Domitila, a mais famosa amante de D. Pedro I
Uma jovem prendada e de origem humilde. Domitila de Castro Canto e Melo poderia passar despercebida entre os 20 mil moradores da São Paulo, se um breve encontro com o então príncipe regente Pedro, às vésperas da Proclamação da Independência, não a pusesse entre as personagens mais controversas do Império brasileiro.
Sua trajetória – a verdadeira história da Marquesa de Santos não se livrou dos boatos que a acompanharam durante seu romance com D. Pedro I. A paixão lhe rendeu um palacete no Rio, criados, um banho de loja e uma ascensão meteórica na hierarquia imperial. Seu primeiro posto na Coroa foi como dama da imperatriz Leopoldina. Cinco anos depois, ela receberia o título de Marquesa de Santos.
A ostensiva troca de afagos com Pedro I rendeu a Domitila a fama de “mulher perdida”, manipuladora e corrupta. Além de conseguir títulos reais para seus parentes, a marquesa teria se aproveitado do contato com o imperador para facilitar negócios particulares, como a venda de minas de ouro para estrangeiros, uma prática proibida pela lei. Sua riqueza triplicou desde a chegada à nobreza. Acumulou uma fortuna estimada em R$ 120 milhões, em valores de hoje. Em caricaturas expostas nas fachadas de casas do Centro do Rio, Pedro I aparecia como um cavalo puxando a carruagem da amante.
Um lado menos conhecido da vida de Domitila é sua trajetória após o fim dos sete anos de romance com D. Pedro I. O imperador despachou-a para São Paulo, onde ela soube reciclar sua imagem com outros atributos: mãe zelosa, senhora cuidadosa com as vestes, idosa interessada na ordem das carmelitas e preocupada com o bem-estar de seus escravos lembrados, inclusive, em seu testamento.
– Ela é uma das personagens mais complexas da História do Brasil. É chocante a diferença em sua abordagem. No Rio, onde esteve com Pedro I, Domitila é vista como a grande vilã do Império. Em São Paulo, a cidade em que nasceu e para onde voltou após seu relacionamento com o imperador, é considerada uma dama benevolente e determinada.
Antes de conhecer Pedro I, Domitila já causava burburinho. Era casada com Felício de Mendonça, que a espancava frequentemente. Na manhã de 6 de março de 1819, foi esfaqueada duas vezes pelo marido, na coxa e na barriga. Pediu a separação, mas só o conseguiu cinco anos depois, quando já era amante do imperador. Os detratores de Domitila a acusariam depois de ter sido agredida porque traía Felício.
Pedro I e Domitila conheceram-se poucos dias antes da Proclamação da Independência. O imperador chegou a São Paulo escoltado pelo irmão caçula de Domitila, o cadete Francisco de Castro do Canto e Melo. Entre o fim de agosto e a primeira quinzena do mês seguinte, o casal concebeu seu primeiro filho (foram cinco, ao todo). Pedro I já era casado com Leopoldina, que estava no Rio. Pedro I nunca deixou que seu estado civil servisse de empecilho para seu comportamento mulherengo.
– À época, o casamento era visto como uma aliança entre monarquias, um negócio. O amor era uma anomalia. Leopoldina se apaixonou pelo marido. Ela sofria porque ele ignorava seu sentimento e por estar isolada em uma Corte que a discriminava.
Na troca de cartas, Pedro I assinava como “Demonão” ou “Fogo-foguinho”; Domitila era “Titília”. Quando o imperador a levou para a capital do Império, mandou construir para ela um palacete vizinho à Quinta da Boa Vista, que tinha inclusive uma passagem secreta à cama da amante.
Domitila foi rejeitada pelos aristocratas. Uma vez, sua entrada foi barrada em um teatro, conhecido por seu público seleto. O imperador mandou fechar o estabelecimento e queimar seus cenários.
Quando foi alçada ao posto de dama camareira, a amante do imperador teve acesso diário a Leopoldina e, por extensão, a Pedro I , o que aumentava o constrangimento da imperatriz. Depois, Domitila tornou-se viscondessa e, por fim, marquesa. Pedro I pegava joias de sua mulher para dá-las a amante. A imperatriz só expressou sua contrariedade para confidentes próximos, chamando a rival de “aquela bruxa”.
A “santa casamenteira”
Leopoldina morreu em 1826, aos 29 anos. Por seu temperamento doce, era chamada de mãe dos pobres. A população, arrasada, procurava um culpado. Pedro I estava no Sul do país. Domitila escondeu-se por alguns dias na casa de uma de suas damas de companhia. Um de seus irmãos foi agredido na rua.
