Kalma Murtinho (Rio de Janeiro, 1920 – Rio de Janeiro, 20 de outubro de 2013), considerada a primeira-dama do figurino no Brasil e uma das fundadoras do Teatro Tablado.
Ela trabalhou em mais de 200 peças, além de ter feito incursões no cinema e na televisão. Sua premiada obra é tema do livro “Kalma Murtinho – Figurinos”, que a Funarte vai lançar em breve, com textos de Fernanda Montenegro e da crítica de teatro Barbara Heliodora.
Kalma Murtinho gostava de contar que desde pequena escolhia as roupas da família. Dizia, também, que sempre andou pelas ruas prestando atenção na maneira como as pessoas se vestiam.
Logo, o interesse infantil se transformou em profissão para essa carioca nascida em 1920. Autodidata, ela se tornou ainda na adolescência amiga de Maria Clara Machado, com quem montava peças e atuava nos acampamentos do Movimento Bandeirante. Anos depois, em 1951, quando Maria Clara fundou o Tablado, certamente o principal centro de formação teatral do Rio, foi natural que Kalma se juntasse à empreitada, o primeiro passo para aquela que se tornaria a mais influente figurinista do teatro carioca.
O primeiro reconhecimento ao trabalho de Kalma foi dado pela Associção de Críticos Teatrais do Rio, ainda no início da carreira no Tablado, pelo figurino de Baile dos ladrões, texto de Jean Anouilh dirigido por Geraldo Queirós em 1955. Pouco depois, em 1957, cuida dos figurinos do espetáculo Nossa vida com papai, de Howard Lindsay e Russel Crouse, montagem de Gianni Ratto para o Teatro Brasileiro de Comédia, o TBC, pela qual ganhou o Prêmio Padre Ventura do Círculo dos Críticos Independentes.
Em 1968, recebeu o primeiro de seus três prêmios Molière, por O jardim das cerejeiras, de Anton Tchekov, peça que inaugurou o Teatro Ipanema com direção de seu criador, Ivan de Albuquerque. Os outros Molière vieram em 1973, por O amante de Madame Vidal, dirigida por Fernando Torres, e em 1983, pelas peças Foi bom meu bem?, de Luís Alberto de Abreu, com direção de Wolf Maya, e Testemunha de acusação, de Agatha Christie, dirigida por Domingos Oliveira.
A Kalma fez figurinos para mais de 200 peças. Ela tinha bom gosto e uma noção muito clara do que ficava bem em cena. Sempre pensou no personagem e no conjunto visual de um espetáculo conta a crítica teatral Bárbara Heliodora, que, junto a Fernanda Montenegro, escreveu textos para o livro Kalma Murtinho Figurinos, obra com cerca de 450 imagens de croquis e fotos de cenas, que deve ser lançada ainda este ano pela Funarte.
Acho que a primeira vez que eu trabalhei com ela foi em 1974, com Pippin (musical de Roger O. Hirson e Stephen Schwartz, dirigido por Flávio Rangel). Depois fizemos muitas coisas juntas. Ela era uma artista extraordinária, com um desenho muito impressionante diz Marília Pêra. Se você fosse na casa da Kalma ia ver como ela era. Era um ateliê de arte. Ela era sinônimo de beleza.
A beleza do trabalho de Kalma esteve a serviço de outras tantas montagens consagradas no teatro carioca. Ela fez os figurinos para Cyrano de Bergerac, de Elmond Rostand, dirigida por Flávio Rangel em 1985, e para Orlando de Bia Lessa, que foi adaptada do texto de Vírginia Woolf por Sérgio SantAnna em 1989. Com Miguel Falabella, fez Filha de Lúcifer, de William Luce, em 1993; e com Ítalo Rossi, Vita e Virgínia, de Eillen Atkins, em 1996.
Ela foi a melhor escola do mundo, o que eu sei do teatro foi através dela conta Valeria Stefani, figurinista de filmes como Suprema felicidade (2010) e Faroeste caboclo (2013), e que foi assistente de Kalma em peças como Orlando.
Kalma também fez trabalhos para o cinema e para TV. Foram dela, por exemplo, os figurinos dos filmes Vagas para moças de fino trato (1993), de Paulo Thiago, e Amélia (2001), de Ana Carolina; e das novelas Saramandaia (1976) e Espelho mágico (1977).
Eu lembro dela como um sol. Sabe uma pessoa que era um sol na vida, e transmitia alegria para todos? Esta era a Kalma diz a artista plástica Thereza Miranda, de 85 anos, amiga da figurinista há 50.
Kalma Murtinho morreu em 20 de outubro de 2013, no Rio de Janeiro de 2013, aos 93 anos.
(Fonte: http://oglobo.globo.com/cultura – CULTURA – RIO DE JANEIRO – 20 de outubro de 2013)