. Depois do rei Abdullah da Jordânia, assassinado em 1951 por seus contatos secretos com Golda Meir e Moshe Dayan, e do presidente egípcio Anuar Sadat, eliminado por extremistas muçulmanos quatro anos após sua histórica viagem a Jerusalém, teria sido a vez de Bachir Gemayel pagar pela mesma coragem.
PETULANTE O líder palestino Yasser Arafat, por sua vez, devolve a acusação na mesma moeda, apontando o dedo reto em direção ao governo Begin. Naturalmente a investida israelense contra Beirute ocidental poucas horas após o assassinato ajudou consideravelmente o líder palestino a defender a tese de que Israel procurava apenas uma desculpa para ampliar seu controle sobre o Líbano. Afinal, embora um dos vários objetivos declarados de Begin nessa guerra seja a formação de um governo libanês forte, unificado e independente, também se pode raciocinar inversamente: um Líbano frágil, dividio e dependente de Israel também teria suas vantagens.
O primeiro e último encontro entre Menahem Begin e Bachir Gemayel, realizado catorze dias antes de sua morte numa suíte do hotel Carlton de Naharia, ao norte de Israel, veio fortalecer os rumores de que as coisas não iam bem entre os dois aliados recentes. Ao que se sabe, o encontro não foi sereno, pois várias divergências pareciam justificar o mau humor do chef de governo israelense.
Para começar, logo após sua eleição, Gemayel decidira assumir uma postura mais política que militar, chegando a prometer aos palestinos do norte do país que poderiam permaneceri ali, e que, se respeitassem a lei, receberiam em troca “nossa proteção”. Além disso, quando Israel admitiu reabrir o aeroporto de Beirute ao tráfego árero, impondo como condição o uso exclusivo de uma das pistas para aviões militares israelenses e a participação da polícia militar do Exército israelense no controle de passaportes dos passageiros, Gemayel respondeu com um sonoro não.
Por fim, com uma insistência que o chanceler israelense Yitzhak Shamir chegou a rotular de “petulante”, Gemayel apontou como primeiro objetivo de seu futuro governo o de livrar o Líbano de “todas” as forças estrangeiras, incluindo nisso os 85 000 israelenses. Só depois, disse Gemayel, o Líbano poderá resolver seu destino e escolher seus amigos, deixando aberta a porta para um tratado de paz com Israel, mas sem o mesmo entusiasmo revelado antes das eleições. Mais tarde Begin diria a seus assessores: Pensei que esse rapaz fosse mais corajoso. Ele está com medo e não percebe que só Israel pode salvá-lo.
Mal houve tempo para enterrar condignamente Bachir Gemayel, morto em um atentado fulminante na tarde do dia 14 de setembro. Aos problemas militares, constitucionais e políticos impostos ao castigado país pelo assassinato de seu jovem presidente eleito, que deveria tomar posse no dia 23 de setembro, vieram-se juntar, mais uma vez, o medo, a morte e o espectro de asfixia diante do poderio militar de Israel. Apenas vinte e dois dias após a vitória eleitoral de Gemayel, 200 quilos de dinamite transformaram a sede de seu Partido Falangista, em Beirute, no setor oriental de Achrafieh, em seu túmulo. Uma bomba colocada com perícia na parede externa do prédio fez ruir os três andares sobre os quase 400 líderes maronitas reunidos no andar térreo. A explosão foi tão devastadora que Gemayel só pôde ser identificado quando, entre os restos de 32 corpos, foi encontrado um cadáver com o anel do presidente uma jois pouco discreta, com o cedro-do-líbano em relevo, presente de sua mulher Solange no dia da eleição.
