Pintor do Segundo Império: o mais conhecido artista brasileiro
Pedro Américo (Areia, Paraíba, 29 de abril de 1843 – Florença, 7 de outubro de 1905), pintor do Segundo Império, não é certamente o artista brasileiro de maior talento, mas talvez seja o mais conhecido: qual o escolar que não foi tomado de genuíno orgulho patriota diante de “O Grito do Ipiranga”, ou de justa repulsa ao ver o macabro “Tiradentes Esquartejado”.
A memória nacional que Pedro Américo não só foi um produto do mecenato do imperador Pedro II como sua obra expressa o espírito que animava o Brasil da época. Num clima de prosperidade econômica e relativa estabilidade política, vicejou a pintura fortemente acadêmica e retórica de Pedro Américo e contemporâneos de maior ou menor fôlego, como Vítor Meireles e Zeferino da Costa.
Filho de um violinista paraibano, Pedro Américo de Figueiredo e Mello viu pela primeira vez dom Pedro II quando tinha 12 anos e o imperador fez uma visita de surpresa a sua classe, no Colégio Pedro II. O jovem desenhou-lhe o retrato e conquistou assim a matrícula na academia de Belas Artes.
Aos 16 anos, partia com uma bolsa do Império para a Europa. E até morrer fez tudo para agradecê-la. Banhado por um espírito neo-clássico fora de época, passou incólume pelo impressionismo em Paris. E em Florença, onde trabalhou boa parte da sua vida, glorificou o Império em prolixas cenas de batalha, sua marca registrada junto com os quadros bíblicos.
“A espontaneidade da Concepção, a inexcedível evidência, a impecabilidade do desenho, a vida, o agrupamento e o movimento das figuras, a simplicidade da execução, a perfeição da técnica e, principalmente, a força e o adequado colorido são os traços que distinguem seu estilo original e claro, impressionador e profundo.”
Tão generoso julgamento da pintura de Pedro Américo é obra do seu genro, o embaixador Cardoso de Oliveira, casado com sua única filha Carlota. Quando em 1920 morreu o único filho de Pedro Américo, Eduardo, irmão de Carlota e pai de Adelina Figueiredo de Mello e Montese, sua neta italiana, que possuía uma pequena parte da sua obra, contudo, permenecia inédita em Florença. Na época disposta a vender seu acervo, a senhora Montese ofereceu uma dezena de quadros do seu avô ao governo brasileiro, junto com algumas cartas do Barão do Rio Branco, Joaquim Nabuco e da Princesa Isabel.
Cardoso de Oliveira viajou a Florença para comprar da viúva quase todo o espólio do pintor. Graças ao embaixador e aos colecionadores que guardaram seus quadros, a parte mais importante da obra de Pedro Américo está no Brasil, quase sempre em museus.
Fora as cartas do Barão do Rio Branco, patrono do Itamaraty, restariam com a neta Adelina quadros pequenos, alguns não assinados e até alguns esboços peculiares e curiosos. Há um grande óleo que retrata modelo quase exclusiva de Pedro Américo, repetida com os mesmos traços em quadros conhecidos como “David e Abzag” e “O Voto de Heloisa”.
Trata-se de uma morena da cidade de Lucca, perto de Florença, ignorada nas biografias oficiais por ter sido sua amante por largo período. Seu filho Eduardo, músico e pintor bissexto que morreu alcoólatra, foi retratado pintando. Há um delicado desenho de “Cabeça de Moça” e uma inevitável cena de batalha, a de San Martino, episódio da campanha pela reunificação da Itália, no século XIX.
Curiosamente, o quadro mais bonito é um esboço histórico, uma cena dos inconfidentes conspirando em Vila Rica, pintado com minuciosos subsídios manuscritos do Barão do Rio Branco. “Os nossos portugueses não nos deixaram desenhos e gravuras a respeito do Brasil colonial, como os holandeses”, escreveu-lhe Rio Branco de Paris em 1892. “Na reunião de 1789 entendo que deve representar de farda militar o tenente-coronel Freire de Andrada e o alferes Silva Xavier, e ambos de botas porque pertenciam à cavalaria” (…)
Pedro Américo seguiu as indicações do barão, que o chamava de “mestre e amigo”. Adelina guardou também um cartão da “princesa Isabel, condessa d”Eu”, encimado pelos brasões dos Bragança e dos dEu enviado do exílio em Paris em março de 1900, agradecendo o envio do romance de Pedro Américo, “o foragido”.
Também Joaquim Nabuco escreveu ao pintor para comentar outra obra literária de sua lavra, “Holocausto”: “Fala-se de Fídias, Michelangelo, Rafael, para mostrar que está no poder do Estado, criando a necessidade de obras artísticas, determinar a aparição de grandes criadores.”
Joaquim Nabuco provavelmente admirava Pedro Américo. Mas concluiu seu raciocínio sobre os efeitos do mecenato do Estado a respeito da criação artística com a ambiguidade: “Eu não creio nisso.”
Pedro Américo morreu em 7 de outubro de 1905, aos 62 anos, em Florença.
(Fonte: Veja, 27 de agosto de 1980 – Edição 625 – ARTE/ Por Marco Antônio de Rezende, de Roma – Pág; 126/127)