Lanfranco Aldo Riccardo Vaselli Cortellini,
conhecido simplesmente como Lan, caricaturista italiano nascido em Montevarchi mais brasileiro que já pisou no Brasil sabe revelar como poucos a alma do Rio de Janeiro.
Em suas caricaturas, ele capta um pouco de tudo que forma a personalidade carioca e exalta suas paixões. Lan que, em 1957, despontou para a fama ao ser apontado, numa votação na Inglaterra, um dos cinco melhores caricaturistas do planeta é portelense, flamenguista, católico com um pezinho no candomblé e admirador inveterado das curvas das mulatas e da topografia da Cidade Maravilhosa.
Como ele próprio explica, sair da capital fluminense foi a única maneira de continuar a ser um carioca bem-humorado. Por isso, há 39 anos, ele escolheu, como sua morada, um sítio de 23 mil metros quadrados em Pedro do Rio, distrito de Petrópolis. E o artista mudou mesmo. Lan acorda muito cedo: por volta das 4h, vai para a beira do fogão preparar um chimarrão, hábito trazido da infância, passada em boa parte no Uruguai. Corta um mamão, passa um café e serve, na cama, a primeira refeição do dia a Olívia, sua mulher desde 1960 e musa inspiradora da maior parte de seus trabalhos.
Aqui não tenho razão alguma para ficar estressado nem encontro alguém que me chateie. É à Serra que devo a saúde que tenho. Meu estilo de vida mudou radicalmente depois que vim para cá. Eu e Olívia somos muito caseiros. Adoro ficar aqui, receber alguns amigos, visitar outros, ir a restaurantes e, de vez em quando, passar o fim de semana no Rio conta.
Minha grande tristeza é que eu já não consigo enxergar bem. Sempre tive ao meu lado um bom livro ou uma boa mulher. Quando quero desenhar alguma coisa, lembro de trabalhos antigos e faço rabiscos numa tela enorme conta o artista, que ainda assina coluna no GLOBO.
Lan não sabe dizer quando começou a desenhar, mas se recorda de sua primeira caricatura: ela retratava o diretor da escola alemã na qual estudou, em Montevidéu. Não foi repreendido, pelo contrário: o professor de artes incentivou o aluno. O mestre, que orientava estudantes a copiarem modelos, fazia com que o menino traçasse pessoas a partir da memória.
Apesar de amar a arquitetura e de ter sido um dos melhores amigos de Oscar Niemeyer, os desenhos de edifícios não eram para ele, que não demorou a abandonar a faculdade. Lan não se interessava pelas linhas de concreto, mas, sim, pelas curvas das mulheres.
Eu cafetiniziva os grandes poetas. Declamava e escrevia bilhetinhos com poesias deles para as garotas. Por causa de uma decepção amorosa quando era criança, decidi que nunca mais levaria um não de uma mulher. Me tornei um Don Juan covarde. Só tomava iniciativa depois de uns três anos de flerte conta ele, com um galante ar zombeteiro.
A tentação sempre o acompanhou. Aos 22 anos, morando em Buenos Aires com uma saúde de vaca premiada, Lan recebia diariamente da então primeira-dama Evita Perón, dona da editora Haynes, a dura missão de retratar atrizes do teatro de revista. E foi para escapar da fúria de uma antiga namorada portenha que ele procurou abrigo no Rio, em 1952. Acabou se apaixonando pela Cidade Maravilhosa e também por suas habitantes.
Lan lembra que ninguém entendeu quando ele deixou sete publicações na Argentina para viver no Rio, onde foi contratado por Samuel Weiner para trabalhar no jornal Última Hora.
Depois, passei pelo GLOBO e pelo Jornal do Brasil. Tenho saudade do barulho das máquinas de escrever Olivetti, mas eu era boêmio demais para cumprir horário. Me faziam chegar à redação às 7h, hora em que eu terminava as noitadas relembra.
Na companhia de Vinicius de Moraes, Di Cavalcanti, Ary Barroso e Sérgio Porto, teve noites memoráveis. Um dos seus melhores amigos era Nelson Rodrigues, cuja avareza o caricaturista se recorda muito bem:
Nelson comprava o maço de cigarro mais barato para ninguém lhe pedir um. Ele me convidava para tomar café, mas nunca pagava. Um dia, íamos para São Paulo e tive de trocar a passagem de avião por uma de ônibus. Não me arrependo, porque foram sete horas e meia de histórias maravilhosas.
É Deus no céu e Olívia na terra
Não por acaso, as maiores inspirações dos traços de Lan são as mulatas. Quando a primeira delas invadiu sua vida, o caricaturista tinha apenas 4 anos e havia acabado de chegar a São Paulo, onde seu pai foi convidado a integrar a Orquestra Sinfônica Municipal.
A primeira mulata da minha vida foi a babá Zezé. Ela me defendia de todas as falcatruas que eu aprontava e fazia as melhores balas de coco do mundo conta ele, saudoso.
Lan lembra ter lido certa vez que não é importante ser o primeiro homem de uma mulher, mas, sim, o último. É aí que entra Olívia. O cenário do encontro com uma das três bailarinas das Irmãs Marinho foi o Aeroporto Santos Dumont. Muito elegante, de terno Chanel e cabelos curtos, a moça encheu de paixão o coração do conquistador italiano.
Ela era muito chique e segurava uma taça de champanhe como nunca tinha visto. Mais tarde, descobri que era porque roía as unhas. O padre Antônio, meu amigo daqui, de Pedro do Rio, diz que sou contra o casamento e a favor da Olívia brinca.
Foi com ela que Lan já passou 53 dos seus 88 anos.
Estou com 88, para chegar ao fim da partida de 90 minutos falta pouco. Mas o juiz sempre dá dois ou três minutos de acréscimo. Espero pelo menos empatar com o Niemeyer e chegar aos 105 avisa Lan.
(Fonte: http://oglobo.globo.com – O cara da caricatura/ Por Natasha Mazzacaro – 29/07/13)