Kaváfis: poeta da velha Alexandria
Konstantinos Kaváfis (Alexandria, Egito, 29 de abril de 1863 – Alexandria, Egito, 29 de abril de 1933), grande poeta grego. Escritor, que passou a maior parte da vida em Alexandria, no Egito, faz versos contidos que esmiúçam o amargo sentimento da solidão e registram a inevitável derrocada do corpo e dos sentidos.
Considerado um dos maiores poetas gregos modernos, Konstantínos Kaváfis consegue a proeza de comunicar-se sem demonstrar o menor interesse nisto. Em nenhum instante abre mão de seu universo fechado, cheio de referências pessoais, históricas ou simplesmente inventadas, das quais não dá ao leitor a chave. E chegou à celebridade escrevendo em uma quase gíria da cidade de Alexandria e sem ter publicado em vida nenhum livro.
Filho de um rico comerciante grego de Alexandria, no Egito, Kaváfis estudou na Inglaterra e, com a ruína da família, foi trabalhar no Departamento de Irrigação, entremeando sua carreira de burocrata com a de corretor. Seu principal interesse porém era a poesia. Mas muito exigente, nunca encontrava a forma definitiva. Fazia circular seus poemas em folhas soltas entre os amigos e só quase aos 50 anos – como ele mesmo dizia – atingiu a maturidade poética.
Na voz de Kaváfis, frases bastante tolas, do tipo “Como o tempo passa”, adquirem ressonâncias filosóficas. Para o poeta, o tempo passado é uma miragem contemplada a partir do presente, uma dimensão que só a poesia consegue captar em sua inteireza.
A Academia Sueca argumenta que Kaváfis pode não ter recebido o Prêmio Nobel de Literatura porque, em vida, seus poemas não foram publicados num livro.
A língua grega é depositária da mais longa tradição poética do mundo ocidental. Essa tradição tem seu marco fundador e momento mais famoso nas epopeias Ilíada e Odisseia, que Homero teria composto no século IX a.C.
Como durante 2 000 anos a Grécia deixou de ser uma nação independente – sendo ocupada sucessivamente por romanos, francos, venezianos e turcos, até ressurgir em 1823 -, o idioma falado no país modificou-se profundamente.
Mudou a ponto de o grego, conhecido como demótico, ser completamente diferente do idioma homérico. Foi com o demótico, porém, que a poesia grega conseguiu projeção internacional no século 20, conquistando dois prêmios Nobel em menos de vinte anos – um para George Seféris, em 1963, e o outro para Odysseus Elýtis, em 1979.
Quando morreu em abril de 1933, deixou um fino volume com 154 poemas, quase todos curtos, que foram publicados dois anos mais tarde. É o essencial de sua obra (não julgava bons – e muitos críticos também – os 75 poemas publicados por seus herdeiros em 1973).
Apesar de tanta esquivez, ainda assim Kaváfis morreu célebre, tendo entusiasmado escritores tão diversos como o romancista inglês E. M. Forster (“Passagem para a Índia”) e o poeta italiano Giuseppe Ungaretti. Ainda na década de 30, Marguerite Yourcenar descobriu seu livro, que traduziu inteiro. E Lawrence Durrell fez dele a grande sombra de seu Quarteto de Alexandria, onde o cita a todo instante como “o velho poeta da cidade”.
MOMENTOS CURTOS – Seco e quase desinteressado, o poeta lembra episódios históricos, a maior parte dos quais obscuros. Cria personagens aos quais atribui ações e palavras. Relembra instantes de amor, sempre físico, dos quais nunca dá detalhes. Seu mundo é ético, levemente irônico, nada tem da Grécia clássica: é moderno ou bizantino, sentindo-se à vontade no meio da mistura grego-romana-oriental do Egito. Só se interessa por si.
