O primeiro plantio comercial de soja no país

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Primeiras sementes chegaram ao Estado na localidade de Linha 15 de Novembro, trazidas em uma garrafa por um pastor americano.
Cultura oriental de 5 mil anos, a soja chegou ao Brasil no final do século 19, para testes próximo a Salvador, na Bahia. Não prosperou. Em 1908, os japoneses a introduziram em São Paulo, mas apenas para subsistência. Houve ainda outras experiências isoladas pelo país. Na disseminação da soja, a localidade de Linha 15 de Novembro, pertencente à Colônia Santa Rosa, na época município de Santo Ângelo, foi pioneira.
Em uma garrafa, as primeiras sementes foram trazidas pelo pastor luterano americano Albert Lehenbauer, quando retornava de um passeio à região de Missouri, em 1923. Desde 1915 ele desenvolvia sua missão religiosa no interior gaúcho. A pobreza da comunidade, formada por descendentes de alemães, estimulou Lehenbauer a difundir a cultura que havia conhecido nos Estados Unidos.
– Ele notou que a terra daqui se esgotava depois das plantações. A idéia inicial era recuperar o solo e criar uma alternativa de alimentação – diz a historiadora Lisete Friske Bär, uma das autoras do livro Soja, 80 Anos de Produção – 1924 a 2004, lançado na Feira Nacional da Soja (Fenasoja), em Santa Rosa.
Em latas ou em punhados, Lehenbauer foi repartindo os grãos para o plantio além de Linha 15 de Novembro. Em 1924, ocorreu a primeira colheita. Alguns agricultores devolviam a mesma quantia de sementes recebida, outros, a metade. Com isso, o pastor foi ampliando a difusão pela região. Por 13 anos, a soja foi sendo repassada sem interesse comercial.
– Tentaram na época torrar o grão para fazer café e pão, mas não deu certo – relata Lisete.
A soja era usada apenas para alimentar os suínos. Nos anos 40, surgiu a primeira fábrica de óleos da região, em Santa Rosa, e a cultura passou a ser vista comercialmente. Na década seguinte, o chinês Scheun Ming Ling comprou a indústria e estimulou os produtores a investir no grão.

ORIGEM MILENAR:
– A soja que hoje é cultivada no mundo originou-se de espécies de plantas rasteiras que se desenvolviam na costa leste da Ásia, principalmente ao longo do Rio Amarelo, na China.
– A evolução começou com o aparecimento de plantas oriundas de cruzamentos naturais entre duas espécies de soja selvagem, que foram domesticadas e melhoradas por cientistas da antiga China.
– Junto com o trigo, o arroz, o centeio e o milheto, a soja era considerada um grão sagrado.
– Apesar de ser reconhecida como uma das mais antigas plantas cultivadas no planeta, há cerca de 5 mil anos, o Ocidente só foi descobri-la na década de 20, quando os Estados Unidos iniciaram a exploração comercial.
Na busca de terras férteis, o grão se espalha. A terra vermelha da região de Santa Rosa não apresentava bons rendimentos para soja, milho e trigo. Com o solo esgotado, os gaúchos começaram a se espalhar por Santa Catarina e pelo Paraná à procura de terras férteis. Na bagagem, levaram sementes de soja.
O primeiro agrônomo fixo da região, Paulo Kappel, vivenciou o êxodo no final da década de 50, quando chegou para trabalhar pela Ascar/Emater. Em companhia de uma extensionista, foi um dos primeiros a visitar as propriedades e prestar assistência. Um dos mais dolorosos trabalhos da lavoura na época era a colheita da soja, feita a foice, segundo o agrônomo.
– As lavouras eram em quadrados, não havia curva de níveis. Para separar as propriedades, os agricultores faziam valetas, que acabavam originando voçorocas – recorda Kappel, 70 anos, ainda assistente da Emater Regional de Santa Rosa.
– Como o solo estava sofrendo com a erosão, um trabalho encabeçado por Kappel, a associação rural e a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) na década de 60 fez análises na terra. A Operação Tatu (como foi batizada, por escavar o solo para retirar amostras) apontou acidez. Era preciso fazer correção, colocar calcário.
A terra, que “não dava nem mandioca”, como se dizia na época, passou a produzir tanto que havia problemas de armazenagem. O empresário Pedro Carpenedo lembra que teve de alugar uma igreja em construção para guardar soja e trigo. Devido ao espaço insuficiente, o pátio da obra também serviu de silo, e uma lona cobria os grãos. Os financiamentos no Brasil para correção do solo, lembra, surgiram na época, depois de serem implantados na região de Santa Rosa:
– Antes, se pedia dinheiro só para plantar. E com juros. Conseguimos o financiamento a prazo longo para correção, sem juros.
O pastor pioneiro
O pastor Albert Ernest Henry Lehenbauer nasceu em 13 de fevereiro de 1891, em Missouri (EUA). Em 1915, chegou à região de Santa Rosa para trabalhar com a comunidade de luteranos, descendentes de alemães. Em 1923, depois de uma viagem aos Estados Unidos com sua mulher, trouxe as sementes de soja que foram plantadas na localidade de Linha 15 de Novembro. Em 1937, mudou-se para a Argentina. Teve oito filhos – três deles estão vivos. Morreu em 29 de abril de 1955, de derrame, em uma viagem de trem na Argentina.
O lucro chegou nos anos 60
A soja ganhou importância econômica e se consolidou como principal cultura do agronegócio brasileiro
É de 1941 a primeira estatística do cultivo de soja no Brasil. Naquele ano, dos 650 hectares plantados, todos na região de Santa Rosa, foram colhidas 540 toneladas.

