Lima Barreto, grande escritor que, enquanto viveu testemunhou a intolerância da crítica e do público

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Barreto: vida entregue à literatura

Afonso Henriques de Lima Barreto (Rio de Janeiro, em 13 de maio de 1881 – Rio de Janeiro, 1° de novembro de 1922), grande escritor que, enquanto viveu testemunhou a intolerância da crítica e do público.

Em 1994, foi ele quem alavancou o sucesso de Fera Ferida, a novela das 20h da Rede Globo, que manteve à época a boa média de 62 pontos no Ibope. Ela despertou o interesse em torno da obra do escritor, relançada no final de 1993.

Em “Um Longo Sonho do Futuro”, republicação de seus diários, entrevistas e correspondências, coletados e publicados anteriormente em uma edição das Obras Completas do escritor em 1956, constituem a chave para a compreensão da vida atormentada e da obra extremamente original de Lima Barreto.

Na obra de Lima Barreto, ao lado do inventor de linguagem e do ficcionista imaginativo, está o mais agudo cronista de toda uma época do país.

Os textos de “Um Longo Sonho do Futuro” mostram como o escritor apreendia a realidade em estado bruto para posteriormente recriá-la em sua ficção. Ao comentar os fatos diários, Lima Barreto se valia do mesmo tom ferino que seria transposto para seus livros.

Funcionário público, trabalhando para a Secretaria da Guerra, Lima Barreto criticava seus chefes com a mesma contundência dos personagens de seus romances. “Os oficiais do Exército do Brasil dividem com Deus a onisciência e com o Papa a infalibilidade”, escreveu em seu diário íntimo.

Esqueletos de romances, como o de Clara dos Anjos, aparecem sob a forma de anotações diretas, que parecem colhidas de uma notícia de jornal. Uma delas é bem esquemática: “Clara. Nasceu em 1868. Morte do Pai em 1887. Foi deflorada em 1888 (12 ou 13 de maio)”. Com tais anotações, os diários deixam entrever um pouco de sua metodologia de trabalho e de seu processo criativo. A reunião de escritos que formam o volume, porém, tem outros méritos.

OSSOS FRATURADOS – Através deles, conhece-se um pouco mais sobre o homem Lima Barreto, cuja história é marcada por choques entre literatura e vida. Foi internado duas vezes no Hospício Nacional de Alienados, outras no Hospital Central do Exército, às vezes com ossos fraturados pelos tombos que eram um dos saldos de seus porres.

O escritor se esculpiu, numa espécie de monumento às derrotas da arte para o mercado. Como seus primeiros livros foram recebidos com total indiferença, Lima Barreto arcou com a publicação de Triste Fim de Policarpo Quaresma. Não que o dinheiro lhe caísse fácil às mãos.

Uma das passagens do diário que manteve entre 1900 e 1921 faz um balanço de receitas e despesas. Ganhava 224 mil-réis para fazer face a despesas fixas de 217 mil-réis. Na conta não sobra nada para editar um livro. Fazê-lo era questão de vida. “Ah! A literatura ou me mata ou me dá o que eu peço dela”, dizia.

Um Longo Sonho do Futuro, como o título sugere, deixa entrever um sonhador tão alucinado quanto o Policarpo Quaresma de sua ficção. Com a diferença de que o sonho de Lima Barreto não desembocou num triste fim, mas na desconcertante realidade que é sua literatura.

(Fonte: Veja, 23 de fevereiro de 1994 – ANO 27 – N° 8 – Edição 1328 – LIVROS/ Por CELSO MASSON – Pág: 101)

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