Escritora foi cotada para o Prêmio Nobel de Literatura
Escritora guadalupense venceu em 2018 o New Academy Prize in Literature, prêmio alternativo ao Nobel
Maryse Condé. — (Foto: Martin Bureau / AFP)
Maryse Condé (nasceu em 11 de fevereiro de 1934, em Pointe-à-Pitre, Guadalupe – faleceu em 2 de abril de 2024), escritora guadalupense, grande voz da literatura francófona, que em seus mais de 30 livros, sendo cerca de 20 de ficção, levantou assuntos como o colonialismo, a sexualidade e a diáspora negra — mas mantendo o seu Caribe natal sempre no centro da narrativa.
Em 2018, ela foi a vencedora do New Academy Prize in Literature, prêmio alternativo ao Nobel, suspenso naquele ano por conta de um escândalo no comitê de jurados.
Também era muito conhecida nos Estados Unidos, onde viveu por vinte anos em Nova York. Na cidade americana, inaugurou e dirigiu um centro de estudos francófonos na Universidade de Columbia.
Até o final de sua adolescência Maryse Condé não havia se percebido negra. Nunca tinha ouvido falar da escravidão nem da África.
Sua mãe, professora, a proibiu de falar crioulo e a obrigou a aprender francês.
Somente aos 19 anos, quando chegou a Paris, que se deu conta da barreira que sua cor de pele impunha.
Começou a escrever aos 42 anos, após 12 anos de dificuldades, e conseguiu graças a Richard Philcox, que se tornou seu tradutor.
Em 1976, publicou Heremakhonon, depois Segu (1984-1985), um sucesso de vendas, sobre o império bambara no século 19 no Mali.
Seu nome foi mencionado diversas vezes para o Prêmio Nobel de Literatura.
Lançado em 2006 na França, “Victoire, les saveurs et les mots” é um retrato da avó da autora, a cozinheira Victoire Élodie Quidal. Requisitada pela elite da sociedade de Guadalupe, Quidal era conhecida pelo virtuosismo na cozinha. Autodidata, não sabia nomear seus pratos, mas ela não se importava. Passava o dia trancada na cozinha, buscando a perfeição para os seus pratos. Condé conta a história surpreendente de sua avó sem nunca tê-la conhecido.
Em um perfil de 2023, o jornal The New York Times comentou sobre o reconhecimento à octogenária: “Uma coisa é certa: se Condé está finalmente recebendo a aclamação que sua ampla obra merece, essa atenção se torna um tanto agridoce vindo tão tarde em sua vida e carreira”.
Do Caribe para Paris
A autora nasceu em Pointe-à-Pitre, principal cidade do arquipélago francês da Guadalupe, no Caribe, em 11 de fevereiro de 1934. Era a mais nova de oito filhos. Sua mãe, professora, a proibiu de falar o dialeto creole e a obrigou a aprender francês. Foi para Paris aos 16 anos para estudar, mas acabou expulsa da escola depois de dois anos.
“Quando vim estudar na França descobri os preconceitos das pessoas. As pessoas acreditavam que eu era inferior só porque era negra. Tive que provar a elas que era talentosa e mostrar a todos que a cor da minha pele não importava — o que importa está no seu cérebro e no seu coração”, contou a escritora ao The Guardian.
Mais tarde, se formou em Literatura Comparada na Sorbonne Nouvelle. Já na década de 1960, como uma jovem marxista, mudou-se para a recém-independente Guiné Equatorial, na África, onde conviveu com figuras como Malcolm X e Che Guevara, e se cercou de cineastas, ativistas e exilados caribenhos. Ainda na África, foi professora em Gana e no Senegal.
Em sua coleção de ensaios “A jornada de um escritor caribenho”, ela descreve o profundo impacto da África sobre ela:
— Foi a África que me revelou a mim mesma, permitindo-me ver o mundo em que vivo e olhar as coisas à minha volta à minha maneira, eu, Maryse Condé, negra, mulher e caribenha.
A partir de 1985, ela passa a lecionar nos Estados Unidos, onde viveu 20 anos. Como professora na Universidade de Columbia, em Nova York, inaugurou e dirigiu um centro de estudos francófonos. Também deu aulas nas universidades da Califórnia, Berkeley, UCLA, Sorbonne, Virginia e Nanterre.
“Sempre trabalhei com ela em diferentes editoras e admirava profundamente sua influência, sua coragem. Inspirou muitos escritores a iniciar uma carreira”, declarou à AFP seu editor, Laurent Laffont.
Obra
Condé lançou seu primeiro romance, “Hérémakhonon” (1976), quanto tinha 42 anos. Em 1984 veio seu primeiro épico histórico, “Segu”, que a colocou no mapa literário. Seu outro grande sucesso internacional foi “Windward heights” (2008), sua homenagem a “O morro dos ventos uivantes” (no original, “Wuthering heights) ambientado em Cuba e Guadalupe na virada do século XX. Neste livro, que tem lançamento planejado no Brasil pela Bazar do Tempo, a autora usa um procedimento que aplicaria em outras obras: reimaginar o cânone literário ocidental com a vida caribenha no centro.
Em entrevista ao New York Times, a escritora haitiana Edwidge Danticat disse que via Condé como uma “gigante da literatura”, cuja obra conecta continentes e gerações: “Podemos acompanhar não apenas a história do Caribe, mas a diáspora africana em sua obra. Sempre aguardo o trabalho dela para ver como aborda o familiar novamente, levando-nos a essas jornadas inesperadas pelo passado, presente e futuro.”
Condé, que tinha um distúrbio neurológico degenerativo que dificultava a fala e a visão, ditou seus últimos livros para Philcox. Seu derradeiro romance foi “O evangelho segundo o novo mundo”, que acompanha uma figura mestiça, semelhante a Cristo, que viaja pelo mundo em busca de significado e pertencimento. Ao longo do caminho, encontra revolucionários, tiranos, falsos profetas e verdadeiros Judas — além de amantes apaixonados.
“Fazer parte de tantos mundos — parte do mundo africano por causa dos escravos africanos, parte do mundo europeu por causa da educação europeia — é uma espécie de duplo sentido”, declarou a autora em 1989 à revista americana Bomb. “Podemos usar isso à nossa maneira e dar outro significado às frases. Fico contente de trabalhar assim, é uma espécie de jogo perverso mas alegre.”
Condé passou a ser editada recentemente no Brasil, onde a editora Rosa dos Ventos lançou quatro obras suas: “Eu, Tituba: bruxa negra de Salém”, em 2019, “O evangelho do novo mundo” e “O coração que chora e que ri: contos verdadeiros da minha infância”, ambos em 2022; e “O fabuloso e triste destino de Ivan e Ivana”, publicado em fevereiro de 2024.
Maryse Condé faleceu na madrugada da terça-feira, em 2 de abril de 2024, no hospital de Apt (Vaucluse), segundo informou à AFP seu marido, Richard Philcox.
“Sempre trabalhei com ela em diferentes editoras e admirava profundamente sua influência, sua coragem. Inspirou muitos escritores a iniciar uma carreira”, declarou à AFP seu editor, Laurent Laffont.
(Créditos autorais: https://www.msn.com/pt-br/noticias/brasil – Estadão Conteúdo/ NOTÍCIAS/ BRASIL/ História de Redação – MARSELHA, FRANÇA / AFP – 02/04/2024)
(Créditos autorais: https://oglobo.globo.com/cultura/noticia/2024/04/02 – O Globo/ CULTURA/ NOTÍCIA – 02/04/2024)