“Foi como se, de repente, o inferno se materializasse”, um dos sobreviventes do atentado, o general Gaby Lahoud, diretor da M.E.A., a companhia aérea libanesa, e que se encontrava no edifício para a última reunião de amigos com Gemayel antes da posse. Num primeiro momento pensamos em ataque aéreo, mas depois raciocinamos que Israel não bombardeia seu aliado”, admitiu candidamente. Foram necessárias mais de 6 horas para extrair o corpo de Gemayel da montanha de escombros, mas não foi preciso mais de 12 horas para que os blindados, os caças-bombardeiros e os navios de combate isralenses apontassem novamente para Beirute ocidental e desfechassem o golpe de graça ao setor muçulmano que resistira quase 75 dias ao lado dos palestinos.
PLACA PARA DAYAN – A presença inesperada do ministro da Defesa de Israel, Ariel Sharon, nos funerais de Gemayel, refletia bem a anárquica situação vivida pelo Líbano: logo após a cerimônia, o irrequieto general retornava a seu posto de observação em Beirute para comandar a razzia ao que restava de resistência muçulmana. De lá, Sharon passou o resto da semana fazendo uma ponte aérea com Jerusalém, para enfrentar no Parlamento, ao lado do primeiro- ministro Menahem Begin, as investidas da oposição trabalhista a essa nova escalada. A Operação Paz na Galiléia (nome dado à investida que culminou com a retirada da OLP) foi um êxito completo, assegurara Begin a seus compatriotas por ocasião do Ano-novo judeu. Simultaneamente, porém, seu ministro da Defesa justificava a invasão de Beirute com a necessidade de prevenir o perigo de “violência, derramamento de sangue e caos”, pois ainda havia “cerca de 2 000 terroristas” portando armas modernas e pesadas na capital.
Na verdade, o que se estava completando era uma ocupação de fato do Líbano pela quarta potência militar do mundo, e nada parecia demover Begin de seu curso. Os quinze votos a zero do Conselho de Segurança da ONU, que na noite de 17 de setembro exigiram a imediata retirada israelense de Beirute e contaram com a voz ativa dos Estados Unidos, caíram no vazio.
SOB MEDIDA Apesar dessas possíveis desavenças, o fato é que Israel terá de trabalhar duro para encontrar um candidato sob medida, e aceito por todos, à Presidência do Líbano. Na manhã de sexta-feira, dia 17 de setembro, quando o gabinete de Begin recebeu a notícia oficial da decisão dos falangistas em insistir num membro da família Gemayel para a sucessão, não houve o menor untusiasmo. O candidato designado Amin Gemayel, seis anos mais velho que seu irmão Bachir, jamais demonstrou grandes vocações militares. Em seu primeiro pronunciamento como candidato, pediu a saída imediata dos israelenses da capital libanesa. “Ele tem condições de jogar com todas as cartas de um baralho inteiramente novo”, afirmou criticamente o líder palestino Yasser Arafat em Damasco, após ter deixado Roma às pressas.
O único opositor de Amin era o octogenário ex-presidente do Líbano pelo Partido Nacional Liberal de 1952 a 1958. Foi Chamoun quem pediu o desembarque de fuzileiros navais americanos em 1958 para sufocar uma rebelião contra o seu governo insuflada pelo presidente egípcio da época, Gamal Abdel Nasser (1918-1970).
(Fonte: www.correiodopovo.com.br – ANO 117 – Nº 350 14 de setembro de 2012 CRONOLOGIA)
(Fonte: Veja, 22 de setembro de 1982 Edição n° 733 – INTERNACIONAL Pág; 32/37)
UNIFICAR O LÍBANO É O OBJETIVO
O presidente eleito do Líbano, Amir Gemayel, assumiu dia 23 de setembro de 1982 o comando do país em meio a ruínas. O novo chefe do Estado libanês, entretanto, mira a reconstrução do território. Como?
A partir da unificação política. Conforme ele, esta é a alternativa para mobilizar a população e erradicar a violência na região. Mas os ataques continuam. Dia 23 de setembro de 1982, uma embaixada francesa na capital, Beirute, foi destruída por bombas.
(Fonte: Zero Hora – ANO 49 – Nº 17.154 24 de setembro de 2012 Há 30 Anos em ZH – 24 de setembro de 1982, SEXTA-FEIRA)