Professor e historiador
Intelectual e escritor gaúcho
Voltaire Schilling, o iluminista de Porto Alegre
Professor e historiador Voltaire Schilling em Porto Alegre — (Foto: Cesar Lopes/PMPA)
Ao longo de mais de três décadas, Voltaire Schilling deu aulas, realizou conferências e lançou livros focados em história e política. (Andrea graiz / Agencia RBS)
Um dos mais ativos intelectuais de sua geração, professor deixou marca profunda na cultura do Estado
Voltaire Schilling (nasceu em Porto Alegre, em 1944 – faleceu em Porto Alegre, em 2 de janeiro de 2022), foi professor e historiador gaúcho, foi um dos mais ativos professores e intelectuais de Porto Alegre. Era uma referência entre seus contemporâneos.
Voltaire Schilling era um intelectual prolífico. Além das dezenas de livros, aulas e palestras, ele durante anos foi assíduo colaborador de jornais, revistas e sites. Quase sempre seus artigos tratavam de análises de momentos históricos, personagens importantes ao redor do mundo, além de comentários sobre a cena cultural do Estado e também de Porto Alegre.
Ao longo de quase cinco décadas, Voltaire lecionou em diferentes instituições do Estado. Em 2008, foi eleito membro da Academia Rio-Grandense de Letras. Antes já havia sido agraciado com a Medalha Cidade de Porto Alegre e, em 2013, recebeu a insígnia de cavaleiro da Ordem Nacional do Mérito, que é uma das principais honrarias civis francesas.
Paralelamente à atividade, o historiador também se dedicou a trabalhos políticos – foi assessor parlamentar na Assembleia Legislativa entre os anos 1970 e 80 – e institucionais, atuando como diretor do Memorial do Rio Grande do Sul.
Schilling nasceu em 1944, na Capital. Formado em História na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), o professor lecionou em diversas instituições de ensino. O historiador também foi diretor do Memorial do Rio Grande do Sul.
Schilling escreveu 16 livros, entre eles “A revolução chinesa: colonialismo, maoísmo, revisionismo” (1984), “O nazismo: breve história ilustrada” (1988), “Momentos da história: a função da história na conjuntura social” (1988) e “O conflito das ideias” (1999). O professor era membro emérito da Academia Rio-grandense de Letras.
Ao longo de mais de três décadas, o historiador lecionou em diferentes instituições do Estado, como a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e o Colégio Israelita Brasileiro, além de ter sido diretor do Memorial do RS. Em 2008, foi eleito membro da Academia Rio-Grandense de Letras.
Três anos antes, foi agraciado com a Medalha Cidade de Porto Alegre. Em 2013, recebeu a insígnia de cavaleiro da Ordem Nacional do Mérito, que é uma das principais honrarias civis francesas.
Schilling era uma referência entre os historiadores gaúchos, com uma extensa coletânea de livros publicados ao longo da carreira — as obras versavam principalmente sobre história e política. Entre os trabalhos de destaque, estão os volumes O Nazismo: Breve História Ilustrada (1988), Estados Unidos versus América Latina: as Etapas da Dominação (1991), Tempos da História (1995), O Conflito das Ideias (1999), Ocidente x Islã (2003), Holocausto – das Origens do Povo Judeu ao Genocídio Nazista (2016, 2ª edição) e Ascensão e Queda de Adolf Hitler (2018, 2ªedição) e Modernismo e Antimodernismo (2019). Segundo os filhos do historiador, ele tinha pelo menos cinco obras prontas para publicação, mas ainda sem lançamento previsto.
Voltaire se orgulhava dos incontáveis livros que tinha em sua casa, dando ao ambiente ares de biblioteca. ACERVO PESSOAL LÍBIA GORELIK/REPRODUÇÃO/JC
O gaúcho também atuava como conferencista, palestrante e colaborou com jornais, revistas e portais de todo Brasil. No site Terra, chegou a comandar uma seção focada em assuntos históricos e, em Zero Hora, foi articulista da página de Opinião e colaborador do caderno Cultura. Ele também publicou textos e análises na Folha da Manhã e na revista Superinteressante. Na TV, atuou como comentarista de assuntos internacionais, culturais e políticos na TV Guaíba.
Em Zero Hora, seus artigos tratavam de análises de passagens históricas, personagens marcantes ao redor do mundo, da cena cultural do Estado e também de Porto Alegre. Schilling lançava mão de seu conhecimento para traçar paralelos com o presente – como neste texto, de 2017, em que traz considerações sobre o Brexit – ou pinçava curiosidades e jogava luz sobre detalhes históricos, a exemplo da “delação premiada em Atenas”. O historiador também opinava sobre arte e estética e, em 2009, em um artigo publicado em ZH, definia boa parte dos monumentos da capital gaúcha como “abominações”, o que suscitou um longo debate na cidade acerca do tema.
