George Herbert Mead: a vida de um intelectual
George Mead nasceu no dia 27 de fevereiro de 1863, em New England, Massachusetts. Era o segundo filho de Hiram Mead com a professora Elisabeth Storrs Billings. Seu pai, professor de homilética (arte de pregar sermões religiosos), foi designado a exercer sua função em New Hampshire, mudando-se, com a família, em 1867, tornando-se posteriormente, professor na Faculdade de Oberlin em Ohio.
Nessa época, ocorreu o ingresso das ciências naturais no ensino superior americano, predominantemente dominado pela igreja. Mead estudou na Faculdade de Oberlin, onde apareceram os primeiros conflitos com as reivindicações dogmáticas religiosas em prover uma explicação do mundo. Para Joas (1985/1997), consequência desse conflito é a aproximação de Mead da teoria da evolução de Darwin, como prova irrefutável do caráter mitológico da doutrina cristã da criação do mundo. Ainda jovem, Mead se aproximou da visão científica que lhe sugeria a ideia de um darwinismo aplicado à sociedade. Por outro lado, incomodava-lhe pensar de que forma poderiam ser conservados os valores de uma vida digna que fosse socialmente comprometida, sem os dogmas e fora dos limites estreitos do modo de vida puritano. Esse período da vida de Mead é caracterizado por um interesse em “encontrar a sua própria identidade desenfreada através de preceitos morais, um interesse que o conduziu à literatura e à psicologia, por uma compreensão semelhante à dos filósofos esclarecidos, e pela fé nos efeitos libertadores dos métodos científicos”
Após a morte do pai, em 1881, Mead começou a pagar com seu trabalho os estudos em Oberlin. Trabalhou como professor de escola secundária, mas logo foi dispensado por problemas disciplinares, terminando seu vínculo trabalhista e seu primeiro ciclo universitário na instituição em 1883. Nos anos seguintes, passou a trabalhar como agrimensor em construção de ferrovias, para diferentes companhias ferroviárias. Essa experiência técnica solidificou seu interesse pelas ciências naturais, apesar de não lhe agradar, deixando-o sem orientação, tanto para a escolha de uma nova profissão como de metas pessoais.
Aceitando o conselho de seu amigo mais íntimo, Henry Castle, e “guiados ambos pelo desejo de achar significância e um sentido ativo e socialmente útil, Mead decidiu entrar no curso de Filosofia da Universidade de Harvard em 1887, apesar de todos os riscos financeiros auxiliares”
Em Harvard, interage com o professor neocristão hegeliano Josiah Royce, iniciando duradoura amizade. Royce é responsável pelos primeiros encaminhamentos e influências sobre Mead do idealismo alemão, além de ministrar cursos sobre Espinosa e Spencer. Essas bases filosóficas apresentadas por Royce despertaram em Mead um claro descontentamento com o tratamento meramente especulativo e o distanciamento que a filosofia e a ciência mantinham dos problemas sociais.
Hegel com sua filosofia dialética exerce notável influência com a proposta de não dirigir suas preocupações a aspectos específicos da vida humana, suas origens ou inserção no mundo. “Seu sistema revela preocupação mais ampla, voltada ao direito, à história, à política, enquanto âmbitos diversos da realização do homem em seu mundo, esta sim o foco primordial.”
Em 1888, Mead toma a decisão de se especializar em psicologia fisiológica e não mais em filosofia, pensando que no campo da psicologia fisiológica seria possível procurar suas ideias e interesses sem entrar continuamente em conflito com as igrejas cristãs que controlavam as universidades quase totalmente, financeiramente e ideologicamente.
