Giovanni Battista Piranesi (Mogliano Veneto, 4 de outubro de 1720 – Roma, novembro de 1778), arquiteto, arqueólogo, teórico, decorador de interiores, designer de mobiliário e, para além de ter inovado a veduta até ultrapassar o próprio gênero, é um dos maiores expoentes da Gravura europeia. A sua abordagem da Antiguidade, em termos estéticos e teóricos, teve uma imediata e duradoura influência no Neo-classicismo em toda a Europa e o seu gênio criativo perpassou o século XIX, foi retomado pelo Surrealismo e perdura até à atualidade.
Filho de um construtor, aprendeu arquitetura, engenharia, recebeu formação em cenografia, em perspectiva com o gravador Carlo Zucchi e, ainda em Veneza, frequentou os círculos onde eram debatidas questões teóricas sobre arquitetura e canons clássicos, que lhe despertaram o gosto pela arqueologia e pela controvérsia. Deixou Veneza, onde florescia a produção de vedute em que Canaletto se evidenciava, e chegou a Roma em 1740 na comitiva do Embaixador de Veneza. Aí, foi assistente do gravador Vasi que, juntamente com Panini no campo da pintura, dominava o mercado das vistas de Roma. Na época, a Cidade dos Papas era passagem obrigatória do Grand Tour e, na cidade cosmopolita e efervescente das ideias das Luzes, Piranesi iria contactar artistas, escritores, intelectuais, arquitetos e patronos que afluíam de toda a Europa, nomeadamente de Inglaterra. Produz as suas primeiras vedute de Roma em pequeno formato para Guias de turistas e, em 1743, publica as suas primeiras doze águas-fortes, Prima parte di architettura e prospettive. Iniciar-se-ia, assim, uma carreira operosa de cerca de quarenta anos durante a qual produziu mais de mil pranchas publicadas em dezanove obras pela sua própria casa impressora.
Para além de uma das mais extraordinárias obras jamais produzidas a água-forte, Carceri (1.ª ed. 1749-50; 2.ª ed. 1761), destacaremos as Vedute di Roma (ca 1747-1778) produzidas em grande formato ao longo de toda a sua vida: constavam, à data da sua morte, de 135 matrizes e reflectem, na generalidade, a evolução artística e o percurso intelectual de Piranesi. O termo veduta aplica-se a uma pintura, desenho ou gravura representando uma cidade, um monumento, um lugar, com uma concepção acentuadamente topográfica. As vedute têm a sua origem nas peregrinações a Roma no século XVI e em Itália tornaram-se num género, conhecendo o seu apogeu no século das Luzes, nomeadamente em Veneza e em Roma. No entanto, seria Veneza a ver surgir os seus maiores inovadores: Canaletto, Piranesi e Guardi. Piranesi iria transformar a vista gravada para souvenir de turistas intelectuais e aristocratas “num sofisticado meio de comunicação erudita com grande carga de emocionalidade”. Para além da sua formação e da tradição pictórica veneziana ligada ao esboceto e aos cambiantes atmosféricos em que o espírito barroco e a sofisticação do rococó encontraram terreno fértil, Piranesi situa-se no tempo da redescoberta da Antiguidade: Herculano em 1719 e Pompeia em 1748. Profícuas escavações arqueológicas foram realizadas em Itália e na Grécia e, em 1764, Winckelmann publica o importante trabalho teórico e de erudição, História da Arte na Antiguidade.
Por outro lado, a estética neo-clássica, reactiva à sobrecarga ornamental do rococó, dando primazia à linha sobre a cor, à simetria, e evitando a plasticidade do claro-escuro, abre uma brecha provocada pela tensão entre a razão e a sensibilidade, deixando escapar uma tendência “fantástica”, herdeira da paisagem rocaille. Esta tendência vai ser validada pelo conceito de “Sublime” que no pensamento e no gosto de setecentos teve um grande impacto. Originário da Grécia clássica (Do Sublime, atribuído a Longinus, século I D.C?), o conceito foi, entre outros, amplamente retomado por Edmund Burke, que, em 1756, publica Philosophical enquiry into the origin of our ideas of the Sublime and the beautiful: diferindo do Belo, o Sublime, através de qualidades como o vasto, o irregular, o obscuro, o supra-humano, o colossal e induzindo o terror, instituía-se como evocador das mais intensas emoções. Apesar de criticado por Kant, o conceito teve uma profunda recepção na segunda metade do século, estimulando o interesse pelo excesso, pela violência da Natureza e abrindo caminho ao Romantismo.
Como todos os artistas de excepção, sensíveis às novas ideias e, simultaneamente ultrapassando-as, Piranesi reivindica também a “poética da ruína” decorrente do seu interesse pela arqueologia e metáfora adequada às novas teorias estéticas e filosóficas. Assim, praticará a veduta, direta ou de reconstituição fidedigna segundo fontes documentais, e a veduta ideata, onde a ruína servirá de matéria para a sua vertente apaixonada e trágica.
O exemplar de Vedute di Roma aqui apresentado foi comprado em 1773 (*), ainda em publicação, para a Biblioteca da Real Mesa Censória, que viria a constituir o fundo primitivo da Biblioteca Nacional, juntamente com mais onze obras, perfazendo dezesseis volumes: relativamente às obras piranesianas publicadas até esta data (segundo Wilton-Ely), estavam em falta as três primeiras e, da Opera varie, apenas chegou até nós Trofei dOttaviano Augusto. A obra, que foi aparecendo sucessivamente no mercado em estampas avulsa ou em grupo, revela o domínio das várias técnicas de composição e efeitos de impressão, sendo de notar que Piranesi retomara o verniz duro de Callot, então em desuso entre os gravadores da época. Nos anos 50, os seus interesses arqueológicos acentuaram o carácter topográfico da representação; a partir de finais dos anos 60, o declínio da proteção da família papal, os Rezzonico, e o acréscimo da procura, levam a um aumento do ritmo de produção da oficina com resultados, por vezes, irregulares. Por outro lado, a sua relação pictórica com a gravura liberta o seu estilo livre, cenográfico e impetuoso: modela pela luz e manipula a perspectiva, transborda a quadratura e o trabalho de gravação ocupa toda a prancha. As figuras humanas também sofrem uma evolução: de integradas e narrativas no seu espaço próprio, passam a atemporais elementos dinâmicos da composição, apenas esboçados, lembrando Callot e Della Bella.
A natureza e a arquitetura, a Roma antiga e a cidade do Grand Tour entrelaçam-se num organismo vivo e, portanto, sujeito à mudança e à morte: perspectiva trágica da condição humana, desprovida já dos instrumentos teóricos da razão e da ética das Luzes. A graduação exponencial do desmesurado, o melancólico, o terrífico e, finalmente, o trágico, conduzem ao confronto entre a fragilidade da razão e a força da natureza, fermento da idiossincrasia romântica que (em vão) tentaria uma certa forma de apaziguamento através do sentimento místico do encontro consigo mesmo em harmonia com uma natureza primordial.
Giovanni Battista Piranesi nasceu em Mogliano di Mestre, perto de Veneza, em 1720 e morreu em Roma em 1778.
(Fonte: http://purl.pt/369/1/ficha-obra-piranesi – BIBLIOTECA NACIONAL – Maria da Graça Garcia)
(*) Bib. Pub. Arq. Distr. de Évora: BPADE COD. CXXVIII /2-17, por gentileza de Dra. Manuela Domingos
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