Doze livros de Voltaire Schilling
– A Revolução Chinesa: colonialismo, maoísmo, revisionismo (1984)
– O Nazismo: breve história ilustrada (1988)
– Momentos da História: a função da História na conjuntura social (1988)
– Estados Unidos versus América Latina: as etapas da dominação (1991)
– Tempos da História (1995)
– O Conflito das Ideias (1999)
– Nietzsche: Em Busca do Super-Homem (2001)
– Ocidente x Islã (2003)
– América — A História e as Contradições do Império (2004)
– Holocausto – Das Origens do Povo Judeu ao Genocídio Nazista (2016)
– Ascensão e Queda de Adolf Hitler (2018)
– Modernismo e Antimodernismo (2019).
Voltaire Schilling faleceu na noite de domingo (2), aos 77 anos, em Porto Alegre. Conforme a Secretaria Estadual da Cultura (Sedac), o óbito foi em decorrência de um quadro de embolia pulmonar que originou uma parada cardíaca. O docente estava internado na Santa Casa de Misericórdia.
Voltaire Schilling deixa os filhos Paula e Voltaire. De acordo com a Sedac, o velório ocorrerá nesta terça-feira (4), das 10h às 12h, no auditório do Memorial do RS, localizado na Rua 7 de Setembro, 1020, em Porto Alegre. O corpo do professor deve ser cremado.
Autoridades, amigos e intelectuais lamentaram a morte de Voltaire Schilling nas redes sociais.
“Ele deixa um enorme legado de contribuições à nossa cidade e a todo o país. Que descanse em paz”, disse o prefeito de Porto Alegre, Sebastião Melo (MDB).
“Nossos sentimentos aos familiares e amigos de Schilling e nossa gratidão e reconhecimento por toda sua contribuição à cultura do nosso estado”, escreveu a Sedac em nota.
“A Secretaria da Cultura de Porto Alegre agradece todo o relevante trabalho de Voltaire pela cultura da nossa cidade e deixa sentimentos e força a família, os amigos e toda a comunidade cultural, pela inestimável perda”, lamentou a pasta.
O professor Cláudio Moreno, outro contemporâneo, desconfia de alguns exageros e folclores: “Acontece que o Voltaire que conheci não foi esse personagem literário que nossa roda de amigos foi construindo com depoimentos”. Moreno lembra que foi conhecê-lo, há uns 20 anos, na mesa do Restaurante Copacabana, local onde Voltaire, Moreno, Sergius e mais uma dezena de amigos encontravam-se às quintas-feiras para uma animada confraria comandada pelos professores Luiz Osvaldo Leite e Joaquim José Felizardo, este último já falecido. “Na época”, lembra Moreno, “Voltaire já estava com o primeiro transplante vencendo. Ele enfrentava corajosamente a hemodiálise”. E acrescenta: “Depois desse encontro, voltamos a nos ver no dia seguinte. Fui jantar com o Sergius, com o Décio Freitas e com ele na churrascaria Santo Antônio, e bingo – brotou uma amizade que durou até sua morte”.
Voltaire se destacava pelo estilo. Conseguia aliar ao extraordinário conhecimento histórico que possuía uma poderosa memória. Sabia se expressar com clareza. Quem presenciava suas aulas saía com a impressão de que ele havia lido todos os livros do mundo e sabia todos de cor. À amplitude da História propriamente dita, ele anexava informações ricas e variadas sobre Arte, Literatura, Arquitetura, Ciência, Filosofia e Música. A erudição vinha acompanhada da objetividade, com Voltaire descobrindo inúmeras relações entre os diversos períodos históricos, os fatos culturais e certos acontecimentos pitorescos que ajudavam a criar a atmosfera de uma época. “Muitos alunos se referiam a suas aulas como um mergulho profundo em um tempo já desaparecido ou como uma fascinante viagem aos acontecimentos marcantes da humanidade”, destaca Sergius.
A apresentadora Tânia Carvalho ficou próxima de Voltaire por laços de família. “Em dezembro de 1963, eu me casava com Geraldo D’el Rey na Capela Nossa Senhora da Conceição. E, dias depois, minha mãe, Maria Carvalho, então viúva há muitos anos, casava-se com Carlos Londero Schilling. Carlos, pai de Voltaire, era um militar orgulhoso de sua farda e de ser coronel do Exército. Assim, já adulta eu ganhei Voltaire como irmão”. Tânia segue lembrando: “Logo depois, minhas vindas de São Paulo para visitar a família eram sempre esperadas com lautos, pantagruélicos almoços com um menu que só minha mãe sabia preparar. Eram momentos de grandes papos com toda a família: amigáveis discussões políticas, aulas de cultura, histórias das guerras mundiais. Eram magnificas conversas. Tivemos esta convivência familiar e agradável durante muito tempo. Inesquecíveis domingos de almoços familiares”.
