CRONOLOGIA DA ESTRADA DE FERRO

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POUCO RESTA NOS TRILHOS AOS 150 ANOS DA NOSSA PRIMEIRA FERROVIA

“Mais veloz do que uma flecha, do que o vôo de uma andorinha, o carro enfiou-se pelas trilhas, embalançou-se, correu, voou, devorou o espaço e, atravessando campos, charnecas e mangues aterrados, parou enfim arquejante no ponto onde o caminho não oferece segurança. O espaço devorado foi de uma milha e três quartos. O tempo que durou o trajeto foi de quatro minutos incompletos. Que futuro para o Brasil estávamos vendo nas rodas daquela locomotiva!”
O relato entusiasmado destacava-se nas páginas da edição de 7 de setembro de 1853 do Jornal do Commercio, do Rio de Janeiro. No dia anterior, o repórter acompanhara uma comitiva de autoridades que, a convite do maior empresário brasileiro da época, Irineu Evangelista de Souza, se aboletara num vagão de carga para participar da primeira viagem de trem do país. Fazia apenas um ano e uma semana que as obras haviam começado, sob a descrença de muitos. Mas deu certo. Eram só 3 quilômetros de trilhos, e a primeira ferrovia brasileira começava a mostrar-se uma realidade.
Tanto que, apenas oito meses mais tarde, em 30 de abril de 1854, o imperador dom Pedro II e a imperatriz dona Leopoldina embarcavam para a viagem inaugural da Estrada de Ferro de Petrópolis, a primeira do país. Os 14,5 quilômetros de trilhos, que terminavam ao pé da Serra de Petrópolis, se multiplicariam exponencialmente nos anos seguintes, tornando-se o principal meio de transporte de pessoas e mercadorias e impulsionando a ocupação de novas fronteiras. Quando dom Pedro II foi deposto, em 1889, já eram mais de 10 mil quilômetros de linhas. E, no primeiro centenário da histórica viagem, em 1954, chegavam a 37 mil quilômetros. A partir daí, o trem dessa história de pioneirismo, charme e eficiência começa a atrasar, perde o fôlego e acaba praticamente saindo dos trilhos. O Brasil festeja o sesquicentenário de seu primeiro trem, no próximo 30 de abril, com apenas 29 mil quilômetros de ferrovias, dedicadas quase que só ao transporte de cargas.
Há poucas exceções. Além de uma dúzia de linhas turísticas, apenas as duas ferrovias da Companhia Vale do Rio Doce levam passageiros, que podem viajar com relativo conforto, alta segurança e baixo preço, em estradas regidas com tecnologia equiparável às melhores do mundo.
PÉS DESCALÇOS. Quando tudo começou, o Brasil também estava em dia com os avanços da tecnologia. Depois de prestigiar a inauguração da primeira linha – e premiar seu construtor com o título de Barão de Mauá -, o imperador se tornaria passageiro freqüente do novo meio de transporte, que o levava até ebm perto do Palácio de Verão, em Petrópolis. A viagem começava no cais da Prainha, no centro do Rio de Janeiro, a bordo do vapor Guarani, e a primeira estapa terminava no Porto da Estrela, no outro lado da Baía da Guanabara, onde ficava a estação inicial da ferrovia, a Guia de Pacobaíba. O barco atracava num píer onde já estava à espera a composição puxada pela Baronesa, como havia sido batizada a locomotiva preta com enfeites de cobre polido, de 7,5 metros de comprimento e 17 toneladas, fabricada em Manchester, na Inglaterra.
De início, o trem resfolegava até a estação de Fragoso, na vila de Inhomirim. Em 1856, a ferrovia, já conhecida como Estrada de Ferro Mauá, alcançava a Raiz da Serra, 2 quilômetros adiante, onde os passageiros pegavam carruagens em direção ao centro de Petrópolis. A passagem custava 1 500 réis. Mas os mais pobres – identificados como tais os que andassem descalços – pagavam apenas 500 réis.
