Gravura brasileira perde Marcello Grassmann, o seu grande mestre
Definido como um “espécime raro” da arte nacional pela crítica Aracy Amaral
Marcello Grassmann (São Simão (SP), 23 de setembro de 1925 São Paulo(SP), 21 de junho de 2013), um dos maiores mestres da gravura brasileira.
Sua obra, produzida ao longo de mais de seis décadas de intenso trabalho, é marcada por um universo temático povoado por figuras de caráter mitológico e fantástico e por um impressionante refinamento técnico. Nascido em São Simão, no interior de São Paulo, o artista se muda com a família para São Paulo aos 7 anos.
Em vários depoimentos, confessa o interesse desde criança pelas figuras e desenhos dos livros e das revistas em quadrinhos, dando destaque às ilustrações do gravador francês Gustave Doré para clássicos como D. Quixote e Divina Comédia. “A imagem, para mim, sempre foi fundamental”, afirmava.
Grassmann dizia recorrer sempre a uma espécie de arquivo imagético acumulado na memória para produzir seus trabalhos, explorando em diferentes configurações, formatos e composições elementos muitas vezes reiterativos, como as damas e cavaleiros medievais com seus atributos de guerra ou sedução, os dragões e outros animais como o cavalo e o bode, bem como a uma atmosfera densa, marcadamente fascinada pelo lado oculto da vida. “É o inconsciente que fala, não eu”, dizia ele sobre o porquê de suas escolhas. Esse interesse pelo universo das sombras e dos sonhos o aproxima do expressionismo mais soturno de outro grande mestre gravador brasileiro, Oswaldo Goeldi, ou pelo universo fantástico de Hieronymus Bosch.
O primeiro aprendizado formal se deu na Escola Profissional Masculina do Brás, onde aprendeu a trabalhar com a madeira, tornando natural o caminho da xilogravura. Nesse período, convive intensamente com os amigos Luis Sacilotto e Octávio Araújo, apelidados por Sergio Milliet de “artistas proletários”. Chegou a explorar também a gravura em pedra, mas sua técnica por excelência é o uso da placa de metal como matriz, cujo resultado “se aproxima mais do desenho”, possibilitando uma trama mais detalhada e delicada de traços e o uso de contrastes e sutilezas de luz, como o claro-escuro. Seu primeiro mestre nessa arte foi Carlos Oswald, com quem tem aulas depois de se mudar para o Rio, no fim dos anos 1940.
Nesse período trabalha como ilustrador em publicações como o Suplemento Literário do Estado, Diário de São Paulo e Jornal do Estado da Guanabara. Ganha o prêmio viagem no 1.º Salão de Arte Moderna do Rio, o que lhe permite uma estada de estudos na Europa, entre 1953 e 1955, onde entra em contato maior com o ilustrador austríaco Alfred Kubin, por intermédio de Goeldi.
Muitas vezes foi questionado sobre a razão de ter se mantido fiel à figuração num período de grande hegemonia do construtivismo e da arte abstrata no País. “Eu já tinha o meu rumo”, diz em entrevista publicada por Camila Molina, em 2006, no Estado, por ocasião de mostra celebrativa de seu 80.º aniversário.
Sua última mostra foi há pouco mais de um ano, no Espaço Cultural Citi. O artista, que era avesso ao caráter mais mundano do circuito das artes e nos últimos anos tinha dificuldades de locomoção e equilíbrio por causa de uma doença chamada mielomalácia, também não se sentia à vontade com as tentativas de enquadrá-lo nesta ou naquela escola. Dizia ser avesso aos “ismos”. Como afirma Aracy Amaral, Marcello Grassmann foi um “espécime raro” da arte brasileira, pela solidez de sua criação, por ser um desenhista de caráter primoroso e por “viver exclusivamente em função de seu espaço criativo”.
Marcello Grassmann morreu nesta sexta-feira, 21, aos 87 anos.
(Fonte: http://www.estadao.com.br/noticias/arteelazer – Notícias > Cultura – Maria Hirszman – ESPECIAL PARA O ESTADO – 21 de junho de 2013)