Luís Carrero Blanco, presidente do governo espanhol – cargo correspondente ao de primeiro ministro.

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Carrero Blanco: sempre fiel e leal a Franco

Luís Carrero Blanco (Santoña, Cantábria, Espanha, 4 de março de 1904 – Madrid, Espanha 20 de dezembro de 1973), almirante, presidente do governo espanhol – cargo correspondente, na prática, ao de primeiro-ministro -, era um homem extremamente metódico.

Ao assumir as funções de presidente, na reforma ministerial processada por Franco em junho de 1973, Carrero Blanco intensificou o combate a essa agitação. Desde então, aumentaram as prisões e os julgamentos políticos em Madri. O governo muniu-se de uma nova legislação para a aplicação de penas sumárias aos agitadores políticos. E o novo presidente teve de enfrentar a oposição de uma parte da Igreja, de grupos políticos moderados, sindicatos clandestinos e intelectuais e estudantes de esquerda.

Em solidariedade com os dez detidos, cerca de 4 000 trabalhadores tinham entrado em greve dia 19 de dezembro em Pamplona. E a inquietação sindical se alastrava à região de Oviedo, onde mais de 10 000 mineiros também haviam suspenso o trabalho. Na verdade, as greves e os choques de trabalhadores e estudantes com a polícia vinham aumentando na Espanha nos últimos meses. Os operários reclamam constantemente contra a elevação do custo de vida (a inflação em 1973 é de 15%), os baixos salários e a falta de liberdade de expressão, de reunião e associação. Os estudantes quase sempre protestam contra os métodos de ensino, a falta de instalações adequadas, e a impossibilidade de eleger seus representantes.

Em uma coincidência comprometedora entre o ataque e o início do julgamento de nove trabalhadores e um padre acusados de organizar um movimento sindical clandestino, em oposição à política trabalhista do governo. Os dez foram presos dia 24 de junho de 1972, no subúrbio madrilenho de Pozuelo, quando realizavam uma reunião numa igreja. O promotor público acusou-os de organizar comissões operárias com o objetivo de “destruir violentamente o Estado atual”. Mas a sua defesa argumenta que não se dedicavam a atividades subversivas, e usavam apenas o “direito de reunião e agremiação”.

Mas como escreveu em 1970, Carrero Blanco achava que “tentar liberalizar a Espanha é como oferecer bebida a um alcoólatra que deixou de beber”. Sua linha era ultraconservadora, no melhor figurino de Franco, ao qual servia com lealdade e toda prova, desde que fugiu de Madri em 1937 para juntar-se às forças franquistas. Em 1941 foi nomeado subsecretário da presidência, e desde então nunca mais esteve afastado do poder. Por formação estaria mais próximo dos falangistas, mas nunca tomou partido contra os tecnocratas, que acabaram dominando o governo. Desde que assumiu a vice-presidência, em 1967, vinha respondendo pelo governo efetivo do país, embora respeitando sempre a autoridade suprema do caudilho.

Franco lhe confiava a redação de seus discursos, explorando uma veia literária que Carrero Blanco cultivava com a publicação de diversos livros sobre questões militares e de artigos assinados sob os pseudônimos de Juan de la Cosa e Gines de Buitrago. Certa vez, de volta da Guiné Espanhola, ainda colônia, ele escreveu: “Encontrei uma Guiné bem diferente daquela que conheci há trinta anos – agora todos andam vestidos e calçados”. Numa das frequentes apologias a Franco, afirmou: “Ao caudilho devem os espanhóis a liberdade, a paz interior, o progresso econômico e social, e a possibilidade de educar seus filhos e netos na religião católica.”

Carrero Blanco invariavelmente saía de sua casa no bairro de Salamanca, em Madri, às 8 horas da manhã, e 300 metros adiante o seu Dodge Dart parava na Calle Claudio Coello, na porta da igreja jesuíta de São Francisco de Borja, onde ele ouvia missa e comungava. Três quartos de hora depois, o motorista abria a porta do carro, o almirante e seu guarda-costas tomavam seus lugares, e a viagem prosseguia, rumo ao gabinete presidencial. Toda a Espanha sabia que o fervoroso discípulo do caudilho Francisco Franco e seu sucessor designado cumpria religiosamente essa rotina diária. Não foi difícil para um grupo de conspiradores escolher a melhor hora e o melhor local para um atentado contra sua vida.

No dia 20 de dezembro, quando o carro de Carrero Blanco deixava a igreja, rumo ao cruzamento das avenidas Serrano e Maldonado, uma violentíssima explosão o atirou pelos ares, abrindo no chão uma gigantesca cratera. Segundo testemunhas oculares, o automóvel foi lançado a uns 10 metros de altura, caindo destroçado sobre uma sacada do 2° andar do mosteiro jesuíta anexo à igreja. Horas depois, o governo anunciava que Carrero Blanco e seus dois acompanhantes tinham morrido – não deixara nenhuma chance de salvação para as vítimas*.

O assassínio de Carrero Blanco foi imediatamente relacionado com o julgamento de dez opositores do regime, que deveria se iniciar naquela mesma manhã em Madri. E, embora a presidência tenha sido automaticamente preenchida, em caráter interino, pelo vice-presidente Torcuato Fernández Miranda, o afastamento do discípulo dileto e braço direito de Franco reacendeu o delicado problema da sucessão do caudilho, agora com 81 anos e saúde vacilante. E a opinião pública mundial, perplexa, via encerrar-se a semana mais sangrenta de 1973, com o terrorismo desferindo duros golpes não só em Madri, mas também em Londres e Roma.

Presente de Natal – Minutos depois do atentado, todo o bairro de Salamanca estava cercado, os pontos mais importantes de acesso a Madri passaram a ser vigiados, e tropas entraram em prontidão em diversas partes do país. Segundo informações oficiais, o túnel sob a Calle Caludio Coello foi aberto a partir do porão da casa n° 104, diante do lugar em que era estacionado o carro de Carrero Blanco. Nesse porão, alugado dois meses atrás por dois rapazes e duas moças que se diziam escultores. Soube-se que os quatro levaram para o porão uns 50 quilos de explosivos embrulhados como presente de Natal. E, na opinião de técnicos, a abertura do túnel exigiu um trabalho especializado. Foram necessários conhecimentos de eletrônica, pois, a detonação do explosivo foi a distância.

Em comunicado do jornal “Sud-Ouest”, da cidade francesa de Bordeaux, horas depois do assassínio confirmaram que Carrero Blanco havia sido executado pelo ETA, organização separatista basca, criada em 1953 e que luta pela autonomia de uma região que abrange parte da Espanha e da França, à qual denomina Euzkadi. Dizia o comunicado que a eliminação de Carrero Blanco destinava-se a “privar o sistema franquista da pedra angular que garantia a sua continuidade e estabilidade”. E acrescentava que “sem ele surgirão dentro do governo tensões entre as diferentes tendências do regime”.

Em 34 anos, o regime de Franco nunca havia sido golpeado tão duramente, como no assassínio de Carrero Blanco. E apesar do tempo, a Espanha ainda não esqueceu que foi um outro assassínio político, o de Manuel Calvo Sotelo, que acendeu o estopim da guerra civil, em julho de 1936.

* Desde o assassínio do rei Umberto I da Itália por anarquistas, em 1900, catorze chefes de governo ou de Estado foram assassinados na Europa no século 20. A última vítima foi o premier Calinescu, da Romênia, em 1939.

(Fonte: Veja, 26 de dezembro de 1973 – Edição n° 277 – ESPANHA – INTERNACIONAL – Pág; 26/27)

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