A Alemanha era o centro da pesquisa fisiológica e do desenvolvimento da psicologia experimental, principalmente em Leipzig, onde o primeiro laboratório de psicologia havia sido criado por Wilhelm Wundt. Mead estudou na Universidade de Leipzig em 1888/89, mas tinha dificuldades em relação à língua alemã. Por isto, seus planos de estudo mudaram e, mais uma vez, voltou-se para os estudos filosóficos, matriculando-se no curso de Wundt: “Fundamentos de metafísica”, e nos cursos oferecidos por Heinze “A História mais recente da filosofia moderna” e por Rudolf Seydel, “A Relação da Filosofia alemã ate o Cristianismo desde Kant”. Para (Farr, 1996), Mead foi fortemente influenciado pela Volkerpsychologie de Wundt, inclusive fazendo a análise dos quatro primeiros volumes de sua Psychological Review entre 1904 e 1906, revista cientifica dirigida por Wundt.
Depois de um semestre em Leipzig, Mead se transfere para Berlim, centro com maiores possibilidades para a atividade filosófica. “Como mostram os registros de inscrições nos arquivos da Universidade de Berlim, Mead se tornou um estudante de Dilthey, Ebbinghaus, Paulsen e Schmoller.”. Esse fato é de crucial importância para compreendermos as raízes da intelectualidade de Mead, pois através desses professores foi alertado para um conflito que logo viria à tona gerando uma famosa controvérsia, entre uma “psicologia explicatória” orientada às ciências naturais, empregando procedimentos reducionistas, tendo Ebbinghaus como representante, e a “psicologia descritiva”, que usa métodos interpretativos das ciências humanísticas, representado por Dilthey. As preocupações de Mead não o colocaram em acordo pleno com nenhum dos lados. Esse debate resultaria na separação entre o fenomenológico e a psicologia experimental.
Além dessas influências, havia outra experiência que o marcaria em seus tempos de Berlim: sua impressão do movimento alemão social-democrático trabalhista. Mead acreditou que, após seu retorno para os EUA, seria capaz de contribuir aos esforços de dar uma forma racional à sociedade americana. Para seu socialismo chegava a ser influenciado pelos ideais do “Cristianismo Royciano”, e pela esperança de que pudesse alcançar a realização prática desses ideais na vida cotidiana através de sua atividade como intelectual “reformista”.
Em 1891 Mead recebeu uma oferta de trabalho feita pela Universidade de Michigan, para o cargo de professor do Departamento de Filosofia, convite efetivado por John Dewey. Assim, deixa Berlim precipitadamente, mas não antes de se casar com Helen Castle, irmã do amigo Henry que havia falecido em um acidente de carruagem no começo daquele ano. Esse retorno rápido a seu país implica o abandono do doutorado que fazia em Berlim.
À procura de um socialismo científico
No tempo em que viveu em Michigan, de 1891 a 1894, Mead teve uma atividade política, envolvida com os afazeres da pesquisa de Dewey. Foi a fundação de um jornal que pretendia servir como um contrapeso à imprensa comercial. Porém, esse projeto, no intuito de melhorar a sociedade pela melhoria das informações disponíveis, foi combatido fortemente e desmoronou antes que tivesse realmente começado. Pode parecer, à primeira vista, que esse empreendimento tem pouco a ver com as preocupações filosóficas e psicológicas de Mead. Ocorre que, por meio de sua psicologia, Mead tentava dar um passo importante para secularizar e politizar uma noção cristã central; para ele, não poderíamos desfrutar desse sentimento, o amor, impulso para uma comunidade fraterna, de forma isolada. Segundo Joas (1985/1997), esse pensamento expressa o forte desejo de Mead, compatível aos jovens hegelianos, de fazer com que as igrejas dessem conta desse sentimento em seu sentido pleno e passassem da ética da fraternidade e das formas de ações impeditivas em seus rituais, para traduzirem isto em ação, transformação e em práxis social.
A Primeira Guerra Mundial (1914-1918) trouxe um novo ponto para as atividades políticas e jornalísticas de Mead. Ele se tornou defensor da advocacia do presidente Wilson para a entrada dos Estados Unidos na guerra, defendendo, em artigos de jornais, a participação americana no conflito com um caráter “desinteressado”. Entretanto, essa posição política de Mead era comum a uma geração inteira de intelectuais americanos progressistas. A guerra não era compreendida como o resultado de causas políticas e econômicas globais e dos interesses contraditórios de poderes imperialistas em competição, mas como um conflito entre os princípios de democracia e autocracia (Joas, 1985/1997).