Pedro Gonzaga, filho de Sergius e como o pai também professor de Literatura, é herdeiro da amizade de Voltaire e Sergius. E ele também ajuda a aumentar o folclore: “Segundo o pai, o Voltaire podia ter acabado com meus dias, pois certa vez quase sentou-se em cima de mim sem perceber o bebê que estava acomodado no sofá”. Porém, Pedro pondera: “Há que dar o desconto, claro, dos aumentos que o meu pai sempre faz”.
Pedro tem na memória a presença constante de Voltaire na sua família. “Ele já era amigo do meu pai e do meu tio (o professor Régis Gonzaga, também recentemente falecido) desde antes de eu ter nascido, mas minha aproximação do Tio Voltie, como ele mesmo se denominava, se deu bem mais para frente, quando eu já era adulto e professor”. Desta amizade surgiu um almoço semanal em que Pedro era convidado a ir ao sobrado numa rua próxima ao Beira-Rio onde Voltaire vivia cercado por livros. Lá, Pedro garante ter testemunhado várias vezes o historiador devorar potes de sorvetes nas sobremesas enquanto teorizava sobre os mais diversos assuntos. Sobre a vida boêmia de Voltaire, Pedro fica num meio-termo entre seu pai e Moreno: “Quando convivi mais de perto com o Voltaire ele já havia deposto as armas. Parecia mais caseiro e cansado. Mas o vi saracotear uma ou outra vez em eventos públicos ou restaurantes, sem chegar a dançar, mas fazendo movimentos e requebros com os braços. Mas de um bom chope acompanhado de pastéis o vi aproveitar muitas vezes. Gostava também de espumante demi-sec, o que talvez seja um pouco exótico”.
Nessas ocasiões, Pedro recorda, seu humor era imbatível. Voltaire vivia sempre citando um ou outro lançamento que estava lendo. “Havia tantos livros naquela casa que nem o banheiro e a cozinha eram poupados. Uma vez, sentado na poltrona junto a uma das gigantescas estantes, disse que seu sonho de menino era viver numa biblioteca, e que de algum modo o tinha conseguido”.
Sobre a formação intelectual e humanística do historiador, Sergius lembra: “Voltaire formou-se tardiamente em História sob pressão dos amigos, entre os quais eu me incluía. Consegui que a Sandra Pesavento o aceitasse no Mestrado, mas a ênfase teórica marxista das aulas o irritou profundamente, com razão, e ele largou o mestrado ainda no primeiro semestre. Se tivesse o concluído, seria difícil impedi-lo de ingressar como professor na Ufrgs”. A base de Voltaire era sólida. Ele tinha muitos livros, artigos e palestras em seu currículo e, durante um período, chegou a dar aulas de História para integrantes do Supremo Tribunal Federal, em Brasília, a convite da ministra Ellen Gracie Northfleet.
Por fim, ressalta Sergius, finda a ditadura no país e após visita a países do Leste europeu, Voltaire rompeu definitivamente com todo o tipo de pensamento utópico totalitário, articulado em torno de certezas absolutas e sectarismo, adotando uma postura cética para entender a História. “Nos últimos anos, ele combateu as explicações simplistas e puramente ideológicas dos fenômenos sociais, tentando vê-los em sua complexidade e em suas forças obscuras, atribuindo valor significativo ao papel dos indivíduos nos avanços e recuos do fluxo das civilizações”.
Pedro reforça o legado do “tio” que a vida lhe deu: “Nunca conheci ninguém tão lido, em história e cultura. Nem creio que vá conhecer. Talvez a academia pudesse tê-lo ajudado a ter mais método, mas isso é só uma especulação. Não sei o que o tempo há de preservar. Seguramente enquanto viverem seus amigos haverá lembrança de seu humor maravilhoso e de sua cultura infinita”.
(Créditos autorais: https://www.jornaldocomercio.com/_conteudo/especiais/reportagem_cultural/2022/04 – Jornal do Comércio/ REPORTAGEM CULTURAL/ por Márcio Pinheiro – 7 de Abril de 2022)
* Márcio Pinheiro é jornalista com passagens pela Zero Hora, Gazeta Mercantil, Jornal do Brasil e o Estado de S. Paulo. Escreveu os livros ‘Esse Tal de Borghettinho’ e ‘Rato de Redação – Sig e a História do Pasquim’
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(Créditos autorais: https://gauchazh.clicrbs.com.br/cultura-e-lazer/noticia/2022/01 – CULTURA E LAZER/ NOTÍCIA/ por GUSTAVO GOSSEN E NATHÁLIA CARAPEÇOS – 03/01/2022)
(Créditos autorais: https://g1.globo.com/rs/rio-grande-do-sul/noticia/2022/01/03 – Globo Notícias/ RIO GRANDE DO SUL/ NOTÍCIA/ Por g1 RS e RBS TV – 03/01/2022)