A PRODUÇÃO DA SOJA NO BRASIL
Final da década de 40 25 mil toneladas
Metade da década de 50 100 mil toneladas
Final da década de 60 1 milhão de toneladas
Final da década de 70 15 milhões de toneladas
Safra 2003/2004 50,2 milhões de toneladas (previsão)
Na safra atual, a previsão é de mais de 50 milhões de toneladas em 21 milhões de hectares no país. O primeiro plantio comercial no país foi em Santa Rosa.

Atualmente, o Brasil é o segundo produtor mundial de soja e responde por mais de 25% das 194 milhões de toneladas colhidas no mundo. Foi a partir da década de 60 que o grão se estabeleceu como cultura economicamente importante no Brasil, estimulada pela política de auto-suficiência na produção do trigo. Nos 10 anos seguintes, a soja se consolidou como principal cultura do agronegócio brasileiro, incentivada em parte pela crescente demanda por parte de países da Europa e do Japão.
O pioneirismo da região de Santa Rosa também está na exportação do produto. Antes da II Guerra Mundial, a região chegou a vender soja para a Alemanha. No ano passado, o Brasil exportou 22 milhões de toneladas, o que representou US$ 8,4 bilhões.
Os agricultores gaúchos são precursores ainda em inventos para colher a soja. Da colheita manual a foice, a oleaginosa foi retirada do campo com máquinas artesanais movidas a tração animal, até que, em 1965, surgiu a primeira colheitadeira brasileira, criada pela então SLC, de Horizontina.
A região de Santa Rosa também foi uma das primeiras a plantar soja transgênica, contrabandeada da Argentina. A polêmica não é abordada no livro que conta a história da cultura. Atualmente, predomina a plantação do grão geneticamente modificado. O principal motivo da adesão seria a redução dos custos.
A região da Grande Santa Rosa é considerada o berço da soja no Brasil. Não foi o local onde o primeiro grão foi plantado, mas onde a cultura passou a ter importância comercial e se difundiu com os desbravadores gaúchos, à medida que eles subiam pelo Brasil.

(Fonte: Jornal Zero Hora – AGRICULTURA – Campo & Lavoura – Por Silvana de Castro – Casa ZH/Missões – Porto Alegre, sexta-feira, 07 de maio de 2004 – Edição nº 14138 – ANO 40 – Pág. Capa/04/05/06)

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