Você pensa que pensa – quem pensa sou eu. Borges de Medeiros

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Aureliano de Figueiredo Pinto (Tupanciretã, 1° de agosto de 1898 – Santiago do Boqueirão, 22 de fevereiro de 1959), poeta, médico e fazendeiro gaúcho, autor de “Memórias”, escritas em 1937, permaneceram inéditas durante 36 anos. Para os críticos mais entusíasmados, o descuido provocou no mínimo uma revisão de valores na literatura gaúcha, pois o único romance de Aureliano estaria ao nível dos melhores escritores do Rio Grande do Sul. Os maiores prejuízos do ineditismo podem ser computados à literatura regionalista e à própria compreensão da história do Rio Grande do Sul nas primeiras décadas do século 20. No caso do regionalismo, eles são irreparáveis, pois o gênero morreu por falta de bons seguidores.

Se publicadas em 1937, as “Memórias” certamente trariam uma renovação importante a um tipo de literatura desgastado pelo excesso de exotismo e pela utilização inverídica de seu heróis – o gaúcho – como um mito livre e invencível. O gaúcho, na revisão de Aureliano, é um homem só e explorado, sem terra e sem romantismo. Seunomadismo o levará finalmente à beira de uma cidade, onde – num desfecho exacerbado – as crianças morrerão de fome, a filha cairá na prostituição e ele viverá de biscates.

Os antigos e poderosos coronéis fazendeiros da zona da fronteira gaúcha eram vítimas habituais de três vícios incuráveis: jogo, mulheres e política, quase sempre nesta ordem. Imune à volúpia do jogo, o coronel Falcão perdeu-se entre as saias da mulher alheia e as armadilhas da politicagem provinciana. Entre outros encargos, a mulher trouxe a maledicência; e a política, o gerente de banco. Este, em sucessivas e generosas hipotecas, além de garantir as despesas partidárias, financiava os arroubos amorosos. Como tantos outros coronéis, Falcão não resistiu. Transplantado de suas três léguas de campo para as escorregadias conspirações da cidade, após uma curta e acidentada carreira como chefe político, acabou ficando sem dinheiro, sem mulher e sem poder.

Aureliano situa seu coronel sob o poder do caudilho Borges de Medeiros, que governou o Estado durante 25 anos, quando a pressão dos bancos, a estrada de ferro e a Brigada Militar acabavam com o poder paralelo dos estancieiros. Nesse período surgem os problemas que mais tarde provocariam as revoluções de 1923 e 1930. Falcão é uma de suas vítimas. Levado ao poder pelo caudilho, é por ele mesmo derrubado, pois o Grande Chefe não admite divergências. Sua filosofia resume-se numa frase apenas, dita a um de seus prepostos: “Você pensa que pensa – quem pensa sou eu”.

(Fonte: Veja, 6 de março de 1974 – Edição n° 287 – Literatura/ Por J. Escosteguy – MEMÓRIAS DO CORONEL FALCÃO/ Por Aureliano de Figueiredo Pinto – Pág; 94/95)

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