Os comentários de Mead na questão de anexar o Havaí, em 1895, as declarações em relação à política governamental para Cuba e Filipinas, a aprovação da política de Wilson para o México e seu endosso, em 1922, da Política de Porta Aberta com respeito à China foram todos preenchidos com a confiança dentro do justo e libertador papel dos EUA no mundo. Para Joas (1985/1997), aqui se encontra o segredo do progressivismo autêntico do pensamento burguês americano e de sua duração relativamente longa. O pragmatismo estava baseado na possibilidade de integrar avanços no desenvolvimento da ciência e tecnologia e as consequências sociais nas convicções otimistas de progresso da burguesia. Não se percebia claramente que a causa dessa prosperidade americana se encontrava justamente em sua política de expansão.
Mesmo com o apoio inicial de Mead à guerra, é incorreto pensar que seu compromisso com a reforma social tinha se afrouxado. Há evidência considerável de que, nessa época, sua posição em relação às reformas sociais ficou ligeiramente mais radical. Em cartas a amigos e em artigos publicados, como também na revisão do livro de Thorstein Veblen, sobre os pré-requisitos econômicos de uma paz mundial duradoura, Mead proclamou sua aprovação ao novo programa do Partido Trabalhista Britânico, expressando seu desenvolvimento de esquerda ao creditar à proposta a possibilidade do estabelecimento evolutivo de uma sociedade socialista por meio de medidas transitivas precisamente planejadas como meta oficial do partido.
Após a guerra, Mead argumenta sobre a necessidade de se criar possíveis relações internacionais para que, livres da violência, se estabelecessem mecanismos para resoluções racionais de conflitos. Comparando-se com as tendências de pensadores daquela época, em meio ao nacionalismo agressivo, resignar-se ao esclarecimento ideal de uma civilização emancipada fazia da posição de Mead uma exceção humanística.
O aumento do abstracionismo no pensamento de Mead e a concentração do seu interesse na possibilidade de atingir valores e conhecimentos objetivos, levando em conta a pluralidade inegável das perspectivas individuais, tornaram-se o cenário principal para a discussão de sua filosofia e de sua psicologia social. Para Mead, era crucial o entendimento da oposição entre uma “ideologia” de movimentos sociais e uma “política científica” de reformas graduais na sociedade, defendendo, assim, a reforma social. Para ele, o oposto de reforma social utópica era a reforma social científica. Em sua composição “A Hipótese de Funcionamento na Reforma Social”, incumbe-se explicitamente em justificar e incluir a reforma social entre as ciências indutivas.
Para Popper, citado por Joas (1985/1997), a fabricação de políticas em uma ciência, a racionalidade da ação política, tem a ver com a escolha de meios e técnicas para toda a gente, coisas justas; isto não nos levaria a uma sociedade aberta, mas, em vez disso, poderia permitir que estruturas estáveis de dominação permanecessem incontestadas em sua validez implicitamente aceita.
Em contraste, para Mead, a reivindicação da ação política para a racionalidade é fundada na forma de tomada de decisão social, isto é, em um unir de habilidade com a obrigação de fazer algo. Para ele, a tarefa do cientista é procurar entender as posições de todas as partes de um conflito e tornar isso possível para que cheguem a um acordo. “Reforma social racional, então, não consiste em achar meios econômicos para determinados fins, mas ao invés em uma intensificação da discussão pública da qual emergem soluções construtivas para todos os problemas sociais beneficiando tudo e no interesse de todos”.
