Samson Flexor (Soroca, Bessarábia, Romênia, 1907 São Paulo, julho de 1971), pintor, desenhista e educador franco-romeno-brasileiro, que ao pintar dominava com sensibilidade e elegância.
Figura humana Filho de pais franceses, nascido em 1907, na Romênia, Flexor viveu em Paris desde a adolescência e estudou e expôs com vários grupos conhecidos de entre as guerras. Foi amigo de André Lhote (5 de julho de 1885-25 de janeiro de 1962), Fernand Léger, Henri Matisse. Veio para o Brasil em 1948, numa época em que a arte abstrata mal se instalara no país. E coube-lhe ser, aqui, um de seus defensores mais radicais. Primeiro, abandonou seu antigo estilo meio cubista – embora voltasse a ele, eventualmente, em obras de tema sacro, como os afrescos das igrejas de Nossa Senhora de Fátima e Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, em São Paulo. Em 1951, fundou o Atelier Abstração, pelo qual passaram, entre outros, os artistas Norberto Nicola, Jacques Douchez, Anatol Wladyslaw e Iracema Arditti. E evoluiu para uma abstração de tipo lírico, que, nos últimos anos, voltou a sugerir a figura humana, sobretudo sob a forma de manchas arquetípicas, meio simétricas, muito parecidas com as pranchas do conhecido teste psicológico de Rorschach.
Quase quatro anos depois de sua morte, em julho de 1971, aos 63 anos, o pintor voltou às salas dos museus. Desta vez, por iniciativa de sua viúva, Margot Flexor, que conservou em casa um razoável acervo do artista. E ele deixou muitos quadros. Trabalhava infatigavelmente, com uma admirável disciplina. Começava todos os dias às 9 da manhã, retornava após almoço e, ia até as 18h. À noite, não pintava: ouvia música. Do acervo legado à viúva, cerca de oitenta telas foram expostas no Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand. Foi uma retrospectiva discreta – mas bem organizada e inteligível. Na exposição do MASP – que homenageou os cinquenta anos de pintura de Flexor. Sua evolução é linear e convincente. A maior surpresa, contudo, ficou reservada na época às obras mais antigas, que motivariam com justiça uma visita ao Museu. Por elas, descobriu-se que Flexor, se o quisesse, poderia ter continuado para sempre pintando a figura – que ele dominava com sensibilidade e elegância.
(Fonte: Veja, 19 de março de 1975 Edição n° 341 – ARTE/ O homem escondido/ Por Olívio Tavares de Araújo Pág; 98)
Em 1922, estudou química e cursou a Academie Royale des Beaux-Arts, em Bruxelas. Dois anos mais tarde, cursou a École Nationale des Beaux-Arts, em Paris e, depois, a Academie Ranson, tendo aulas com Bissière. Nesta época era figurativo, sob influência das vanguardas parisienses. Em 1929, participou da fundação do Salon des Surindépendants. Em 1930, naturalizou-se francês e prestou serviço militar nos Alpes, onde conheceu sua esposa Tatiana, que faleceu durante o parto em 1933. Passou a estudar as raízes bizantinas e o simbolismo da arte sacra, fazendo murais e afrescos para igrejas. Em 1934, casou-se com Margot, que o acompanharia durante toda vida. Em 1936, durante a guerra civil espanhola, Flexor realizou cartazes pró-republicanos. Durante a II Guerra Mundial, foi membro da Resistência Francesa, tendo que fugir com a família. Neste período, fez vários trabalhos de temática religiosa, com representações de Cristo. Fez a promessa que, se sobrevivesse à guerra com sua família, pintaria todas as cenas da Paixão de Cristo. Mais tarde, entre 1948 e 1951, já em São Paulo, executou as pinturas nas paredes da Igreja Nossa Senhora de Fátima.