Poeta de Alexandria parece ser a fórmula que melhor define Kaváfis. Tudo em sua obra se prende à grande capital fundada por Alexandre o Grande e que, depois de uma história cheia de esplendores e decadências, sobrevive na lembrança e no culto do instante.
Surpreendentemente, porém, esse poeta egoísta transmite uma emoção que prescinde de qualquer dado pessoal. Não diz que sofreu e nem se sabe se amou. Diz somente lembrar-se de certos corpos, certas expressões, certos lugares, 74 poemas que precede uma curta história da vida e um bom ensaio da obra de Kaváfis, o poeta de Alexandria.
(Fonte: Veja, 13 de agosto de 1986 - Edição 936 - LIVROS/ Por Mário Sérgio Conti - Pág; 126)
(Fonte: Veja, 17 de novembro de 1982 – Edição 741 – LIVROS/ Por Marinho de Azevedo – Pág: 159)
Constantine P. Cavafy (Kavafis), nasceu em Alexandria (Egito) em 1863. O seu pai morreu em 1870, deixando a família em precária situação financeira. A sua mãe e os seus seis irmãos mudaram-se para Inglaterra dois anos depois. Devido à má administração dos bens da família por parte de um dos filhos, a família foi forçada a regressar a Alexandria, na pobreza.
Os sete anos que Kavafis passou em Inglaterra foram importantes na formação da sua sensibilidade poética. O seu primeiro verso foi escrito em inglês (assinando “Constantine Cavafy”), e o seu subsequente trabalho poético demonstra uma familiaridade substancial com a tradição poética inglesa, em particular as obras de Shakespeare, Browning e Oscar Wilde.
Os anos que se seguiram, de regresso a Alexandria, representaram tempos de pobreza e desconforto, mas revelaram-se igualmente significativos no desenvolvimento da sensibilidade de Kavafis. Este escreveu os seus primeiros poemas – em inglês, francês e grego – durante este tempo, em que aparentemente também teve as primeiras relações homossexuais.
Tendo trabalhado durante 30 anos na Bolsa de Valores Egípcia, Kavafis permaneceu em Alexandria até à sua morte, que ocorreu em 1933, por motivo de cancro da laringe. Sabe-se que recebeu a sagrada comunhão da Igreja Ortodoxa pouco antes de morrer e que o seu último gesto foi desenhar um círculo numa folha branca e depois colocar um ponto no meio do círculo.
Pelos contornos da sua história fragmentária, poder-se-ia dizer que a vida mais rica de Kavafis seria a vida interior sustentada pelas suas relações pessoais e pela sua criatividade artística.
Embora Kavafis tenha conhecido inúmeros homens das letras durante as suas viagens a Atenas, não recebeu o total apreço dos letrados atenienses senão aquando da publicação da sua colectânea de poemas em 1935. Parece provável que a sua importância tenha permanecido relativamente irreconhecida antes da sua morte precisamente pelas mesmas razões que hoje o estabelecem como um dos mais originais e influentes poetas gregos do século XX: o seu irredutível desapreço, na idade adulta, pela retórica que então prevalecia entre os poetas da Grécia continental; a sua quase prosaica frugalidade no uso de figuras de estilo e metáforas; a sua constante evocação de ritmos falados e coloquialismos; a sua franca e avant-garde abordagem dos temas homossexuais; a sua re-introdução dos modos epigramático e dramático que haviam permanecido largamente abandonados desde os tempos helenísticos; o seu frequentemente esotérico mas brilhantemente vivo sentido de história; a sua dedicação ao Helenismo, aliada a um estatuo cinismo relativamente à política; o seu perfeccionismo estético; a sua criação de um mundo ricamente mítico durante a sua idade adulta. Estes tributos, possivelmente pouco valorizados na sua época, hoje estão indubitavelmente entre os que lhe garantirão um lugar duradouro na tradição literária do mundo ocidental.
(Fonte: lugardaspalavras.no.sapo.pt/poesia/kavafis)