George Herbert Mead e o primeiro curso de Psicologia Social
Em 1900, atuando há seis anos como professor na Universidade de Chicago, Mead começou a ministrar seu curso anual de psicologia social. “Ele empregou os termos “psicologia social” muito antes que outros o tivessem feito. Esse era o título de seu curso, em 1900-1901, cerca de oito anos antes que os termos aparecessem nos títulos de livros escritos por McDougall (1908) e Ross (1908)”
Foi também em 1900 que Watson mudou-se para Chicago, a fim de iniciar sua tese de doutoramento, sob a orientação de Dewey. Conforme Farr (1996), em virtude de não entendê-lo em seus argumentos científicos, resolveu mudar de orientador, passando a ser orientado pelo professor Angell.
Mead era do Departamento de Filosofia, que incluía os cursos de Psicologia e Educação. Quando Dewey se transferiu novamente, em 1904, agora para a Universidade de Columbia, os psicólogos de Chicago, sob a direção de Angell, criaram um Departamento de Psicologia separado da Faculdade de Filosofia. Mead permaneceu com os filósofos, enquanto Watson transferiu-se para o novo departamento. “Como consequência desse episódio, muitos psicólogos deixaram de recomendar o curso de psicologia social organizado e ministrado por Mead, o qual começou a ser frequentado por sociólogos”.
Watson, que havia sido aluno de Mead, deixou Chicago e, logo em seguida, se tornou presidente da American Psychological Association (APA). No mesmo período em que esteve na presidência da instituição (1912-1915), lançou seu manifesto behaviorista, que tinha por objetivo eliminar as noções de consciência, self e mente, rejeitando as abstrações e destinando à Psicologia a análise de objetos observáveis e sujeitos à experimentação. Mead, contudo, em sua psicologia social, utilizou e estudou esses conceitos, para ele, indispensáveis à compreensão do fenômeno humano. “Os psicólogos seguiram Watson, do mesmo modo como os habitantes de Hamelin seguiram o tocador de flauta”.
No fim dos anos 1920, a onda de reação e mudanças nas universidades americanas ameaçou inclusive o pensamento pragmatista da Universidade de Chicago. Mead, como chefe do Departamento de Filosofia, envolveu-se em brigas políticas com o então reitor da Universidade. Joas (1985/1997), após ter lido um sumário dos arquivos de Miller (1973) que continha as explicações dessa contenda, comentou que a controvérsia política veio à tona com a indicação de um neotomista, Mortimer Adler, para ser professor em Chicago, contra os desejos expressos do departamento e de seu chefe. O então reitor Hutchins e o recém-contratado Adler se tornaram figuras importantes para os emigrantes conservadores do Terceiro Reich, para quem a Universidade de Chicago se tornou um lugar de encontro claramente em contraste com as tradições dessa universidade durante décadas (Farr, 1996). Coincidente com esse período, Dewey visitou Mead já doente e o convenceu a deixar Chicago pela Universidade de Columbia, em 1931. Contudo, Mead não teve tempo de assumir mais este posto.
Depois de ensinar durante quase quarenta anos nesta universidade (Chicago), George Herbert Mead morreu no dia 26 de abril, de 1931, quase desconhecido, estimado por alguns colegas e estudantes como um pensador extraordinário, e profundamente amargado pelas mudanças controversas nas políticas internas da universidade que ameaçaram alterar a natureza da filosofia de lá, fazendo isto em caráter católico e reacionário. Tão grande era a amargura de Mead que, logo antes de sua morte, ele decidiu deixar a instituição e a cidade que tinham sido o seu campo de ação. (Joas, 1985/1997, p. 28)
Mead escreveu, no período de 1894 a 1931, mais de sessenta artigos nas mais diversificadas áreas, da Física à Filosofia. Deixou valiosas contribuições para a Psicologia e a Sociologia. Já seus livros foram publicados apenas após sua morte, fruto de anotações de seus ex-alunos, principalmente Charles Morris, que editou e prefaciou Mind, Self and Society, considerada sua obra principal.
(Fonte: http://www.scielo.br/scielo – Psicol. Soc. vol.23 no.2 Florianópolis May/Aug. 2011
Renato Ferreira de Souza – Centro Universitário de Lavras, Lavras, Brasil)