Se o mérito de implantar a primeira ferrovia é de Mauá, não pode ser esquecido o papel do governo imperial no desenvolvimento do novo transporte. Foi o próprio imperador quem incentivou a construção da Estrada de Ferro Dom Pedro II, inaugurada em 1858. O plano era ambicioso. A nova ferrovia deveria sair do Rio de Janeiro em direção ao Vale do Paraíba, daí para São Paulo e Minas Gerais e depois subir até o Rio São Francisco, para ligar o Sul ao Nordeste, onde também já eram abertas outras estradas.
A motivação principal para o desenvolvimento das ferrovias era escoar a produção agrícola em direção aos portos. Só em Santos, todo ano chagavam mais de 200 mil bestas de carga carregando café e outros produtos. Era natural, então, que os trilhos seguissem esses mesmos caminhos. Em 1867, surgia a Estrada de Ferro São Paulo, que dez anos depois se encontraria com a Dom Pedro II, inaugurando a ligação entre as duas principais cidades do império. Em São Paulo, mais do que nas outras regiões, as ferrovias iam-se tornando a ponta-de-lança da ocupação do interior, para onde carregavam as levas de imigrantes que chegavam ao Brasil.
A Companhia Paulista de Estradas de Ferro, por exemplo, fundou uma coligada, a Companhia de Agricultura, Imigração e Colonização (CAIC), para ir comprando as terras ao longo dos trilhos que implantava. Depois as revendia, com grandes lucros, para a
instalação de fazendas. “Eles ganhavam mais dinheiro com as terras do que com os trens”. Nisso, copiavam os americanos, na conquista do oeste, e os ingleses, em suas colônias”.
Além de fórmulas de negócios, os estrangeiros traziam também suas técnicas de engenharia para enfrentar os desafios de abertura das novas estradas. Trabalhando juntos, os brasileiros iam aprendendo. O primeiro obstáculo foi a Serra do Mar, na altura de Barra do Piraí, vencido com a perfuração do Túnel Grande, com 2 236 metros. No Sul, ninguém acreditava que fosse possível fazer a estrada de ferro entre Curitiba e o porto de Paranaguá. Mas, em cinco anos, foram colocados 110 quilômetros de trilhos, em certos pontos a quase mil metros de altura, sustentados por 420 obras de arte, entre as quais 14 túneis e 30 pontes.
E CHEGA O FUTEBOL. De dormente em dormente, as ferrovias se espalhavam, trocavam o vapor das primeiras locomotivas pela eletrificação e depois pelos motores a diesel. Toda a movimentação do país acontecia em torno dos trilhos. Até o iniciante futebol. Pois as duas primeiras bolas que aqui chegaram, trazidas da Inglaterra por Charles Miller, foram usadas oficialmente pela primeira vez, em 1895, num jogo em que a São Paulo Railway ganhou da Companhia do Gás por 4 a 2.
A política também se movia sobre trilhos. Para tomar o poder em 1930, Getúlio Vargas e seus companheiros da Aliança Liberal pegaram um trem no Rio Grande do Sul e, depois de várias escalas, desembarcaram na estação Dom Pedro II, no Rio de Janeiro, de lá seguindo para o Palácio do Catete, onde instalariam o novo regime. As tropas paulistas que o combatiam na Revolução Constitucionalista de 1932 também se deslocavam de trem.
Uma de suas composições era uma locomotiva com um vagão à frente e outro atrás, ambos blindados com um sanduíche de placas de aço e madeira de peroba e armados com um canhão e várias metralhadoras. Disfarçado como um trem de transporte, ele irrompia pelas linhas do governo, causando morte e destruição. Não por outro motivo ganhou o apelido de Fantasma da Morte.