– Meses depois, Pedro I mandou emissários brasileiros à Europa procurarem uma nova esposa para ele. Era uma missão complicada, pois toda a Europa acompanhou estarrecida como o imperador exibia a amante.
Ele diminuiu seus critérios para conseguir uma nova mulher, uma nobre bávara de segundo escalão, D. Amélia.
Para escapar de novos escândalos, Pedro I mandou, em 1829, Domitila e sua família para São Paulo. Em 38 anos, ela conquistou uma boa reputação.
– Ela brigou para conseguir seus direitos como marquesa, que passaram a ser desprezados por Pedro I. Ao mesmo tempo, trouxe a pompa que aprendeu no Rio para São Paulo, uma cidade provinciana.
– Promoveu festas e saraus em seu solar, apresentando as moças locais para estudantes de direito. Ali começaram muitos casamentos.
Não à toa, Domitila tornou-se uma espécie de santa casamenteira. Diz-se que as mulheres que dão três voltas ao redor de sua lápide e beijam o seu retrato, no Cemitério da Consolação, em São Paulo, arrumam marido.
Também é conhecida como “santa das prostitutas”, por ter ajudado estas mulheres, nas últimas décadas de sua vida. Domitila levou para o túmulo a ambiguidade que cercou sua vida. Promoveu o “amor romântico” em sua casa paulistana, mas foi lembrada pelo “amor carnal” no palacete carioca construído pelo primeiro imperador do Brasil.
(Fonte: http://oglobo.globo.com/historia – HISTÓRIA / A Nova Face da Marquesa/ Por RENATO GRANDELLE – 21/09/13)
A História foi cruel com muitas mulheres brasileiras. Algumas delas foram importantes para a formação do país, mas acabaram renegadas ao papel de coadjuvante pelos registros históricos.
Domitila de Castro Canto e Melo, que era da nobreza imperial, militou no Partido Liberal, liderou a sociedade paulistana no século XVIII, entre outros feitos, mas passou para a posteridade, simplesmente, como a amante de D. Pedro I.
Domitila de Castro Canto e Melo viveu grandes paixões, ganhou títulos de nobreza, militou no Partido Liberal, envolveu-se em grandes debates, liderou a emergente sociedade paulistana no século XVIII e defendeu os mais carentes. Mas passou para a posteridade, simplesmente, como a amante de D. Pedro I.
Na peça “Marquesa de Santos Verso e Reverso”, de Paulo Rezzutti, Domitila tem a oportunidade de questionar o escritor por trechos em sua biografia.
O monólogo traz à tona um questionamento sobre o verdadeiro papel das mulheres em nossa História. Normalmente, diminuído ou até apagado. A elas eram reservados apenas dois papéis: o de esposa fiel ou de amante.
– O papel da mulher brasileira foi sendo invisibilizado ou diminuído conforme se conta a História. Quem conta um conto aumenta um ponto. Mas, no caso das mulheres, parece que diminuem vários pontos – observa o escritor e biógrafo Paulo Rezzutti, que finalizou o roteiro da peça que mostra a rica e agitada vida de Domitila.
Rezzutti começou a perceber algo de errado na História de personagens femininas já em sua primeira biografia, lançada em 2013, justamente sobre a marquesa: “Domitila, a verdadeira história da Marquesa de Santos”. Em 2017, o escritor abordou o outro lado do caso. Escreveu sobre a mulher do imperador: “D. Leopoldina. A História não Contada”. Percebeu que, mais uma vez, a personagem recebia uma descrição histórica reduzida. Era a mulher traída e mãe do herdeiro do trono, D. Pedro II. O escritor a define como a mulher que arquitetou a independência do Brasil.
Como você começou a olhar mais para o papel da mulher na nossa História?
Trabalhos anteriores me levaram a notar como o papel da mulher brasileira foi sendo invisibilizado ou diminuído conforme se conta a História do País. Quem conta um conto aumenta um ponto. Mas, no caso das mulheres, parece que diminuem vários pontos. Comecei a minha carreira de biógrafo com a Marquesa de Santos. Estudando a figura de Domitila de Castro Canto e Melo, vi que ela não se resumia a amante do imperador. Viveu quase 70 anos, foi amante de D.Pedro durante sete, e teve uma vida riquíssima, de ações, de amores, de filhos, de processos políticos. Foi militante do Partido Liberal, tanto em São Paulo como no Rio de Janeiro. Havia uma participação política dela, em nível nacional e local, em São Paulo, completamente apagada.
(Fonte: https://oglobo.globo.com/celina / CELINA / “Mulheres do Brasil – A história não contada”, de Paulo Rezzutti / Por Élcio Braga – 30/06/2019)
Paulo Rezzutti, escritor e biógrafo que mostra a rica e agitada vida de Domitila.