Em 1945, com o fim da guerra, Flexor voltou com a família para Paris. Os focos de seus estudos passaram a ser a geometria, a cor e a luz. Estes quadros foram expostos na mostra Pintores Independentes de Paris, na Galeria Prestes Maia, em São Paulo, quando Flexor veio ao Brasil pela primeira vez. Entre 1947-48, elementos tropicais observados no Brasil aparecem em suas telas, cada vez mais envoltos em uma trama de figuras geométricas, montadas por recortes de planos.
Em 1948, transferiu-se para São Paulo, época em que a cidade fervilhava, expondo na mostra inaugural do MAM-SP, Do figurativismo ao abstracionismo, em 1949, e na I Bienal de São Paulo, em 1951. Influenciado por Léon Dégand, diretor do MAM-SP, passou a considerar cada vez mais que a pintura deveria expressar-se por si mesma cor, luz, linha, movimento e não como cópia da natureza, defendendo, portanto, a arte abstrata. As únicas exceções foram suas obras sacras, em que a influência da figura ainda é forte, como Cristo na Cruz, de 1949, do MAC-USP. Flexor foi um formador. Desde sua chegada ao Brasil, recebia alunos em sua casa, fundando, em 1951, o primeiro grupo de arte abstrata no país, o Atelier Abstração.
Nesta época, fez inúmeros exercícios utilizando as leis naturais de harmonia e proporção, estudando o conceito clássico da chamada proporção divina. Esta lei grega, resgatada pelo Renascimento, possui elementos ao mesmo tempo matemáticos e místicos, uma integração entre o mundo e a arte. Para os gregos, a matemática possuía uma significação religiosa, com cada número representando um elemento da criação cósmica. Assim, a matemática era utilizada ao mesmo tempo para realizações práticas, mas também para a compreensão espiritual do mundo e do funcionamento da natureza. Flexor retomou estes conceitos, aspirando à representação do mundo em sua pintura na sua origem, na sua pureza. Estes conceitos espirituais da arte abstrata também são encontrados em Kandinsky e Mondrian. São deste período suas pinturas abstratas geométricas, como Geométrico Grande, de 1954, do acervo do MAC-USP, e uma série de exercícios artístico-matemáticos em papel, também deste museu. Neste período, Flexor também executou vitrais e painéis em afrescos, com soluções geométricas.
Em 1956, expôs em Nova Iorque, cidade que iria influenciá-lo profundamente, tornando-o mais aberto à abstração lírica. Em 1958, o artista naturalizou-se brasileiro, e iniciou seus afrescos para a Igreja Nossa Senhora do Perpétuo Socorro. Em suas obras deste ano, a geometria é apenas sugerida nas diagonais, em tons pastéis, que recebem um tratamento esfumaçado e diluído suavemente, como a obra Pintura, de 1960, do acervo do MAC-USP. O período é também repleto de exercícios em aquarelas sobre papel, devido às suas possibilidades de fluidez e transparência, como Sem Título, 1960, também do MAC-USP. No final da década de sessenta, o artista retornou à figuração, com uma fase sintetizada por Flexor como antropomorfismo. Com seus Bípedes, Flexor medita sobre o humano e sobre o seu mundo destrutivo. São figuras bastante expressivas. Em 1969, o artista desintegrou suas figuras no fundo branco, em um período em que o artista tinha consciência da proximidade de sua própria morte, que ocorreu em 1971. Seu amigo e ex-aluno Jacques Douchez disse sobre este período: o mestre de outrora, que passava, cheio de entusiasmo, do piano ao cavalete, é agora o homem enfraquecido, que às vezes, lágrimas nos olhos, volta à sua tela onde nascem esses Bípedes, imagens ao mesmo tempo poderosas e miseráveis de uma vida que o abandona .
O artista participou das I, II, III, IV, VI, IX, XI, XIII e XX Bienais de São Paulo, e da XXVII Bienal de Veneza.
(Fonte: http://www.macvirtual.usp.br/mac/templates/projetos/seculoxx – Tatiana Rysevas Guerra – Profa. Dra. Daisy V. M. Peccinini de Alvarado [coordenadora do projeto]