CRONOLOGIA DA ESTRADA DE FERRO

1804 – O inglês Richard Trevithick testa a primeira máquina movida pela alta pressão do vapor: puxa um vagão com 9 toneladas de carvão.

1825 – Em 27 de setembro, a Locomotion, construída pelos ingleses George e Robert Stephenson, corre entre Darlington e Stockton, levando 600 passageiros por 51 km. É a primeira ferrovia regular do mundo.

1830 – É inaugurado o primeiro trem de passageiros dos Estados Unidos, entre Charleston e Hamburg, na Carolina do Sul. Também circula o primeiro trem na França, entre St. Etiènne e Lyon.

1835 – Surgem as primeiras ferrovias da Alemanha (entre Nuremberg e Furth) e do Canadá (entre La Praiere e St. Jean).

1835 – Em 31 de outubro, uma lei do Regente Feijó concede incentivos para a exploração de uma ferrovia ligando o Rio de Janeiro às capitais de Minas Gerais, Bahia e Rio Grande do Sul, mas não aparecem interessados.

1839 – Em 15 de setembro, os Stephenson inauguram a primeira linha regular de passageiros, um trecho de 63 km entre Liverpool e Manchester, com um viaduto e o primeiro túnel ferroviário do mundo.

1839 – A Great Western Railway, da Inglaterra, é a primeira ferrovia a usar o telégrafo.

1840 – O médico inglês Thomas Cockrane obtém a concessão para construir uma estrada de ferro entre Rio de Janeiro e São Paulo, mas não consegue investidores.

1851 – É inaugurada no Peru, entre Lima e Calero, a primeira ferrovia da América do Sul, com 14 km.

1854 – Em 30 de abril, é inaugurada a primeira ferrovia brasileira, a Estrada de Ferro de Petrópolis.

1858 – Em 8 de fevereiro, é inaugurada a segunda ferrovia brasileira, a Recife-São Francisco, com 38,5 km. No trajeto, na região de Afogados, no Recife, é construída a primeira ponte ferroviária do Brasil.

1858 – Em 29 de março começam a rodar os trens da Estrada de Ferro Dom Pedro II, num percurso de 48, 2 km entre o Campo da Aclamação e a localidade de Queimados, no Rio de Janeiro.

1860 – Em 28 de junho, é inaugurada outra ferrovia no Nordeste, a Estrada de Ferro Bahia-São Francisco.

1869 – O americano George Westinghouse patenteia o freio a ar, que torna os trens mais seguros. Também nos Estados Unidos é inaugurada a linha entre Nova York, no Oceano Atlântico, e São Francisco no Pacífico, com 5.300 km.

1879 – Circula pela primeira vez, em Berlim, uma locomotiva elétrica, criada pelo alemão Werner von Siemens.

1885 – Em 17 de novembro, é inaugurada a Estrada de Ferro Paranaguá-Curitiba, com 420 maravilhas da engenharia, entre as quais túneis, pontes e viadutos.

1889 – Com a proclamação da República, a Dom Pedro II é transformada na Estrada de Ferro Central do Brasil.

1891 – A Rússia começa a construir a maior ferrovia do mundo, a Transiberiana, de 9 mil km, concluída em 1916.

1910 – É eletrificada a Estrada de Ferro do Corcovado, no Rio de Janeiro.

1925 – Um motor a diesel é empregado pela primeira vez numa locomotiva. É a da Central Railroad, de Nova Jersey (EUA).

1950 – Começa a circular entre Rio de Janeiro e São Paulo o trem Santa Cruz, o preferido dos famosos. Em 1990, o serviço é suspenso.

1957 – É criada a Rede Ferroviária Federal, que unifica as 18 estradas de ferro federais, que possuem um total de 37 mil km de trilhos.

1985 – Começa a operar a Estrada de Ferro Carajás, levando o minério de ferro extraído no sul do Pará para o porto de São Luís, no Maranhão.

1994 – Volta a operar o trem entre Rio de Janeiro e São Paulo, com o nome de Trem de Prata. A linha funciona até 1998.

1996 – É realizado o primeiro leilão de desestatização das ferrovias brasileiras. O processo é encerrado em 1998. No total, 25 895 km de trilhos passam para a iniciativa privada.

(Fonte: Revista TERRA – Abril de 2004 – Ano 12 – N.º 144 – Editora Peixes – Pág. 63/64/65/66/67/68/69/70/71)

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